Mercedes-AMG GT R: Enfrentar a ‘besta’ do Inferno Verde e sair sorridente

09/09/2017

Cumpridas as duas primeiras voltas, percebe-se que não foi à toa que a Mercedes-AMG escolheu o circuito pouco conhecido de Bilster Berg, na Alemanha, para a apresentação internacional do AMG GT R, também conhecido como a ‘Besta do Inferno Verde’, por ter sido desenvolvido no Nurburgring Nordschleife.

Exibindo semelhanças com o lendário circuito localizado na zona de Eifel, este traçado de 4.2 quilómetros serve de palco privilegiado para experimentar as capacidades dinâmicas desta criatura tão especial. No total, são 19 as curvas que compõem o complexo de pilotagem de Bilster Berg, muitas das quais com uma dificuldade técnica superior, replicando de forma mais ou menos fidedigna aquilo que será uma volta ao Nordschleife.

No entanto, dar com este ‘Driving Resort’ é coisa que só mesmo os conhecedores parecem conseguir. Verdadeiramente perdido no meio de nenhures, entre pacatas aldeias alemãs (onde nada acontece…), o circuito de Bilster Berg foi inaugurado em 2013 e tem interessantes mudanças de altitude, curvas em apoio, curvas cegas e uma reta não muito longa que tem como dificuldade adicional as ondulações no piso. Está longe de ser fácil…

A assustadora ‘besta’ verde apresenta-se

…Sobretudo quando se está ao volante de um superdesportivo mais extremo com 585 CV de potência obtidos a partir de um motor V8 Biturbo de 4.0 litros, associado a uma caixa de velocidades automática AMG Speedshift DCT 7G, com função manual-sequencial. Na confluência de emoções fortes que se vivem ao pisar o acelerador a fundo no circuito, retêm-se, em poucos instantes, duas noções: a primeira é de que a sonoridade do bloco biturbo é verdadeiramente impressionante (sim, os carros elétricos desportivos poderão ser tão ou mais rápidos, mas nunca terão este poder de atração auditivo) e, a segunda, é a impressão de velocidade que se obtém ao volante.

Mais leve (1.555 kg sem condutor) e com soluções pensadas para ser ainda mais eficaz em pista, demarca-se pelo chassis em alumínio (Aluminium Spaceframe) e pela maior profusão de carbono, por exemplo no veio de transmissão e na sua estrutura de encapsulamento, solução que reduz o peso em 40% face à já de si ligeira combinação produzida em alumínio no modelo de base. Há ainda aerodinâmica mais eficaz, sendo impossível não reparar nos para-choques mais agressivos e no imponente aileron fixo traseiro com inclinação da asa ajustável consoante a necessidade. Sempre com a eficácia no pensamento, o difusor inferior também serve para produzir maior carga aerodinâmica.

Em termos de soluções técnicas, há muito mais para contar. O motor V8 tem os dois turbos alojados no seu interior para maior eficiência e maior compactação da unidade (a Mercedes-AMG chama-lhe ‘hot inner V‘) e a potência de 585 CV obtém-se a partir de mudanças ao nível dos turbos e em ajustes diferentes na pressão, além de modificação na unidade eletrónica de comando. No eixo traseiro, mais uma novidade na forma do eixo traseiro direcional, que torna a experiência de condução mais precisa. Com este sistema (de série no GT R, mas também nos GT C Coupé e C Roadster), até aos 100 km/h as rodas traseiras viram em sentido oposto às da frente, sendo assim mais ágil em curvas de menor velocidade e em condução urbana, enquanto acima dos 100 km/h, os dois eixos alinham-se na mesma direção. O sistema AMG Ride Control dá uma ajuda a compor tudo isto com modos Comfort, Sport e Sport+, havendo ainda que contar com o esquema de suspensão específico para a ‘besta verde’ com amortecedores ‘coil-over’ para melhor eficácia. Último elemento de destaque é o diferencial eletrónico traseiro, que melhora a motricidade e a transmissão da potência às rodas. A lista é extensa, como se percebe.

Assustadoramente viciante

Tudo isto para fazer do GT R um superdesportivo de excelência, capaz de rivalizar com os melhores do mundo. Mais do que destacar apenas um elemento, acaba por ser a totalidade das suas características que ditam a sua competência e equilíbrio fenomenal a todos os níveis. Não se julgue, porém, que se pode abordar a condução deste AMG de ânimo leve ou, com baixos níveis de atenção. Não obstante a impressionante aderência que este modelo apresenta, mesmo em curvas rápidas (e aqui o eixo traseiro direcional ajuda e muito…), uma distração ou um erro de perceção podem ditar um dissabor, mesmo que a eletrónica esteja lá para o prevenir.

Seja como for, é impressionante a aderência mecânica e aerodinâmica que este GT R apresenta, além de uma rigidez estrutural que lhe permite curvar como se estivesse ‘plantado’ no asfalto, sem rolamento aparente e com uma precisão que faz recordar uma viagem sobre carris. Mas uma viagem veloz. Numa montanha russa. Isso é percetível, por exemplo, na segunda parte de uma curva em ‘banking’ (com inclinação) e com o acelerador já a fundo se sente a traseira dar alguns pequenos saltos no asfalto, lutando para colocar os 585 CV no asfalto. No painel de instrumentos, há uma luz amarela que pisca insistentemente – é a do controlo de estabilidade a intervir para manter o GT R em ‘linha’.

Mesmo em linha reta e com algumas ondulações no asfalto, há um comportamento tremendamente recompensador, proporcionado não só pela impulsividade do motor e pela rapidez da caixa de velocidades – uma delícia de utilizar em modo sequencial com patilhas atrás do volante -, mas também pela sua competência aerodinâmica que acaba por ajudar a colar o carro ao solo. Em pista, há ainda duas facetas do GT R que convém abordar: os modo Sport+ e Race. O primeiro eleva a experiência de condução, mas é o último que torna o Mercedes-AMG GT R numa máquina imersiva ao relegar para segundo plano as ajudas eletrónicas. O seu comportamento fica mais arisco, com a traseira a assumir maior liberdade que, nas já referidas curvas em apoio e com ondulações no asfalto traduzem um maior desafio que os pneus Michelin Pilot Sport 2 também ajudam a superar com distinção. O diferencial traseiro eletrónico neste caso permite também agilizar a passagem em curva e transmitir a potência de maneira mais eficaz à entrada das retas, impulsionando o GT R com convicção para a frente.

Às provocações do GT R há que responder com suavidade e com confiança no doseamento do acelerador (nada de tirar o pé ou a traseira pode ganhar ‘vida’): há intensidade na forma como a traseira dá alguns abanões, mas um gozo fantástico na maneira como o chassis lida com essa característica e assenta, composto, no asfalto. Em pista – único local onde pudemos experimentar este modelo, de resto – tudo parece acontecer depressa (a aceleração dos 0 aos 100 km/h cumpre-se em apenas 3,6 segundos), com o cérebro a ter de processar muito rapidamente tudo o que se passa e tudo o que lhe chega do volante, das rodas, do corpo e da própria travagem.

Por falar em travagem, o sistema composto por discos de 390 mm à frente e 360 mm atrás é verdadeiramente eficaz, ajudando a parar o GT R de forma impressionante quando nos ‘penduramos’ no pedal e esperamos que a redução de velocidade seja adequada. Além disso, a resistência à fadiga também está em muito bom nível.

Suave, suavemente

Reações bruscas ao volante são pouco recomendáveis (o piloto Bernd Schneider, que impôs o ritmo na primeira das duas rondas de quatro voltas à pista, é uma exceção, mas ele pode – é ‘só’ um dos pilotos mais experientes do mundo), antes sendo preferível optar por uma maior suavidade nas trajetórias graças a uma direção que é precisa e com bom feedback. Ocasionalmente, uma ‘chicotada’ da traseira e/ou um deslizamento maior lembram que este é um desportivo mentalmente desafiante e que convém tratar com alguma reverência.

Face a isso, quando se entra num modo psicológico de ‘full attack’, deixa de ser possível encarar o GT R de forma dócil, porque ele próprio não é dócil. A entrega da potência impressiona, com o motor V8 a revelar todo o seu manancial de força bruta em reta. Mas é mesmo o pacote geral que torna este Mercedes-AMG num desportivo tão dinâmico, com um comportamento delicioso e emocionante que faz combinar piloto e carro de forma simbiótica. Eleva os sentidos a um novo patamar e não se coíbe de se fazer sentir, impactante e portentoso, por onde quer que passe.

Terá pontos negativos, como por exemplo, o interior praticamente sem arrumação (há ‘porta-luvinhas’, um pequeno espaço na consola central e outro, maior, atrás dos bancos, mas nenhum deles é muito grande), a bagageira limitada e o seletor da caixa posicionado tão atrás na consola central. Mas são apenas elementos de funcionalidade que em nada beliscam o rigor de condução do GT R, que é onde tem de ser apreciado.

Seja como for, enquanto houver resquícios na memória daquela aderência superlativa em curva com o acelerador a fundo e a traseira a agarrar-se ao asfalto como uma lapa, haverá um sorriso nos lábios e uma sensação de adrenalina que tem pouca rivalidade no mundo. O preço de 216.150€ é uma penalização por ir ao inferno e voltar de lá com um sorriso, já que fica a vontade incrível de ter ‘disto’ todos os dias.

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Uma volta a Bilster Berg

O complexo de pilotagem de Bilster Berg é resultado de um investimento privado levado a cabo por 172 investidores, tendo um custo total de 34 milhões de euros. Nele podem-se encontrar alguns modelos exóticos que os membros deste clube podem ensaiar em eventos privados. O seu desenho teve a ‘mão’ de Hermann Tilke, que concebeu o traçado de muitos dos autódromos modernos de Fórmula 1, seguindo os conselhos do experiente piloto de ralis, Walter Röhrl.

Vamos a uma volta rápida por este circuito, sempre com o GT R como referência de condução.

A reta da meta não é muito extensa, levando a uma esquerda ‘cega’ que obriga a uma travagem leve, mas que tem de ser efetuada com delicadeza, já que pouco depois da esquerda surge uma curva fechada a subir para a direita, sendo esta, efetivamente, a primeira viragem do traçado. Uma travagem forte, feita a subir, que leva depois a um encadeamento de cinco curvas desafiantes com mudanças de altitude associadas em que a última direita é feita às cegas e num topo, começando logo a descer para uma esquerda não muito fechada, mas que volta a mostrar o cariz técnico já que a travagem é feita em cima de uma ondulação pronunciada no asfalto. Segue-se uma curta reta até uma direita de travagem mais forte e uma sequência muito técnica que em que a precisão das trajetórias é fundamental.

Uma chicane sem grande visibilidade leva a uma curva longa para a esquerda (denominada ‘Mousetrap’, armadilha para ratos…), com um banking pronunciado (inclinação de 26%) a descer (com as forças centrífugas a puxarem o carro para fora e para baixo) e uma largura no final da curva de 13 metros, com a curta reta seguinte a guiar-nos para mais uma direita cega. Esta, por sua vez, culmina numa chicane em que a trajetória tem de ser limpa, embora se possa abusar na saída da última esquerda para ir aos corretores externos daquela que é a maior reta do circuito na qual o asfalto ondulado traz consigo alguma dificuldade na colocação da potência no asfalto. Subindo e descendo, a travagem forte de uma velocidade em redor dos 210-220 km/h para a longa esquerda no seu final efetua-se com a traseira a ficar muito ‘leve’, acabando a curva por ser feita já em forte aceleração (chama-se Curva da Coragem) a partir de 1/3 da mesma. Prolonga-se uma descida em reta até outra chicane que desemboca numa dupla esquerda, com a segunda a fechar-se e a obrigar ao doseamento preciso do acelerador para se entrar na reta da meta com uma trajetória adequada.

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