Cuidado! Piloto ao volante! Casos de ‘Polícia’

20/07/2017

Com limites de capacidade de condução estratosféricos em relação ao comum dos mortais, os pilotos de Fórmula 1 eram, por vezes, protagonistas de episódios caricatos ou pouco recomendáveis. Adrenalina a mais, ou excesso de confiança? Hoje em dia é tudo muito mais politicamente correto…

Schumacher_MontoyaJá numa época onde imperava o comportamento politicamente correto, o simples facto de Michael Schumacher ter convencido um taxista a ceder-lhe o volante do seu carro, para que o alemão e a sua família não perdessem o “slot” que estava destinado ao seu avião privado no aeroporto de Coburg, foi notícia em todos os jornais do Mundo. Não contente com a gorjeta de cem euros com que foi presenteado por Schumacher, o taxista contou a sua história a toda a gente, e vendeu o seu carro pelo dobro do valor comercial. Foi, como se calcula, juntamente com o ex-piloto alemão, investigado pelas autoridades locais, pois foram obviamente cometidas algumas infrações durante este episódio que já tem uns valentes anos. Nem de propósito, poucos dias depois de Schumacher ter entrado na pequena história dos pilotos em apuros nas estradas, Lewis Hamilton ficou com a carta apreendida em França, depois do seu carro ter sido cronometrado a 196 km/hora no Norte daquele país. É claro que a imprensa inglesa gastou rios de tinta com este episódio trivial, mas o azar do inglês foi mesmo o de estar a viajar sozinho, pelo que teve de deixar o seu Mercedes junto à polícia local, seguindo de táxi para o seu destino, antes de um amigo recuperar o automóvel, dias mais tarde. Adrenalina a mais? Parte dos episódios mais caricatos com pilotos nas estradas aconteceram durante fins-de-semana de competição, levantando-se a dúvida se as suas ações não terão sido executadas já sob o efeito da adrenalina. Mika Hakkinen, por exemplo, uma verdadeira paz d’alma quando não estava a competir, passou a manhã de domingo do GP da Grã-Bretanha de 1992 na cadeia de Northampton, depois de ter sido detido à entrada do circuito de Silverstone. Nesse ano marcado por filas intermináveis, pois estávamos no auge da “Mansellmania”, o finlandês explicou que “estava a atrasar-me bastante e se não fizesse nada perderia a reunião da equipa e talvez o Warm Up. Expliquei o que se passava a um polícia, que me disse que podia sair da fila e segui as suas instruções. Pouco depois vi que dois polícias em moto me seguiam, com as sirenes a funcionar e pensei que estavam ali para avisar quem viesse do outro lado para se desviar… mas quando parei na entrada do circuito fui preso!” Bem, eu não sou de intrigas, mas o passageiro de Hakkinen naquele dia, deu-me uma versão diferente dos acontecimentos: “De facto o primeiro polícia deu-nos autorização para passar uns quantos carros, mas disse logo que teríamos de falar com a brigada que encontrássemos a seguir, pois ele não sabia o que fazer. Só que o Mika passou para o lado direito da estrada, e foi a fundo até à entrada do circuito, sem parar em mais lado nenhum…” O resultado foi mais uma corrida, esta protagonizada por Keke Rosberg e Peter Collins, até à policia de Northampton, para libertarem Hakkinen antes da corrida, sendo recompensados com um sexto lugar e um ponto!

As aventuras de Peterson

ronnie-peterson-heroes-of-motorsportDurante muito tempo Hakkinen foi comparado ao falecido Ronnie Peterson e não será uma surpresa para ninguém saber que o sueco também teve as suas desventuras nas estradas. A primeira, quando já estava na F1, aconteceu em Spa, antes do GP da Bélgica de 1970. Nessa altura a pista belga tinha 14 quilómetros de perímetro e era difícil de memorizar, pelo que Peterson decidiu fazer umas voltas com o seu carro de aluguer, numa altura em que as estradas estavam abertas ao público. É claro que desrespeitou todos os limites de velocidades, traços contínuos e até um sinal de Stop, mas é capaz de ter batido o recorde da pista para carros de estrada. O que não impressionou a polícia local, que o prendeu e só o libertou devido à intervenção dum advogado inglês chamado Max Mosley. O que será feito dele?? É claro que a maior parte das pessoas amadurece com a idade, mas parece que Peterson ficou imune a esse processo, a julgar por uma história que Eddie Cheever gosta de contar: “Em 1977 fui companheiro de equipa do Ronnie na BMW e enquanto eu estava no início da minha carreira ele era já um piloto de topo. No Nurburgring ganhei-lhe o lugar na última volta, depois de lhe ter dado um toque no momento certo e ele não ficou nada satisfeito, mas também não me disse nada. Mas vi logo que estava ‘lixado’ quando a equipa me disse que teria de ir para o aeroporto no carro do Ronnie. Olhem, nunca na vida tive tanto medo, porque a caminho do aeroporto batemos em todos os postes, caixotes de lixo e até em alguns camiões que estavam parados, sempre com a porta do meu lado… e ele sem dizer nada. Quando abrandou já perto do aeroporto, porque não sabia com o meu saco, com o carro ainda em andamento e só o voltei a ver na corrida seguinte!”

Algumas francesices…

SABIA-QUE-ARNOUXA Bélgica parece ter o condão de tirar do sério alguns pilotos e a história mais cómica aconteceu com René Arnoux, depois do francês ter falhado a qualificação para o GP da Bélgica de 1980, devido a problemas técnicos no seu Renault Turbo. Furioso, ‘Néné’ nem pensou em esperar na fila para sair do circuito, pois queria mesmo era regressar ao seu hotel o mais depressa possível. Vai daí, foi ultrapassando a fila toda até que o fiscal do portão de saída se colocou à sua frente, forçando-o a parar. Estava o belga a dar uma lição a Arnoux, quando este viu uma aberta e arrancou, apanhando o fiscal de surpresa. Isso teria sido o fim da história se o nosso belga não fosse do tipo persistente, pois o nosso homem saltou para o porta-bagagens do Renault de Arnoux e continuou aos gritos para este parar… o que só aconteceu quando ‘Néné’ chegou ao hotel. Aí o bom do belga deixou-se cair no asfalto, mas recuperou rapidamente e chamou a polícia, para denunciar Arnoux. Só que a viagem atribulada tinha transtornado o senso do nosso homem, que apontou… Jacques Laffite como o responsável pela sua viagem tão traumática! Deu algum trabalho ao piloto da Ligier convencer a polícia que não tinha nada a ver com o assunto, mas René Arnoux acabou por se “chegar à frente”, passando uma noite na cadeia de Zolder! Já Hughes de Chaunac até gostaria de ter visto Phillipe Alliot preso, depois dum fim-de-semana particularmente dispendioso também em Zolder! O francês corrida com um Martini da Oreca na F2 e era normalmente muito veloz, quando os rails ou as escapatórias não lhe saiam ao caminho… mas em Zolder estava em fase negra, destruindo o chassis principal no primeiro dia de treinos e o carro de reserva na segunda qualificação!

Os mecânicos franceses trabalharam toda a noite de sábado para construir um carro novo a partir dos dois chassis danificados, e Alliot lá arrancou para a corrida, regressando às boxes a pé… depois de ter destruído o seu terceiro chassis em três dias! O bom do de Chaunac não perdeu a calma e lá entregou as chaves do seu M5 a Alliot, para regressarem os dois a Paris, mas ‘passou-se’ ainda antes de chegarem a França. O mal não foi Alliot ter destruído o M5 numa saída de estrada, o mal foi o piloto ter comentado, com a maior descontração que, “isto é que é ter azar, pois bastavam mais cinco centímetros de estrada para nos safarmos…” Para além de ter destruído quatro carros em quatro dias, Alliot também tem outro recorde, estabelecido em 1989 quando pilotava para a Larrousse. Indo de Paris para o Paul Ricard para uma sessão de testes, Alliot foi apanhado a 194 km/hora e multado – na altura não se apreendiam cartas – de forma severa. Enervado, “Phi-phi” arrancou a fundo no seu Porsche, para ser apanhado 30 quilómetros mais à frente, a uns tranquilos 211 km/hora, por outra brigada da polícia gaulesa! O resultado foi a compra dum helicóptero para as viagens mais longas, “pois ficou mais barato do que a coleção de multas que me esperava…”

Scheckter em pânico e Pironi derrotado

Os desafios de Villeneuve SE HAVIA piloto que não distinguia a estrada da pista, esse era Gilles Villeneuve, que só conhecia uma maneira de estar ao volante: a fundo! O canadiano confiava até ao extremo nos seus reflexos quase sobrenaturais, mas pregou o susto da vida a Jody Scheckter, quando ambos pilotavam para a Ferrari, em 1979, Copy-of-Jody-Scheckter-WRI-01como conta o sul-africano: “Quando era preciso testar em Fiorano eu ia de carro desde o Mónaco e levava sempre menos de quatro horas. Quando ia mesmo depressa levava três horas e 20 minutos, mas um dia cometi o erro de aceitar uma boleia do Gilles e… chegamos lá em duas horas e 45 minutos! Foi a última vez que me sentei num carro que ele guiasse e também nunca andei no seu helicóptero, porque ele pilotava-a da mesma maneira que guiava os carros!”

Riscos na estrada

Quando Scheckter se retirou, Didier Pironi foi o seu substituto, mas ao contrário do Campeão do Mundo de 1979, o francês também gostava de assumir riscos na estrada. Por isso com Villeneuve iniciou um desafio, sempre no percurso Mónaco-Maranello, que consistia em ver qual dos dois conseguia manter-se em quinta a fundo, num Ferrari BB512, durante mais tempo. Em estrada aberta, é claro… Didier Pironi até achou que tinha feito uma excelente marca quando superou os dois minutos a cerca de 300 km/hora, mas percebeu logo que não podia competir com Gilles Villeneuve no dia em que este esteve sete minutos sem tirar o pé do acelerador, percorrendo cerca de 42 quilómetros a fundo, passando tudo o que lhe aparecia pela frente, pela esquerda, pela direita, pela faixa de emergência e, por duas vezes, pela relva que servia para delimitar a auto-estrada…”

Os fabulosos irmãos Brambilla

vittorio-brambillaTino e Vittorio Brambilla semearam o terror em Monza e arredores de meados dos anos 50 até ao inicio dos anos 70 e as suas desventuras até deram para um livro, do jornalista italiano Giorgio Terruzzi. Livro que teve o condão de fazer com que Tino e Vittorio deixassem de falar a Terruzzi, pois ambos consideravam que o jornalista tinha dado demasiado destaque aos “feitos” do outro! A minha história favorita envolve um autocarro num dia de greve dos transportes públicos em Itália. Percebendo que muita gente ainda tentaria apanhar os poucos autocarros em serviço, os Brambilla entraram na estação de autocarros de Monza, roubaram um autocarro e começaram o percurso Monza-Milão, parando em todas as zonas habituais, para recolher passageiros. Tino conduzia placidamente enquanto Vittorio vendia bilhetes, pelo que os passageiros só perceberam que algo estava mal quando o autocarro entrou no Parque de Monza e Tino se dirigiu para a pista…
Acontece que os Brambilla tinham apostado com os amigos que eram capazes de dar uma volta à pista antiga – sem chicanes – com um autocarro em menos de quatro minutos… e queriam testemunhas para o seu feito. É claro que os passageiros entraram em pânico, “exceto um velhinho de 80 anos, que estava muito divertido”, contou mais tarde Vittorio (!), mas só podiam era agarrar-se a tudo o que estava à mão, enquanto o mais velho dos Brambilla dava o seu melhor ao volante. O pior foi que a tentativa de Tino resultou numa volta em 4m20s, o que levou a uma troca de lugares, com Vittorio ao volante e Tino a cronometrista. As coisas até estavam bem encaminhadas… até à segunda Lesmo, quando o autocarro tombou, levando ao fim da tentativa de recorde dos Brambilla e a um processo em tribunal… A competição entre os irmãos era permanente e quando se encontravam no centro de Monza, faziam uma corrida de moto que tinha como meta o portão da garagem de Tino, que tinha um negócio de reparação de motocicletas. Como havia espaço, os Brambilla atravessavam as motos para entrar na garagem – travar é que não! – mas um dia as coisas não correram como Tino esperava. Apanhado no trânsito, o Brambilla mais velho perdeu a corrida, mas continuou a fundo, só que Vittorio fez o impensável e depois de “cortar a meta”, apressou-se a fechar o portão da garagem antes que Tino lá chegasse! Sem saber o que se passava, o pobre Tino chegou a fundo ao portão da sua garagem, acertando- lhe em cheio e ficando com diversas fraturas como prova do “sentido de humor” do irmão mais novo.

José Luís Abreu