A morte de um herói

11/03/2017

Stirling Moss e John Surtees, no GP de Portugal de 1960. foto: Edições Vintage

John Surtees nasceu a 11 de fevereiro de 1934, em Tatsfield, no Surrey e morreu hoje (10 de Março de 2017) no Hospital de St. George, em Londres. Os locais de nascimento e morte distam um do outro cerca de 16 milhas (menos de 26 quilómetros), um dado curioso apenas porque John Surtees deu várias voltas ao mundo aos comandos de motos e automóveis de competição.

Surtees era filho de um vendedor de motociclos londrino e teve uma brilhante carreira nas duas rodas, com sete Campeonatos do Mundo, quatro dos quais na categoria rainha de 500 cc. Quase tão importantes quanto estes títulos foram as três vitórias consecutivas no Tourist Trophy da Ilha de Man.

Depois, passou para os automóveis. Ou melhor, quase directamente para os Formula 1, em 1960! Estreou-se no Mónaco com um segundo lugar e, no seu terceiro Grande Prémio, fez a Pole Position. De todos os momentos da sua carreira, este é o meu favorito, porque aconteceu no dia 13 de Agosto de 1960, no Circuito da Boavista. Nos treinos rodou em 2m25,56s, à média de 183,02 km/h, um recorde que ficou para a eternidade, porque aquele traçado específico nunca mais foi utilizado — apesar dos tempos por volta terem baixado, porque a pista ficou mais curta, os WTCC nunca fizeram melhor do que 138,3 km/h de média… E sem as secções de empedrado e os trilhos dos eléctricos!

 Surtees, integrado no Team Lotus, teve como rivais Stirling Moss, Jim Clark e Innes Ireland, todos em Lotus 18 com motor Coventry-Climax, mas suplantou também Jack Brabham, Bruce McLaren e Tony Brooks, nos Cooper-Climax e Dan Gurney e Graham Hill, nos BRM. Phill Hill e Wolfgang Von Trips, nos belos mas antiquados Ferrari Dino 246 F1, ficaram a quase três segundos do inglês, que liderou a corrida — a primeira vez na carreira em que tal sucedeu. Todavia, uma ruptura no depósito de combustível, que encharcou o habitáculo e os pedais, acabou por causar um acidente, na volta 37 de 55.

 Surtees demonstrou toda a sua velocidade, garantindo também a volta mais rápida da corrida, que foi ganha por Jack Brabham. Em 1963 passou para a Ferrari e, no ano seguinte, foi campeão do Mundo de Fórmula 1, o único piloto a conseguir a distinção nas duas e nas quatro rodas.

Com a Ferrari, participou em dezenas de corridas para carros de GT e Sport Protótipos, conseguindo vitórias importantes nas 12 Horas de Sebring, nos 1000 Km de Nürburgring (por duas vezes) e nos 1000 Km de Monza.

Em 1966 saiu da Scuderia e começou a correr com os Lola T70, vencendo a primeira edição do campeonato de Can-Am. Correria ainda com o Chaparral 2H, Alfa Romeo 33, Ferrari 512 S, McLaren M12 e M7C, antes de produzir os seus próprios automóveis de Sport, os TS7 e TS9, com os quais correu até 1974. Desde 1970 que se lançara na produção dos seus próprios automóveis, como Brabham, Gurney e McLaren haviam feito antes. A Surtees Racing Organization venceria o campeonato europeu de F2, com Mike Hailwood outro grande piloto de motos que fez a transição para os automóveis. O Team Surtees resistiu até 1978, tendo como principal resultado o segundo lugar de Mike Hailwood no GP de Itália de 1972.

Depois de encerrar a actividade da sua equipa, Surtees dedicou-se à sua concessão da Honda e a aparecer em eventos históricos de motos e automóveis históricos.

Alguns anos depois, pude vê-lo a correr em Goodwood. Foi à 16 anos e meio, no ano 2000. Partilhava a condução do Ferrari 250 LM verde de David Piper com o proprietário, numa corrida de uma hora. John, então com 66 anos, garantiu que sairiam da Pole Position, deixando muito jovem piloto surpreendido com a sua rapidez. Na corrida, a troca de pilotos — dois veteranos com muitos amassos e uma perna prostética — demorou o dobro do tempo dos seus rivais directos e tiveram que contentar-se com o segundo lugar. Ainda assim, quem viu o Ferrari verde voar baixinho nas mãos de Surtees, como eu vi, não esquece que se tratou de um momento especial e irrepetível. O “Big John”deixou o plano terrestre aos 83 anos, cumprindo assim o destino há muito certo de se tornar mais uma lenda do desporto motorizado. Esta é a minha homenagem a um príncipe da velocidade, “il figlio del vento”, como lhe chamavam nos tempos da MV Augusta. Godspeed, Big John.