Dois amigos compraram um SEAT Marbella a meias. Custou 500 euros. Depois juntaram outros amigos e foram artilhando e preparando o velhinho Marbella para uma grande aventura em Marrocos. Uma semana de emoções e histórias inesquecíveis de uma aventura low cost, contadas na primeira pessoa, por João Santos que fez dupla com José Vieira nesta edição do Maroc Challenge.

Um relato de viagem

“Já em casa no conforto da habitação, deixo-vos um balanço do que foram estes 10 dias de Maroc Challenge, deixem ainda que vos de uma comparação com o Dakar, pois isto acaba por ser um Dakar acessível a qualquer um com umas pequenas diferenças entre eles, a começar pela distância, no Dakar cada etapa tem cerca de 200 quilómetros aqui tinham entre 300 e 400 quilómetros, no Dakar são carros de um milhão de euros aqui é um bocadinho menos, bastam 500€. No Dakar existem pilotos, equipa mecânica, massagistas etc, aqui somos pilotos, navegadores, mecânicos e massagistas… bem, massagistas nem tempo temos para pensar nisso.

A grande aventura começou no Porto onde nos esperava uma longa viagem até Motril no sul de Espanha, local onde estavam marcadas as verificações técnicas para o início da aventura, apesar de ser acessível a qualquer carro, há umas certas regras de segurança e material obrigatório, a organização do evento é fenomenal em todos os aspetos ou não fosse um português o responsável.

Após entrada em Marrocos fizemos a etapa 0, uma etapa de deslocação em que não tinha pontuação, para mim foi uma oportunidade de me adaptar ao GPS que quem me conhece sabe que sou um bocado alérgico a essas modernices, a viagem foi longa, mas até então o carro estava a surpreender, uma noite muito curta de sono lá nos levantamos ansiosos pela primeira etapa a pontuar.

Finalmente chegou, estávamos no Briefing da primeira etapa, após o arranque tornou-se evidente uma grande dificuldade, o conseguir gerir a emoção com o ter de poupar o carro, foi uma etapa muito dura, o terreno era de muita pedra, tivemos uma pequena avaria elétrica e ainda um furo no pneu, fomos penalizados por um ponto de controlo mal calculado não nos tendo deixado concluir a etapa.

Etapa a etapa

Em prol da segurança existem limites de velocidade, no geral em pistas fora de estrada são de 80km/h mas durante o percurso tem vários waipoints, isto são pontos de controlo na sua maioria a delimitar a velocidade em certas zonas de aldeias ou de maior afluência de população, nesse dia não tinha conseguido transferir os waipoints para o GPS, imaginem por isso o meu espanto quando verifico que grande parte da penalização foi por excesso de velocidade, sim isso mesmo e lembrem-se que íamos de Marbella, imaginem agora se fosse num carro mais potente.

Na segunda etapa tivemos um inicio muito bom, fizemos uma parte da etapa nos primeiros lugares, a etapa tinha muita areia e lagos secos onde a terra mais parecia pedra, esta etapa tivemos vários problemas com o carro, partimos um apoio de motor, o motor ficou pousado na proteção de cárter que acabou por ceder. Conseguimos remediar com umas cintas a segurar o motor para chegar à estrada, nos poderíamos ter chamado assistência mecânica da organização mas tentamos remediar pois por chamar somos penalizados, entretanto devido à deslocação do motor o escape acabou por se soltar. Finalmente quando conseguimos fazer os 30km que nos separavam da estrada mais próxima o carro começou a falhar, o alternador deixou de carregar fizemos a viagem pela estrada tendo ido severamente penalizados por isso, desde aquela etapa deixamos de estar na luta pelo pódio.

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A noite foi dura, estivemos toda a noite a tentar reparar o carro, não íamos desistir ali, os mecânicos marroquinos não são dignos de se chamar mecânicos, eles são uns desenrasca, se não formos nós a fazer certamente não fica bem feito, o carro ficou pronto já passavam das 05h00 da manhã, tínhamos o briefing ás 07h00 fomos diretos para o local do briefing tendo descansado um pouco dentro do carro, neste momento o carro era já a nossa casa, passávamos a maior parte do dia lá dentro, almoçávamos enquanto conduzíamos, agora já dormíamos lá dentro.

Na terceira etapa estávamos exaustos e tínhamos perdido a confiança no carro, pelo que fizemos a um ritmo lento de forma a chegar ao fim sem problemas, foi uma etapa muito bonita com travessia de montanhas da cordilheira do Atlas, andamos a cerca de 3000 metros de altitude, a etapa correu bem no geral não tendo tido problemas graves.

Na quarta etapa voltamos a arriscar, se não estávamos na luta pelo geral queríamos pelo menos uma etapa mostrar o que valíamos, estávamos andar a um excelente ritmo o carro estava-se a portar lindamente até que a proteção e cárter acusou cansaço e quis desistir, as pancadas eram tantas que esta se deformou tendo acabado por saltar fora, fomos obrigados a abrandar o ritmo para não estragar o carro, estava a ser psicologicamente muito duro, saber que devíamos ter preparado melhor o carro, que tínhamos capacidades para mais, mas o azar era a nossa sombra.

Na quinta etapa estávamos de volta à zona de areia, pelo que foi uma etapa fisicamente muito dura, se os jipes seguiam a ritmo de caracol imaginem nós só com tração a duas rodas a avançar em areia, mas estávamos a conseguir safar, andávamos nos primeiros lugares da categoria, mas, por motivos de segurança a organização encurtou a etapa, o calor era muito e estavam muitos veículos atrasados, finalmente íamos ter um dia para relaxar pensamos nós, a etapa acabou pelas 15h00 almoçamos e íamos tranquilamente relaxar um pouco na piscina, mas o carro pregou-nos mais uma partida, o motor de arranque estava cheio de areia tivemos de o reparar, fomos a um mecânico marroquino que por desconhecimento da matéria em vez de nos arranjar nos estragou ainda mais, conclusão, eram 21h30 quando o carro ficou novamente operacional graças a outra equipa nos ter cedido um motor de arranque para substituir.

A sexta e última etapa correu excecionalmente bem, desta feita era uma etapa de navegação, fomos penalizados em excesso de velocidade, o limite era 80 km/h sem querer ultrapassamos, a adrenalina é tanta que os 80 km/h fora de estrada são mais fáceis ultrapassar que os 120 km/h em estrada.

Na classificação geral conseguimos fazer ainda assim um 9º lugar, o que foi ótimo tendo em conta as adversidades que fomos enfrentando.

Nos 1600 quilómetros que nos separavam ainda de casa, tivemos ainda de substituir um amortecedor traseiro que não resistiu tendo acabado por partir.

Uma prova assim testa todos os limites, os do carro e os nossos, sejam físicos ou psicológicos, é um desafio acessível a qualquer um, mas com a certeza de que não é qualquer um que o terminará.

Aproveito para elogiar a equipa de organização da prova, em especial ao Rui o Português que criou o evento, pela dedicação e profissionalismo prestado. Queria ainda agradecer aos simpáticos e fundamentais apoios que tivemos, sem os quais teria sido impossível participar nesta grande aventura.

João Santos

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