Com um currículo que impressiona pela diversidade e competitividade na grande maioria das provas em que participou, Bernd Schneider mantém ainda hoje o seu gosto pelo desporto automóvel. Desempenhando o papel de embaixador da Mercedes-AMG, com a qual obteve muitos dos seus sucessos desportivos, o piloto alemão passou por Portugal para mais uma edição das Racing Stories, uma serie de conversas que junta algumas das principais figuras de renome do automobilismo para reviver o passado, falar sobre o presente e antecipar o futuro da competição motorizada.

Oportunidade de excelência para o Motor24 algumas ideias com o multifacetado piloto, que passou em revista a sua longa carreira, na qual se incluem passagens pela Fórmula 1, embora nunca tenha sido muito competitivo com a Zakspeed, pequena equipa germânica que dava igualmente os seus primeiros passos na modalidade, mas sobretudo, uma vivência de sucesso no Campeonato Alemão de Carros de Turismo (DTM).

Além disso numa era em que a mobilidade atravessa uma grande mudança no seu paradigma, Bernd Schneider, profundo conhecedor da indústria automóvel, deu a sua opinião sobre a evolução dos sistemas de propulsão.

Motor24: Tens uma longa carreira que começou na Fórmula 1 e terminou no DTM, com passagens interessantes por diversas competições de velocidade. Ainda tens hoje a mesma paixão pelo desporto que tinhas quando começaste?

Bernd Schneider: Sim, ainda tenho a mesma paixão, mas já é de uma forma diferente. Hoje, tenho essa paixão, mas já não de uma forma em que esteja sempre a forçar para vencer todas as corridas. Mas acho que é normal, com o avançar da idade, que as prioridades mudem. Ainda adoro o desporto automóvel e fico contente por ainda poder fazer algumas corridas por ano.

M24: Ser embaixador da Mercedes-Benz e da sua divisão desportiva AMG é uma forma de manteres também essa paixão viva?

BS: Tenho muita sorte: terminei a minha carreira em 2008 e fui eleito embaixador da AMG, que é uma marca com muita paixão e uma visão de performance interessante, podendo fazer parte da marca para os carros de estrada, fazer os lançamentos dos carros, ser instrutor na academia de pilotagem e trabalhar também com o museu, porque estão lá uns dez ou 11 carros da minha carreira e é fantástico encontrar outra profissão em que posso viver a minha paixão e continuar a conduzir bastante, divertindo-me como na minha carreira.

M24: Em relação ao novo hiperdesportivo da AMG, podes levantar um pouco do véu e dizer se vai ter muita tecnologia derivada da Fórmula 1?

BS: Não posso adiantar muito mais, terás de perguntar ao meu chefe (risos), mas terá muita tecnologia da Fórmula 1, isso posso garantir. Mas não posso mesmo dizer mais.

M24: Em termos de perigosidade do desporto, como é que um piloto lida com a sensação de risco ao longo dos anos? Há uma diferença na forma como o perigo é percebido?

BS: Tenho a sorte de estar envolvido no trabalho com a Mercedes-Benz e tive o privilégio de conduzir alguns carros muito antigos, entre eles os ‘Flechas de Prata’ dos anos de 1930, quando o desporto era realmente perigoso e os pilotos eram verdadeiros heróis. Penso que tenho muita sorte de ter nascido mais tarde e de ter chegado à F1 numa era em que a modalidade era já muito mais segura. Mas, também tenho sorte de ter sobrevivido a todas as corridas que fiz, porque competi dois anos com um Porsche 962 e era um carro perigoso. Mas nunca pensei muito no perigo, fazia parte do jogo e era jovem.

M24: Regressando ao passado, como é que era estar numa equipa como a Zakspeed no início da carreira? Sendo pouco competitivo, como é que se encontrava motivação para competir todas as semanas?

BS: Não é muito fácil ganhar motivação, em especial em 1989, com o motor Yamaha que era um pesadelo. Sofri bastante ao longo da época toda. Mas tive a sorte de vencer as 24 horas de Spa-Francorchamps desse ano com um Ford Sierra Cosworth e isso deu-me motivação e mostrou-me que era um bom piloto e que tinha azar na F1. Quando se está num nível tão mau como eu estava com a Zakspeed, começa-se a duvidar das nossas capacidades e isso é mau. Temos sempre de ter confiança. A F1 chegou muito cedo para mim e foi muito difícil naquela altura. A equipa em que entrei estava em grandes dificuldades e foi muito complicado para mim. Mas não foi uma decisão minha… Tive a sorte de ter recebido a oferta e de ter participado na F1. Penso que tentei tirar sempre o máximo partido de todas as situações em que estive.

M24: Há algum tempo, numa conversa com Taki Inoue, que gosta de se considerar como o pior piloto de F1 de sempre, ele deu a opinião que um bom piloto num bom carro pode ter sucesso. É mesmo assim?

BS: Não, porque se não se for mesmo um bom piloto não se chega à F1… Pode-se dizer que há pilotos de sucesso e outros de pouco sucesso. Um que não tenha tido sucesso anteriormente pode chegar a um bom carro e atingir o sucesso. Mas um piloto sem qualquer talento não chega mesmo à F1, porque o nível nas fórmulas de acesso está tão difícil que não se consegue lá chegar sem talento. Antigamente era mais fácil, em que se podia saltar da F3 para a F1 com ajuda do dinheiro, mas hoje é mais difícil.

M24: No currículo, com três passagens pelas 24 Horas de Le Mans, nunca chegaste ao triunfo. É algo que gostarias de voltar a tentar?

BS: Le Mans é uma grande corrida, adoro as provas que fiz, em especial com a Porsche no primeiro ano. Mas nunca pensei que tinha de ter isso na minha carreira, nunca foi algo em que pensasse muito. Se vencesse seria ótimo, mas não creio que tenho de ter isso na minha carreira.

M24: A passagem para o DTM trouxe o sucesso, contando com largos anos de triunfos. Quando é que decidiste que tinhas de parar?

BS: Quando se passa dos 40 anos, começa a ficar cada vez mais difícil lutar com os mais jovens e em 2003 fui campeão, em 2004 e 2005 já tive mais dificuldades. O nível de competição era já muito difícil e percebi em 2006 que, se não se está 100% motivado e concentrado é muito complicado estar no DTM. Tem de se estar no máximo e a pensar no limite. Tinha prioridades diferentes nessa altura e decidi parar. Foi uma boa decisão. Venci pelo menos uma corrida ou estive numa pole position em cada ano e tomei a decisão certa de abandonar no momento certo.

M24: Vivemos atualmente um momento de muita discussão em torno do automobilismo e da própria indústria no que diz respeito à tecnologia de propulsão. Qual é que achas que será o caminho a seguir?

BS: É muito complicado fazer previsões neste momento, porque temos os construtores todos um pouco receosos sobre a tecnologia na qual investir, porque ainda não está decidido o que é se vai ter no futuro. Tenho a certeza de que os sistemas elétricos e híbridos não serão o futuro dos carros. Creio que será algo de diferente, mas ainda ninguém sabe ao certo o que será neste momento.

Para o automobilismo, claro, temos de ver o que é que será, mas os híbridos estão neste momento na F1 e penso que foi uma boa decisão, porque essas tecnologias são algo que vamos ter nos carros de estrada uma vez que, dentro de alguns anos algumas cidades vão limitar os carros a combustão dentro das cidades. Aí, funcionará em modo elétrico, mas fora da cidade pode-se ligar o motor a combustão para viagens mais longas. Este será o futuro a curto-prazo.

Para o desporto é bom, porque com ambos os sistemas podemos ter voltas mais rápidas e o nível na F1 é já muito elevado, com o carregamento das baterias e isso vai ajudar os construtores a transferir a tecnologia para os carros de estrada, num prazo de cinco a dez anos. Depois disso, não sei o que será, mas será algo diferente do que temos.

M24: Haverá alguma distanciação hoje dos mais jovens em relação aos automóveis e ao desporto, também pelas críticas que sofrem a nível do ambiente?

BS: A paixão pelo desporto ainda existe, mas já não é como há alguns anos. No meu país, na Alemanha, decresceu nos últimos anos, mas aconteceu o mesmo com o ténis, quando tínhamos o Boris Becker e a Steffi Grafi e depois do seu abandono o interesse reduziu-se, mas na F1 pode mudar se se puder novamente contar com um piloto como Schumacher.

Por outro lado, neste momento, os carros que estão na estrada têm uma imagem ‘pesada’. Os governos estão sempre a apontar para a indústria automóvel, a dizer que os carros são poluentes e a única razão é para colocarem taxas sobre os carros e sobre o combustível, dizendo que são maus para o ambiente. Penso que é algo que também não ajuda o desporto automóvel a ser tão popular. Mas fico satisfeito por ver que ainda existe muita gente que adora o automobilismo.

M24: Se pudesses escolher uma era para competir, qual seria?

BS: Os anos 1930 e os 1950 eram incríveis mas demasiado perigoso. Ótimos, mas muito perigosos. Creio que hoje o automobilismo está mesmo no seu ponto mais alto.

M24: Quanto a melhores pilotos da modalidade, qual é que vês como o melhor e mais completo?

BS: Não é fácil escolher só um porque cada piloto competiu numa era diferente. Mas se se falar com um piloto antigo como o Stirlng Moss, ele dirá que o [Juan Manuel] Fangio foi o melhor de sempre. Tive a sorte de o conhecer em 1994 em Norisring e foi incrível. Um herói. Mas, a pessoa que conheci e que tinha o nível competitivo mais elevado e uma concentração especial foi o Ayrton Senna. Para mim, um piloto extraordinário. Só tinha uma coisa em mente: ser campeão do mundo. Era totalmente concentrado. Competi dois anos com ele… quer dizer, não contra ele, mas na mesma categoria… (risos) Mas ele sabia que eu estava lá, porque uma vez tive um acidente em Suzuka e tive um problema com o meu braço esquerdo e ao jantar em Suzuka, eu estava a jantar num restaurante e ele veio à minha mesa perguntar como estava e eu pensei ‘ele reconheceu-me’ e foi incrível. Não estava apenas concentrado em si, mas também nos outros, mesmo num piloto que era último ou que andava lá perto… Penso que era uma pessoa fantástico e um dos pilotos mais incríveis que conheci. Claro que o Michael Schumacher, com tudo o que alcançou, também foi incrível. Para mim, estes três – Fangio, Senna e Schumacher – são os melhores que alguma vez conheci.

M24: Falaste há pouco nos pilotos alemães que podem voltar a tornar a F1 num desporto muito popular na Alemanha. Qual o piloto alemão que poderá ser o próximo a despontar?

BS: Pergunta complicada… O Mick Schumacher ainda é muito jovem, mas tem feito boas provas. Mas há outros pilotos muito bons, como o Maximilian Gunther, que está na F3, mas ainda é difícil prever.

M24: Bernd, no meio de uma carreira tão longa, recordas-te de um momento em que tenhas cometido um erro embaraçante?

BS: Felizmente, nunca cometi muitos erros, mas lembro-me que numa edição das 24 Horas de Nürburgring capotei um carro e fui embaraçoso ter de entrar nas boxes e explicar o que aconteceu. Nesta profissão, é bom que os erros só aconteçam uma vez e, na minha carreira, só aconteceu uma vez.

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