Quando Hamilton e Rosberg não passavam de promessas da F1…

09/11/2016

Este texto foi publicado no AutoSport há precisamente dez anos, e é muito engraçado perceber o que mudou numa década. O que na altura eram medos e incertezas, hoje em dia é perfeitamente banal. Mais um sinal de como o mundo está a mudar muito depressa…

No mesmo ano em que Michael Schumacher e Jacques Villeneuve abandonam a F1, assiste-se à eclosão de uma promissora vaga de talentos sub-21. O futuro passa por aqui…

Estávamos em dezembro de 2003 quando a Williams levou dois adolescentes de apelido famoso para uma sessão de testes em Jerez de la Frontera. Nico Rosberg e Nelson Piquet Jr tinham apenas 17 anos quando se sentaram no monolugar da equipa inglesa, tendo Rosberg ficado mesmo na história como o mais jovem piloto de sempre a guiar um Fórmula 1. Conta-se que a equipa teve alguns cuidados especiais e limitou as rotações do motor usado nesse teste, mas a facilidade com que os dois ‘teenagers’ chegaram a tempos minimamente competitivos levou alguns sectores da F1 a considerarem que o desporto estava a ser desvirtuado pelas ajudas eletrónicas. Alguns anos antes, semelhante discussão tinha sido instigada pela atribuição da Superlicença da FIA a um jovem cuja carreira nos monolugares se resumia a 23 corridas na Fórmula Renault.

O seu nome era Kimi Raikkonen e convém acrescentar que dessas 23 corridas, o finlandês venceu… 13. Um ano antes, em 2000, Jenson Button também tinha chegado à F1 sem a tradicional incursão pela F3000, mas ao contrário de Raikkonen, o inglês tinha evitado o sacrilégio de “saltar” a F3! No meio da tempestade, porém, havia um homem com poucas dúvidas: Peter Sauber. A FIA decidiu fazer o mesmo que o suíço – ou seja, olhar para a folha de tempos – e deliberou que Raikkonen tinha capacidade para, no mínimo, não constituir perigo para o restante pelotão da F1.

Recentemente, David Robertson, o manager de Lewis Hamilton, reagiu com sarcasmo quando lhe perguntaram se o seu pupilo estava pronto para a Fórmula 1: «O Kimi veio do karting e da F.Renault e mostrou ao mundo como estava pronto. O Lewis fez a F. Renault, a F3 e o GP2. Estará ele pronto?…»..

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É notório que Hamilton possui, de facto, um talento natural invulgar – ninguém é campeão no karting, na F. Renault, na F3 e no GP2 por mero acaso… – mas a F1 pode ser um terreno agreste para um jovem promissor. E se Hamilton revela ter-se preparado uma vida inteira para correr na F1, outros como Christian Klien parecem ter sido atirados às “feras” demasiado cedo. O veterano David Coulthard pôs o dedo na ferida quando se referiu ao seu antigo companheiro de equipa: «Tenho pena do Christian (Klien) porque ele teve pouca sorte este ano. E ainda é tão novo… As pessoas têm de se lembrar que quando se começa aos 19 ou 20 anos, um piloto é colocado sob muita pressão numa fase muito precoce da sua vida, quando provavelmente ainda vive com os pais. Na minha opinião, ele foi “empurrado” para a F1 muito cedo e nunca conseguiu mostrar o seu verdadeiro talento. É pena, porque ele guia bem e dá um bom feedback», referiu o escocês, pouco tempo após a rutura de Christian Klien com a Red Bull.

Sinais do tempo

A preparação psicológica pode ser um fator delicado, mas verdadeiramente nuclear é a questão da eletrónica e do desenvolvimento dos dispositivos de ajuda à condução. As exigências de pilotagem de um Fórmula 1 evoluíram à medida que a própria tecnologia se foi aperfeiçoando – a velocidade a que as coisas se passam hoje é incomparavelmente superior à que se verificava há dez ou vinte anos atrás. Basta reparar na inexorável redução dos tempos por volta, ano após ano, apesar de todos os esforços da FIA em sentido contrário…

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Mesmo se a pilotagem coloca hoje desafios renovados, é lícito questionar o que fariam jovens como Nico Rosberg ou Piquet Jr se, no seu tirocínio na F1, tivessem de guiar máquinas com motores turbo e 1.400 cavalos de potência, iguais às que os seus pais guiaram na década de 80. Seria improvável, até sob o ponto de vista biológico, que um jovem de 17 anos estivesse preparado para tamanha exigência física e mesmo psíquica. Mas foi a evolução técnica dos carros de F1 que, paradoxalmente, democratizou o acesso à modalidade, e esse pode ser um dos fatores que explica a avalanche de jovens que se prepara para tomar conta das operações. Mais de meio século volvido, e já quase ninguém se lembra que no primeiro Mundial de F1, em 1950, Juan Manuel Fangio tinha 38 anos, Nino Farina 43 e Luigi Fagioli já contava 51 primaveras…

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A cena contemporânea é dominada por um prodígio de precocidade, Fernando Alonso, o mesmo que fez a primeira corrida na F1 aos 19 anos, e que no ano passado se tornou o mais jovem Campeão do Mundo de sempre, aos 24 anos. E se pensarmos que a média de idades entre Kubica, Nico Rosberg, Kovalainen, Hamilton, Vettel e Piquet Jr é pouco superior a 21 anos, então sopra mesmo um vento de mudança sobre a grelha da F1.