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Portugal pode integrar “hub líder de energia verde para toda a Europa”, destaca João Amaral, da Voltalia

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João Amaral, Country Manager da Voltalia Portugal, espera que o acordo político entre Portugal, Espanha e França para a criação do Corredor de Energia Verde se concretize: “Pode transformar a Península Ibérica num hub líder de energia verde para toda a Europa”, diz.

 

Como é que podemos analisar o mercado de energia no primeiro trimestre do ano, a nível internacional e nacional?
João Amaral (Voltalia Portugal):
Ainda que com taxas de inflação ligeiramente mais baixas que em 2022 (16,6% em fevereiro deste ano face a 28,7% no período homólogo), a Europa ainda vive uma crise energética provocada pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia. Uma questão que faz com que muitas famílias e empresas ainda lutem com o custo da energia, apesar de alguns preços já terem começado a descer gradualmente.

No entanto, com a chegada do verão, as famílias ficarão isentas da maior fatia da sua conta de energia, sendo que o principal custo recai sobre o aquecimento doméstico (63% do consumo final de energia no setor residencial na EU, segundo dados de 2020). Porém, a conta continuará elevada para outros fins, como iluminação, aquecimento de água ou confeção de alimentos.

“OS GOVERNOS PROCURAM UMA SOLUÇÃO PARA SE LIBERTAREM DA DEPENDÊNCIA DO GÁS NATURAL PROVENIENTE DO MERCADO RUSSO E A PRINCIPAL RESPOSTA ESTÁ NA APOSTA NAS ENERGIAS RENOVÁVEIS”

Os governos procuram uma solução para se libertarem da dependência do gás natural proveniente do mercado russo e a principal resposta para contornar esta questão está na aposta nas energias renováveis, acompanhada de uma boa regulamentação de preços.

Nesta fase, os preços da energia no mercado europeu refletem os modelos energéticos e tipo de fontes de energia de cada país, havendo por isso grandes disparidades, com 100 quilowatt-hora de eletricidade a custar 58,7€ na Dinamarca e 10,8€ na Hungria. Já a média da UE foi de 28,4€ por 100 kWh.

O mais importante será que o acordo político entre Portugal, Espanha e França para a criação do Corredor de Energia Verde se concretize. Com a concretização deste projeto pan-europeu poder-se-á transformar a Península Ibérica num hub líder de energia verde para toda a Europa, permitindo reduzir a dependência europeia do gás com origem na Rússia e contribuir para a diversificação das fontes de energia no continente de uma forma mais sustentável.

Na atual configuração do mercado europeu, o gás tem um papel preponderante na determinação do preço global da eletricidade quando é utilizado, uma vez que todos os produtores recebem o mesmo preço pelo mesmo produto – a eletricidade – quando este entra na rede. Apesar de ter existido consenso de que este atual modelo de fixação de preços marginais é o mais eficiente num mercado liberalizado, a instabilidade energética tem feito com que os preços da energia continuem a ser voláteis, continuando a gerar bastante discussão entre os Estados-Membros.

“72% DO CONSUMO ELÉTRICO EM PORTUGAL NO 1º TRIMESTRE FOI DE RENOVÁVEIS. O PAÍS ESTÁ NO BOM CAMINHO”

Já no mercado nacional, no primeiro trimestre de 2023, as energias renováveis abasteceram 72% do consumo de eletricidade em Portugal, as não renováveis 19% e os restantes 9% foram de saldo importador, o que significa que o nosso país está num bom caminho para uma transição energética verde.

A distribuição do abastecimento do consumo de eletricidade teve a seguinte repartição: hídrica 34,0%; eólica 27,3%; a térmica não renovável 19,1% (essencialmente gás natural); saldo importador 8,9%; biomassa 5,7% e solar fotovoltaico 5,1%.

No que diz respeito às renováveis em Portugal, assistimos em 2022 a uma redução muito significativa da produção da energia hídrica. Não precisamos de um plano agressivo para nos prepararmos para compensar este declínio anunciado?
Não diria que estamos perante um declínio anunciado, mas precisamos de encontrar estratégias que nos permitam tirar melhor partido deste tipo de energia. É verdade que em 2022 o índice de produtibilidade hidroelétrica foi de 0,63, ou seja, a produção hídrica ficou 37% abaixo da média histórica dos últimos anos. No entanto, não nos podemos esquecer que foi um ano particularmente quente e seco. Tal como está a ser 2023.

Se olharmos apenas para os dois últimos meses de 2022, verificamos uma tendência totalmente diferente. A forte precipitação que se fez sentir ao longo do mês de dezembro fez aumentar o índice de produção hidroelétrica para 1,67 (sendo a média histórica de 1), ou seja, um aumento bastante significativo.

Diria até que o primeiro trimestre deste ano demonstra ser bastante promissor nesta área, destacando-se pela forte produção hídrica, o triplo da registada no período homólogo. Registou-se, ainda, uma queda acentuada, em cerca de 36%, do consumo de gás natural para a produção de eletricidade. Outro dado que mostra que a produção da energia hídrica ainda não está em declínio é o registo do dia 4 de janeiro, deste ano, onde se bateu o recorde de capacidade hidroelétrica em produção, dia em que o sistema elétrico chegou a ter 6387 MW, um registo que não era tão elevado desde março de 2018. No entanto, como sabemos, existem discussões públicas à volta da gestão do valioso recurso que é a água.

Qual é o contributo que uma rede inteligente pode dar relativamente à otimização da utilização de energia? Já é possível sentir alguns efeitos desta tecnologia em Portugal?
Através da utilização de uma rede inteligente, é possível controlar no momento o estado de toda a rede energética, balancear cargas e prevenir avarias antes que elas aconteçam. Isto permite fazer uma gestão mais eficiente e sustentável da rede energética através da otimização dos sistemas de energia, pela redução das emissões de CO2 e pela menor utilização de recursos fósseis. A inércia da eletricidade é muito baixa quando comparamos com o fornecimento de gás. Como a eletricidade funciona em Portugal com 50 ciclos por segundo, é necessário que não existam desvios para garantir a estabilidade do sistema. Esta estabilidade é cada vez mais desafiada pela produção, consumo e armazenamentos descentralizados.

“UMA REDE INTELIGENTE MELHORA A QUALIDADE DO FORNECIMENTO DE ENERGIA”

Com inteligência no sistema, verificamos também que a qualidade do fornecimento de energia prestado ao cliente é superior, tornando-se mais transparente, eficiente e muito mais cómodo para o consumidor, que consegue consultar os seus consumos, comunicar leituras, alterar a potência contratada e ciclos remotamente, sem ter de se deslocar a um posto da empresa fornecedora de energia e trata-se de um investimento descentralizado, mais próximo do consumidor e mais visível para este.

No que toca a uma gestão mais eficiente, passa a ser possível monitorizar os consumos energéticos do cliente através, por exemplo, de uma análise gráfica onde é possível avaliar quais os melhores ciclos horários para consumir, de acordo com a sua rotina e adaptar a potência contratada ao consumo real do consumidor. Torna-se, ainda, possível configurar avisos automáticos (através de carta, e-mail, SMS ou dispositivos locais) para uma maior racionalização dos consumos. Desta forma, não só o cliente tira partido deste sistema ao ver a sua fatura reduzida no final do mês, como é possível reduzir o consumo energético de uma forma mais amiga do ambiente.

Este ano houve sinais por parte do governo no sentido de investir mais para acelerar a análise e aprovação de projetos de energias renováveis? Sentiu-se alguma diferença?
Sim, de acordo com declarações do Ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, as intenções de investimento em energias renováveis em Portugal ascendem a 60 mil milhões de euros, o que representa 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Portugal tem vindo a apostar progressivamente nas energias renováveis, no entanto, face às nossas condições climáticas, este investimento deveria ter sido uma prioridade e ter-se iniciado muitos anos antes.

Contudo, a guerra na Ucrânia acelerou este processo, visto ser fundamental que a Europa se torne mais independente do fornecimento energético russo e tem havido mais investimento nesta área. Inclusive, de acordo com o Ministro, um dos objetivos até ao fim da sua legislatura é que 80% da eletricidade nacional seja proveniente de fontes de energias renováveis. Tendo em conta que após o primeiro trimestre de 2023 já temos mais de 70% da nossa eletricidade produzida de fontes renováveis, diria que estamos num bom caminho para a tão aguardada transição energética. É importante ter em conta, no entanto, que dependemos também da energia eólica e da energia hídrica e se tivermos um ano de seca ou menos vento, obviamente diminuímos esta percentagem.

Outro dos objetivos que está em marcha é a redução de 55% das emissões de gases com efeito de estufa até 2030, reduzindo em 40% as emissões do setor dos transportes e mobilidade, bem como o aumento para 47% do peso da energia renovável, tendo em vista alcançar a neutralidade carbónica até 2045.

Recebemos muitas notícias de avanços significativos no autoconsumo noutros países europeus, alguns iniciaram esse processo bastante mais tarde do que Portugal. Continuamos a bom ritmo ou estamos a perder terreno?
Na verdade, tendo em conta que iniciámos este processo antes de alguns países europeus, podíamos já estar mais avançados nesta questão. Todavia, no último ano houve um incentivo do governo para apoiar todas as famílias que pretendessem aderir ao autoconsumo e instalar painéis solares nas suas habitações, que previa um reembolso até 85%, o que resultou num aumento de mais de 70% na capacidade de produção de energia para autoconsumo em território nacional, quando comparado com o ano de 2021.

“AS SOLUÇÕES FOTOVOLTAICAS CONTINUAM A SER AQUELAS A QUE AS FAMÍLIAS E EMPRESAS MAIS RECORREM, REPRESENTANDO MAIS DE 95% DO TOTAL DA PRODUÇÃO DESCENTRALIZADA”

Para além deste apoio, as famílias portuguesas foram bastante incentivadas a aderir ao autoconsumo com o intuito de reduzir a fatura da eletricidade, inflacionada pela guerra na Ucrânia. Assim, até julho de 2022, observou-se um crescimento acentuado na instalação de unidades de produção para autoconsumo, que atingiu os 695 Megawatt (MW), um aumento de 103% face a igual período do ano anterior.

As soluções fotovoltaicas continuam a ser aquelas a que as famílias e empresas mais recorrem, representando mais de 95% do total da produção descentralizada. Seguem-se a biomassa e a eólica que, no total, nem 5% representam e estão a perder peso de ano para ano. O solar é a forma mais democrática de cada um produzir a sua eletricidade.

Existem atualmente cerca de 19 mil unidades de produção até 4 quilowatt para autoconsumo espalhadas por todo o país, de dimensões variáveis. Guimarães, Braga e Leiria são os concelhos onde se concentra a maior parte dessa capacidade.

Diria, portanto, que estamos num bom caminho para a descarbonização, inclusive, existem outros apoios e incentivos em vigor, este ano, que têm o intuito de incentivar à adesão ao autoconsumo e, simultaneamente, reduzir a pegada ecológica.

Quais os projetos mais interessantes que a Voltalia está a desenvolver em Portugal neste momento?
A Voltalia tem vindo a contribuir para o crescimento da energia verde no país em todos os projetos para terceiros, como é o caso da construção da Central Solar Morgado de Arge com 48,9 Megawatt e 104 mil painéis solares instalados. Tem, também, o seu primeiro projeto próprio de energia solar flutuante em Portugal e será bastante inovador. É mais um importante passo no caminho da sustentabilidade, a par disso, está a construir centrais próprias com capacidade de mais de 50 Megawatt, a par de outros desenvolvimentos mais espalhados no tempo, com o objetivo de acelerar e garantir a presença no mercado nacional.

“TEMOS INTERESSE EM TRABALHAR O SETOR INDUSTRIAL DE GRANDE ESCALA”

Mas, mais do que os projetos em curso, há um reiterado interesse em trabalhar o setor industrial de grande escala, onde as propostas de fornecimento de energia centralizadas através de acordos de venda de energia de muito longo prazo – os PPA – têm estado a garantir sustentabilidade e acima de tudo previsibilidade para os clientes da Voltalia. Até porque esta previsibilidade advém duma combinação da solidez do grupo, da capacidade de desenvolver e implementar projetos que sejam tecnicamente muito superiores ao padrão, porque apenas dessa forma um parque eólico ou fotovoltaico vai estar economicamente saudável – recordando que um parque de renováveis engloba não apenas a eletricidade, mas também as garantias de origem, cada vez mais valorizadas.

No caso dos particulares e PMEs as comunidades de energia foram o instrumento mais inovador introduzido em Portugal no ano passado. Nos projetos de maiores dimensões também há inovação na forma como as entidades se relacionam?
Simplificando o tema, as Comunidades de Energia Renovável (CER) não são propriamente uma novidade do último ano, já existem desde 2019, contudo, agora foram criados Decretos-leis que legislam a sua utilização de forma mais justa para todos os membros que integram essa comunidade.

O objetivo principal das Comunidades de Energia Renovável é o consumo de energia renovável com custos inferiores aos custos do mercado elétrico, fazendo uma utilização local do recurso. Desta forma, o sistema tradicional de produção de energia, maioritariamente centralizado nas grandes centrais produtoras, passará a ser englobado nos centros urbanos e rurais de forma a contribuir para a descentralização da produção e ao crescimento previsível do autoconsumo e das Comunidades de Energia Renovável.

Aliás, existem três aldeias do concelho de Chaves, pertencentes à mesma freguesia (Calvão, Castelões e Soutelinho) que estão muito avançadas na utilização destas CER. Estas aldeias construíram uma central fotovoltaica comunitária em cada um dos aldeamentos, tendo como objetivo repartir essa autoprodução de energia verde pelos vizinhos, a um preço cerca de 30% mais barato que o preço de eletricidade que atualmente compram à rede elétrica.

No entanto, isto torna-se um pouco mais complexo quando entram empresas ligadas à indústria, uma vez que o consumo energético é muito mais elevado, ficando mais difícil uma partilha entre várias empresas ligadas à mesmo comunidade o que muitas vezes pode até proporcionar uma abordagem como autoconsumo coletivo, ao invés de CER. Todavia, os complexos industriais podem apoiar indiretamente o desenvolvimento de comunidades de energia particulares, por exemplo, os painéis solares geram eletricidade durante as partes centrais do dia, enquanto as residências consomem a maior parte da energia no início da manhã e à noite.

A indústria concentra, predominantemente, o seu consumo de energia nas horas de trabalho, quando o sol está mais forte. Se estas forem capazes de armazenar energia ou adaptar o seu consumo em tempo real para se ajustar à situação da rede, podem ambas usufruir dos benefícios de integrar uma CER.

Apesar de ser um projeto com bastante potencial, é essencial criar uma legislação que regulamente a utilização da energia tanto para particulares, como para a indústria e tecido empresarial.

Parece-lhe que este vai ser um ano positivo para as renováveis em Portugal, aproximando-nos dos objetivos traçados pelo governo para 2026? (80% da produção de energia por fontes renováveis) O que é que gostava de ver realizado este ano, mas que lhe parece pouco provável?
O cenário idílico seria que toda a energia consumida em Portugal fosse proveniente de fontes de energia renovável, não sendo possível (ainda), diria que quanto mais próximos estivermos dos objetivos traçados para 2026, melhor. Aliás, avaliando este primeiro trimestre de 2023, não estamos assim tão longe desse objetivo. Temos, porém, de ter em conta que as circunstâncias podem mudar dependendo do clima nos próximos meses. Há ainda o fator de importação de eletricidade, que se pode dever à aceleração no pais vizinho ser maior, com projetos de escala, que terão um preço de eletricidade potencialmente inferior.

Olhando para os valores dos primeiros meses deste ano, temos resultados bastante positivos. Em janeiro e fevereiro, foram gerados, em Portugal continental, 9.686 GWh de eletricidade, dos quais 75,6% tiveram origem renovável. Se avaliarmos apenas o mês de fevereiro, isto representa um aumento 14,1% face ao período homólogo do ano anterior.

“AS ENERGIAS LIMPAS SÃO O CAMINHO PARA PORTUGAL DEIXAR DE ESTAR REFÉM DA VOLATILIDADE DE PREÇOS DO MERCADO ENERGÉTICO EUROPEU”

Há, contudo, muito trabalho pela frente, visto que um dos grandes desafios capaz de transformar o país é a aposta nas energias limpas. Além de mais baratas, são o caminho para que Portugal deixe de estar refém da volatilidade de preços que se sente no mercado energético europeu e evite a dependência externa. Não há dúvidas que as energias renováveis são o futuro. Não será ação de apenas uma empresa, mas sim desta comunidade de atores que investiram e irão investir nas renováveis, avançando com os seus projetos mesmo com os impactos da guerra ou da Covid-19.

Portugal é, também, geograficamente bastante atrativo para a aposta nas energias renováveis, e dispõe de 12% de área apta a receber projetos de energia renovável sem prejudicar o ambiente, uma vez que têm sido levantadas questões com o uso do solo e do impacto que a construção de centrais solares e parques eólicos possam ter no ambiente, na fauna e flora do local escolhido. Estes 12% representam 10 350 km2 de áreas com menor sensibilidade que se distribuem por praticamente todos os municípios do Continente. A maior parte destas áreas, de acordo com um relatório desenvolvido pelo LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, está na região Centro (41%), seguido pela região do Alentejo (31%) e pela região Norte (24%). Por fim, nas regiões do Algarve e Lisboa e Vale do Tejo apenas se mapearam cerca de 299 km2 e 205 km2 (3% e 2% do total nacional, respetivamente). Há espaço para tornar este um ano positivo, e é fundamental o apoio do Governo a validar as centrais dos promotores, que, não obstante das contrariedades e mercado desafiante, têm avançado com os seus projetos.