Venha de lá um ‘empurra’ do Japão!

02/04/2017

Poucos meios de transporte há que sejam mais eficazes do que o metro nas grandes cidades: rápido, acessível, democrático e com uma malha subterrânea que não provoca quaisquer constrangimentos na superfície, o metropolitano – ou metro, para abreviar – é a forma mais eficiente de deslocação nas cada vez mais sobrelotadas metrópoles.

Foi também esse conjunto de argumentos que me levou a abdicar do automóvel quando decidi passar pelo hospital de São José, junto ao Martim Moniz, para visitar um amigo em recuperação. A conjunção de fatores – sábado, calor a convidar aos passeios pela baixa lisboeta e o receio de não encontrar lugares de estacionamento ou, pior, de enfrentar tenebrosos engarrafamentos – facilitaram a decisão: de metro é que é.

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Mas, com apenas três carruagens, a linha verde – que liga Telheiras ao Cais do Sodré – trouxe-me uma noção de calor humano que há muito não sentia. Mas não pelas melhores razões: a cada estação que passava, as pessoas iam-se amontoando no interior enquanto empurravam na ânsia de caber mais um. O metro ia, portanto, a abarrotar. Numa das paragens, um jovem mais ‘matulão’ tenta entrar. Sem sucesso. Coloca-se a meio da porta e, dos seus vizinhos improvisados, pouco dispostos a perderem um pouco mais do seu espaço, soltam-se alguns olhares de negação que diziam praticamente tudo no seu silêncio: “tu não cabes, fica aí!”. E ficou. Um casal de turistas com as suas malas quis sair na estação seguinte – foi à risca, levando consigo metade da carruagem para conseguir sair. A mim também.

Mas na reentrada – drama –, apareceram mais uns quantos para rumarem à baixa e percebi aquilo que os utilizadores do metro de Tóquio, no Japão, devem sentir quando são empurrados como sardinhas para dentro da carruagem para que as portas fechem. O problema é que nas estações lusas ainda não existem aquelas autênticas ‘calçadeiras’ humanas, munidas de muito espírito de entreajuda e de luvas brancas imaculadas que são os funcionários das estações que tratam de empurrar os viajantes para dentro das carruagens. No Japão, até esse esforço é impressionante de ver. Quase comovente.

Mas, qual a razão de toda esta história? Simples: para que exista mobilidade urbana e para que as pessoas queiram, efetivamente, deixar os seus carros em casa, é necessário que se criem alternativas reais. E um metropolitano que, não raras vezes, está com perturbações no seu funcionamento (esperas de 10 minutos não são inéditas) e que proporciona aos seus utentes experiências de ‘esfrega-esfrega’ com outras dezenas de pessoas não parece ser uma escolha muito interessante.

O mesmo é válido para os transportes colectivos de superfície, em que longos períodos de espera, supressão de carreiras e preços elevados não se afiguram como características chamativas à sua utilização. Ou seja, face às desvantagens de se deslocar de carro para o centro da cidade, quer em termos de filas de trânsito, quer de custo, o benefício de se andar de transportes públicos tem de ser amplamente superior e, neste momento, esse equilíbrio está um pouco aquém do ambicionado.

Não há um cidadão que não esteja ciente dos constrangimentos financeiros que diversas entidades públicas sofreram nos últimos anos ao abrigo da crise e do foco da austeridade que iluminou o nosso burgo, mas não se pode querer uma coisa – a mobilidade – sem que se criem as alternativas suficientes. Além disso, talvez não fosse má ideia começar a proceder a uma política diferente de estacionamento: é este um dos principais problemas da malha urbana atual. Sem lugar para estacionar, os condutores vão andar às voltas, criando mais embaraço e mais poluição. Até porque, se entenderem que não têm meios de transporte públicos adequados, vão mesmo levar o seu carro. Olhe-se para a questão do estacionamento com mais afinco: mesmo que seja em zonas limítrofes das cidades, munidas de segurança apropriada, com custo acessível e de meios de transporte públicos adequados, o estacionamento tem de ser uma prioridade. Tirar lugares de estacionamento do interior das cidades não irá resolver qualquer problema, antes agravá-los.

Seja como for, numa era em que tanto se fala de novas profissões e de empreendedorismo, deixo o repto para a criação dos ‘empurras’. Venha de lá um do Japão para nos ensinar.