Itália 2001: O GP em que os Ferrari correram de luto

01/09/2017

O dia 11 de setembro de 2001 levava ainda poucas horas desde o amanhecer quando o primeiro de dois aviões, da American Airlines, colidiu com a Torre Norte do World Trade Center, complexo empresarial e turístico que se tornou imagem de marca do panorama da cidade de Nova Iorque.

A estupefação transformou-se em comoção horrorizada quando um outro avião, da United Airlines, fez o mesmo na Torre Sul. Aos milhares de mortes daí resultantes, juntaram-se ainda as do ataque em Washington e da tentativa falhada no voo 93, o qual acabou por cair na Pennsylvania. Assim, em poucas horas e numa história de quatro atos apenas, se alterou o panorama mundial, com ondas de choque a repercutirem a ideia de que o mundo havia mudado de vez.

Foi neste cenário ainda de consternação e receio globalizado que o Mundial de Fórmula 1 chegou, no fim de semana imediatamente a seguir, a Monza, palco histórico da competição automóvel e a ‘Catedral’ da Velocidade’. O campeonato estava já decidido desde o GP da Hungria, quando Michael Schumacher selou um ano de domínio encarnado ainda com muitas corridas pela frente.

Porém, levantaram-se dúvidas na antecâmara do evento. Chegou-se a colocar a hipótese do cancelamento do evento, mas a possibilidade foi rapidamente eliminada por Bernie Ecclestone, o detentor dos direitos da Fórmula 1 na época. Indisfarçável, o ambiente pesado era visível um pouco por todas as equipas, com muitas delas a terem patrocinadores ou ligações ao mercado dos EUA. Em virtude disso, assistiram-se a algumas homenagens de relevo.

A Jaguar pintou a cobertura do motor de preto na manhã de sábado e a Jordan colocou bandeiras dos Estados Unidos no local usualmente destinado à Deutsche Post. Contudo, a maior das homenagens foi feita pela Ferrari, a histórica marca italiana com participação contínua na modalidade desde 1950 e com a sua tradicional decoração vermelha a ser substituída em ocasiões apenas muito circunstanciais. Sucedeu, apenas, em 1964, quando num ‘finca-pé’ com a Federação Italiana de Automobilismo, inscreveu os seus carros sob licença americana (pela equipa NART) nas duas últimas corridas, com John Surtees a sagrar-se campeão nesse ano. Contudo, tratou-se apenas de uma situação esporádica, naquele que foi mais um desafio de Enzo Ferrari às autoridades desportivas transalpinas por causa da homologação de um carro de competição.

Por isso mesmo, atendendo às suas ligações àquele país, a Ferrari surgiu em Monza privada de qualquer autocolante de patrocinadores nos seus monolugares, o mesmo sucedendo nos equipamentos de mecânicos e de pilotos, com Michael Schumacher e Rubens Barrichello a surgirem com fatos vermelhos e capacetes sem qualquer menção a patrocinadores. Simbolicamente, o nariz dos dois F2001 surgia pintado de negro, em homenagem aos trágicos eventos do dia 11.

Pacto de ‘não-agressão’

Combalido pelos acontecimentos dos Estados Unidos, Michael Schumacher acabou por ser um dos pilotos que mais tentou fazer do GP de Itália um evento isento de riscos nas duas primeiras chicanes da corrida, procurando um consenso entre os 22 pilotos para não se ultrapassar nas duas primeiras curvas.

Com a primeira chicane a ser bastante apertada (uma direita/esquerda a que se chegava a altíssima velocidade) e com a segunda chicane a ter causado um acidente grave que acabou por causar a morte de um bombeiro no evento de 2000, Schumacher tentou firmar um ‘pacto de não-agressão’. Além disso, ensombrando ainda mais o panorama, no dia anterior ao da corrida em Monza, Alex Zanardi havia sofrido um violento acidente na corrida da ChampCar na Alemanha, perdendo as duas pernas em consequência.

“Não tentem ser heróis, em especial na primeira chicane. Não é preciso correr riscos. Quero ver-vos a todos, vivos, na próxima corrida”, disse Schumacher aos restantes pilotos, de acordo com um dos jornalistas da Globo, que ouviu a conversa do alemão com alguns dos outros participantes ainda na grelha de partida.

O plano de Schumacher, que tinha o apoio de outros pilotos como Jean Alesi, acabou por falhar, com Jacques Villeneuve e Fernando Alonso a mostrarem-se contrários à ideia de se eftuarem duas curvas ‘a feijões’, o mesmo sucedendo com os diretores das equipas, que quiseram que a corrida decorresse com normalidade.

Assim foi. A prova acabou por decorrer com total normalidade, com Juan Pablo Montoya a vencer pela Williams, enquanto Rubens Barrichello foi o segundo, logo seguido por Ralf Schumacher, também da Williams. O mais velho dos Schumacher foi apenas o quarto, tendo referido um ano depois que tinha “más sensações” naquele fim de semana. Também houve quem dissesse que o alemão faria uma volta na corrida e que se retiraria no final dessa, mas Schumacher foi mesmo até ao final da prova.

Este não foi, porém, o único grande prémio em que a Ferrari utilizou o negro para sinalizar um evento trágico: no GP do Bahrein de 2005, a morte do Papa João Paulo II levou a que os monolugares levassem também o nariz pintado de preto, em sinal de luto.

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