Dakar: Do Peugeot 205 Turbo 16 ao 3008 DKR

29/12/2016

Trinta anos separam o lendário Peugeot 205 T16 do novo 3008 DKR, mas curiosamente, é muito mais o que os une, do que os separa. Ambos nasceram para vencer no Dakar, e apesar de se tratarem de duas eras completamente distintas, é no mínimo curioso que, tal como refere Bruno Famin, Diretor da Peugeot Sport e do Team Peugeot Total: “os carros ainda se projetam da mesma forma. Contamos com um certo número de dados do final da década de 80 que ainda podemos usar, para além de que acumulamos uma experiência considerável na conceção de carros de ralis. Os raids e os ralis convencionais são diferentes, mas a sua abordagem e conhecimentos são exatamente os mesmos. E nós temos esse conhecimento.”

Peugeot 3008 DKR: o SUV 3008 levado ao extremo

A Peugeot compete no Dakar 2017 “Argentina Bolívia Paraguai” com quatro equipas e o Peugeot 3008 DKR, um carro que faz a sua estreia nesta prova. Trata-se de uma visão levada ao extremo do novo SUV 3008, elevando a um novo patamar os seus sinais de identidade e as suas enormes proporções, especialmente quando observado a 3/4 de traseira. Vistos de frente e de trás, ambos os modelos – de série e de competição – são semelhantes no que se refere aos faróis, à grelha e à banda negra que une os dois faróis traseiros, que imitam em vermelho a forma de garras.

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Para Sébastien Cricket, responsável pelo desenho do Peugeot 3008 de série e do Peugeot 3008 DKR de competição, “quando a Peugeot Sport nos contactou para desenvolvermos o carro para o Dakar 2017, sentimo-nos desde logo entusiasmados por podermos criar uma interpretação ‘sem limites’ e algo selvagem do SUV 3008. As características técnicas deste veículo estão limitadas pelo regulamento em vigor, mas o seu design é inspirado diretamente na versão de estrada, integrando alguns elementos originais que dão maior dinâmica e força ao novo Peugeot 3008 DKR: rodas grandes e uma célula interna negra ‘Black Diamond’, faróis, grelha ou a banda preta traseira, que une os faróis com as suas garras vermelhas.”

O 3008 DKR teve o seu batismo de fogo no passado Rali de Marrocos, onde alcançou várias vitórias em etapas e onde se afinou a sua preparação com vista ao Dakar. No total, percorreram-se 5.000 km de testes às suas inovações técnicas, em condições reais (calor, areia, dunas), para se encontrarem as regulações adequadas.

Do ponto de vista técnico, a Peugeot Sport tem trabalhado em especial nas suspensões (amortecedores e geometria), de modo a melhorar ainda mais o comportamento do modelo, bem como na refrigeração e no peso do carro, que se mantém estável, apesar da integração de novos reforços, entre eles o sistema de climatização, algo que será muito apreciado pelas equipas que seguem a bordo.

O motor também foi objeto de atenção, pela sua adaptação aos novos regulamentos da FIA, reduzindo-se o diâmetro do restritor de entrada de ar de 39 para 38 mm em veículos com motores diesel e duas rodas motrizes. Esta modificação prevê uma redução da potência em cerca de 20 CV, desvantagem que os engenheiros tentaram compensar, para além de melhorarem a facilidade de utilização do motor a baixa velocidade. Para além disso, trabalhou-se com vista à maior fiabilidade mecânica.

A formação do Team Peugeot Total para 2017 não sofreu alterações: Stéphane Peterhansel/Jean Paul Cottret, Carlos Sainz/Lucas Cruz, Cyril Despres/David Castera e Sébastien Loeb/Daniel Elena estarão à partida do Dakar 2017, a bordo de quatro flamejantes Peugeot 3008 DKR.

Peugeot 205 T16: O rei africano

Quando a Peugeot preparou o seu assalto ao Dakar, no final da década de 80 do século passado, já contava com a melhor base mecânica para trabalhar: o 205 Turbo 16. Este modelo de competição foi projetado para conquistar vitórias no Campeonato do Mundo de Ralis, tendo como base a sua versão de estrada, entretanto desenvolvida e homologada de acordo com as regras do Grupo B.

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O Peugeot 205 Turbo 16 disputou o Mundial de Ralis entre 1984 e 1986, tendo alcançado dois títulos de Pilotos (Timo Salonen e Juha Kankkunen), entre muitos outros resultados. No total, venceu 16 ralis, o primeiro deles os 1.000 lagos (Finlândia) no ano de 1984, então com Ari Vatanen ao volante.

Igualmente sob a direção de Jean Todt, a equipa Peugeot para o Dakar trabalhou sobre esta base para construir o melhor carro de rallye-raids do seu tempo. A distância entre eixos foi aumentada em 33 cm para acomodar um depósito de combustível adicional, com 190 litros, que permitia cobrir as longas etapas do Dakar. Também se aumentou o curso das suspensões e montaram-se novas rótulas e reforçaram-se os triângulos, bem como jantes e pneus mais resistentes. O trabalho no chassis foi concluído com a introdução de uma direção assistida, enquanto no habitáculo se adaptou a instrumentação às novas exigências da competição, com um sistema de navegação.

Ao nível do motor trabalhou-se no aumento da sua fiabilidade, adaptando-o para funcionar a altas temperaturas envolventes e melhorando-se a sua resposta nos regimes médios de rotação. Por este motivo, o bloco em alumínio XU8T de quatro cilindros e 1.775 cm3, dotado de um enorme turbo Garret, viu reduzida a sua potência para os 380 CV. A caixa de velocidades recebeu carretos reforçados e desenvolvimentos adequados ao Dakar, com uma performance final ampliada, de modo a permitir um conforto de rolamento a alta velocidade nas pistas e nos desertos africanos. No que se refere à formação de pilotos, Jean Todt elegeu um estreante na prova – Ari Vatanen (navegado por Bernard Giroux) – para líder da equipa, acompanhando-o das duplas Mehta/Toughty e Zanussi/Arena.

205 T16 e 3008 DKR: Diferentes caminhos para reinar no Dakar

Como carros de competição, o design do Peugeot 205 Turbo 16 e do DKR 3008 vêem-se limitados pelos diferentes regulamentos técnicos das suas épocas, mas ambos buscam os mesmos objetivos: velocidade, fiabilidade e capacidade de adaptação a diferentes terrenos e superfícies, como as que se enfrentam num Dakar. No caso do Peugeot 205, partiu-se de uma boa base que era o carro de ralis que, por sua vez, derivava de um modelo de estrada; quanto ao 3008 DKR, trata-se de uma profunda evolução do 2008 DKR, que foi concebido de raiz, a partir de uma folha em branco.

Ambos têm uma configuração base semelhante: um chassis tubular em aço (no caso do 205 T16 acrescida de uma estrutura central monobloco face ao modelo de série), suspensões de duplos triângulos e grandes cursos, motor em posição central (disposto longitudinalmente no caso do 3008 DKR). Pondo de lado a natural evolução mecânica nos 30 anos que os separam, as maiores diferenças entre estas duas máquinas de competição centram-se nos seus motores, sistemas de tração, interiores e dimensões gerais.

O 205 Turbo 16 contava com um pequeno bloco de 4 cilindros a gasolina, de 1.8 litros, que, graças ao contributo de um turbo de grandes dimensões, disponibilizava uma elevada potência. Já o 3008 DKR aposta num bloco diesel de maiores dimensões e com mais cilindrada, proporcionando menos potência máxima, mas mais binário.

O sistema de tração do 205 é integral porque se adaptava a um regulamento definido para modelos com tração às quatro rodas. Para se integrar na sua categoria de buggies, o 3008 DKR não está autorizado a dispor dessa tração às quatro rodas, algo que se ultrapassou quer pelo seu design, quer pela adoção de sistemas como o Grip Control e o enchimento/esvaziamento automático dos pneus em andamento, permitindo-lhe superar com elevada distinção os terrenos mais complicados.

Uma vez lá dentro, o interior do 205 é muito mais espartano, garantindo menos conforto para os pilotos. Ao seu lado, o posto de comando do DKR 3008 parece o cockpit de um avião, pelo enorme número de controlos e instrumentação que integra. Mas o que mais agradaria aos pilotos do 205 T16 era contar com o sistema de ar condicionado do 3008 DKR, capaz de operar até 12 horas por dia, reduzindo os 60 graus centígrados que se podem atingir no habitáculo.

Em termos de dimensões, o Peugeot 205 é um carro de uma outra época, mais pequeno e com base num modelo utilitário, enquanto o 3008 orgulha-se da sua silhueta SUV e de algumas medidas mais generosas, sendo impressionante em largura e altura.

José Luis Abreu/Autosport