Ensaio Renault Kadjar 1.5 dCi 110: Luta de classes

27/03/2017

O caso do Renault Kadjar é bem sintomático do atual desajuste das leis de classificação nas portagens em Portugal. Não é caso único: sendo um ‘best-seller’ na Europa, o bem-sucedido Opel Mokka (e Mokka X) também padece de mal semelhante em Portugal, ao ser classificado como Classe 2 quando se trata de um SUV compacto.

Mas o caso do Kadjar é ainda mais curioso se se pensar que a base é a do Nissan Qashqai (partilham mais de 60% dos componentes) e que este último é Classe 1. Mas a altura ao nível do eixo dianteiro, ponto onde é medida a altura ao solo, ‘minou’ a chegada deste SUV ao nosso território. Isto porque, no caso de superar o 1,10 m, passa a ser Classe 2. Face a esta problemática, a Renault procurou responder à altura (sem trocadilhos…) e incumbiu a Renault Tech, um dos departamentos da Renault Sport, de modificar tecnicamente o Kadjar para que pudesse ter um peso bruto de 2.300 kg. A solução foi dotar este SUV com técnica da versão 4×4 (que não se vende no nosso país), ou seja, eixo traseiro multibraços e estrutura reforçada, o que foi conseguido sem que se tenha aumentado a sua tara de forma dramática. Com efeito, a Renault advoga um incremento inferior a 50 kg para esta versão 4×2.

Eis, então, a explicação para uma variante mais ‘amiga’ dos consumidores portugueses, conseguindo passar o Kadjar para Classe 1 quando e apenas equipado com Via Verde. E esta é uma premissa importante porque, sem ela, volta a ser um Classe 2.

As vantagens do ‘problema’

Mas, por outro lado, o ‘problema’ também trouxe benefícios para a Renault, como é o caso do comportamento dinâmico, já que as suspensões mais elaboradas trouxeram consigo um grande aprumo no comportamento, denotando agilidade e bons níveis de conforto (não obstante alguma firmeza), com amortecimento muito competente em qualquer situação. A passagem em curva faz-se de forma eficaz e com rolamento de carroçaria controlado apesar dos 20 cm de altura ao solo, que melhoram igualmente a sua prestação fora do asfalto.

A direção é, por outro lado, aquilo que menos entusiasma, sendo algo vaga e pouco sensitiva para uma prestação mais dinâmica.

Além disso, retornando à sua altura ao solo, há sempre forma de ir por caminhos menos próprios, aí valendo a boa altura ao solo e o sistema Grip Control (através dum comando rotativo na consola), o qual oferece três modos de condução, um para estrada e os outros dois para fora de estrada (com destaque para o Expert), funcionando até aos 40 km/h. Até pelos pneus mistos Mud&Snow, o Kadjar acaba por ser um compromisso interessante para uma maior versatilidade familiar, graças igualmente a ângulos de ataque e de saída, de 18 graus e de 28 graus, respetivamente.

Contudo, sendo um modelo de tração dianteira, parece-nos que o Kadjar tem o seu foco, tal como tantos outros no segmento, no asfalto…

Motor é ‘velho’ amigo

O motor Energy 1.5 dCi de 110 CV já tem provas mais do que dadas, merecendo por isso a confiança da marca para movimentar este modelo, voltando a destacar-se pelas suas capacidades muito fiéis de aceleração, atendendo ao peso do conjunto. Eclético e muito suave na entrega da potência, o motor oferece desembaraço, mesmo que a sua faixa de atuação mais indicada se situe entre as 1.750 rpm e as 3.500 rpm: ou seja, dentro desta faixa tem acelerações e recuperações interessantes, mas abaixo das 1.500 rpm denota alguma falta de ‘pulmão’, sobretudo nas recuperações, obrigando a recorrer à caixa de seis velocidades com alguma frequência de forma a recuperar o ritmo.

Não se poderá pedir muito mais a este motor, que se pode considerar uma solução adequada. A caixa tem escalonamento acertado para equilibrar prestações e consumos, acabando por fazer um bom trabalho na sua premissa fundamental: mover o Kadjar com competência na grande maioria dos cenários.

Manifestamente bom é o consumo: facilmente se consegue andar na casa dos cinco litros muito baixos ou quatro altos. No nosso ensaio, com 60% de utilização urbana e os restantes divididos entre nacionais e vias rápidas (dentro dos limites), obtivemos uma média de 5,1 l/100 km.

Está-se bem a bordo

A vivência a bordo é outro dos seus predicados positivos, mostrando muito espaço para todos os ocupantes, mesmo atrás, onde os adultos podem estar com desafogo, tanto ao nível das pernas, como em altura ao tejadilho. Reparo, apenas, para a ausência de saídas de climatização atrás.

A qualidade dos materiais está num bom nível, havendo uma profusão de revestimentos em pele com pespontos contrastantes, além de materiais macios nas superfícies em que condutor e passageiros mais colocarão o olhar. Ainda assim, alguns materiais, como o que rodeia o ecrã tátil, parecem menos conseguidos. A bagageira, com os seus 472 litros, está apenas na média do segmento, não surpreendendo pela sua dimensão.

O equipamento de série é muito completo, com ar condicionado bi-zona, ecrã tátil avançado com sistema R-Link2 de última geração, conectividade elaborada e outros itens contribuem para um pacote apetecível. O funcionamento do ecrã tátil carece de algum hábito, mas a sua leitura é fácil, ainda que não tenha as mesmas dimensões com se encontra no Mégane, Espace ou Talisman. Além do acesso à navegação, pode ainda aceder ao conteúdo multimédia, conectá-lo ao smartphone, aceder ao contolo de sistemas de ajuda à condução (que são outra mais-valia, como o de Travagem de Emergência, de Saída da Faixa de Rodagem ou o de Leitura dos Sinais de Trânsito) e dados de viagem mais detalhados.

Por um custo de 29.710 euros, o Kadjar assume-se como uma proposta muito credível, fortalecendo a gama de modelos da marca francesa. Mesmo que o atraso na chegada ao mercado – alheio à Renault, recorde-se – tenha tornado a sua vida mais complicada num segmento que está em ebulição.

Veredicto

O Renault Kadjar levou cerca de um ano a chegar a Portugal e isso retirou-lhe muito do seu potencial no nosso mercado, uma vez que entretanto chegaram outros concorrentes de peso como o Peugeot 3008 ou o Volkswagen Tiguan. Lá fora, onde as leis têm, de facto, algum sentido no que toca às portagens, o Kadjar tem merecido grande sucesso, algo que apenas agora poderá fazer no nosso país, sendo a versão aqui ensaiada um bom exemplo de eficácia, rigor dinâmico e facilidade de condução. O motor 1.5 dCi de 110 CV é uma boa ajuda e demonstra bons argumentos, como a economia, mesmo que nalgumas situações pareça ‘justo’. Bem equipado, este Kadjar serve de forma competente os seus propósitos, rivalizando taco-a-taco com propostas rivais do segmento. Respeitando o provérbio popular, ‘mais vale tarde’…

‘Devo comprar?’ Muito sucintamente, o Kadjar com motor Diesel de 1.5 litros faz quase tudo bem, pelo que é facilmente recomendável, não havendo nada sério a apontar. O motor não será o campeão das performances, mas é muito competente na maioria das situações e de agradável condução, além de ter na economia uma ‘arma’ real. A habitabilidade é outro aspeto de destaque, pelo que se faz muitas viagens e quer ter uma pitada de aventura de vez em quando, este pode ser o Renault certo, servindo até de alternativa a um Mégane Sport Tourer. Caso as suas viagens sejam feitas com lotação cheia e muita bagagem, os 110 CV poderão ficar muito ‘esforçados’.


Grip Control: O que é?

O Kadjar tem apenas tração dianteira em Portugal, mas a versão XMOD tem uma pequena rebeldia na forma do sistema Grip Control que, em associação com os pneus específicos proporcionam uma ajuda em terrenos mais escorregadios ou de difícil motricidade. O modo Estrada é autoexplicativo, ou seja, serve para a maioria das situações em estrada, sendo que é em pisos de neve ou lama que o modo Fora de Estrada deve ser ativado no comando central rotativo. Este sistema adapta automaticamente a potência às condições do piso. Já o modo Expert permite ao condutor um maior foco na aventura, com a rotação das rodas a ser controlado a partir da eletrónica, transferindo a força para a roda que mantém a aderência em caso de dificuldades de motricidade.

CaracterísticasRenault Kadjar 1.5 dCi 110 CV XMOD
Motor1.461 cc, turbodiesel, injeção direta, intercooler
Potência110 CV/4.000 rpm
Binário260 Nm/1.750 rpm
TransmissãoDianteira, caixa manual de seis velocidades
0-100 km/h11,9s
Velocidade máxima182 km/h
Consumo (anunciado/medido)3,9 l/100 km (5,1 l/100 km)
Emissões CO2103 g/km
Peso1.426 kg
Suspensão (Fr/Tr)Independente McPherson/Independente multibraços
Mala472/1478 litros
PreçoPreço: 29.710€ (XMOD)

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