Escola primária da boa mesa

01/04/2017

Na escola primária tínhamos de saber os rios e os seus afluentes a ponta da língua. No restaurante “A Escola”, junto ao rio Sado a única coisa que temos na ponta da língua são os bons sabores da gastronomia portuguesa. Uma paragem obrigatória entre Alcácer do Sal e a Comporta

Talvez a última marca do Estado Novo na paisagem rural portuguesa sejam as escolas primárias de Salazar. Hoje, a maior parte delas está abandonada ou reconvertida em centros de dia, sede de clubes de caçadores ou até algumas residências particulares. Uma destas escolas abandonadas tornou-se um ponto de referência no mapa dos bons glutões que não darão por mal empregues os quilómetros que fizerem até Alcácer do Sal para regressar aos bancos de escola. Desta vez não há matemática, história de Portugal ou reguadas. Em vez disso há gastronomia portuguesa, sem pretensiosismos, funfuns ou gaitinhas.

O restaurante “A Escola” aproveita o antigo edifício escolar da aldeia de Cachopos, junto à Estrada Nacional 253 entre Alcácer do Sal e Tróia e serve há alguns anos o melhor da cozinha regional do Sado, combinando pratos com sabores do mar e do rio, com pratos de caça.
Chego ao anoitecer do último dia de primavera e admiro o edifício em contraluz, com um ninho de cegonha e a respetiva ocupante, recortadas num azul veludo que se apaga no céu. As cegonhas ocupam agora tudo o que seja chaminé, campanário ou poste, numa faixa que se estende daqui até à Comporta.
A decoração do restaurante é sóbria e aproveita alguns elementos originais da escola. O quadro de ardósia, as cartilhas maternais do tempo de Salazar e os mapas com as linhas de comboio e os rios para saber de cor e salteado e ter na ponta da língua, sob ameaça de reguada. Hoje, para começar, na ponta da língua um pratinho de “coelho de coentrada” e de cenouras abertas, enquanto escolhemos o branco fresquinho, “Herdade da Comporta”, com cor alimonada e um travo de suave acidez conferida pela mistura de castas Arinto e Antão Vaz. A Rosarinho, simpática e despachada alentejana que nos atende, recomenda as especialidades da casa – arroz de chocos com camarões de rio ou a lendária empada de coelho bravo com arroz de pinhão. A segunda escolha é incontornável e só por si merece a vinda aqui. Em vez do arroz de chocos, optámos por feijão adubado, um rico prato de pobre – uma feijoada animada por uma bela linguiça.
Para quem não se deslumbre com estas sugestões, a escolha é rica e variada: Cherne à barqueiro, enguias, perdiz na púcara, entrecosto com batata de rebolão, açorda de coelho bravo, pombo bravo de nabiçada, lebre à casa, etc.
Para desenjoar do peixe da região, dos tachinhos da Comporta ou do choco frito, a “Escola” é um ótimo desvio, sobretudo para os apreciadores dos pratos de caça. Para terminar, pode adoçar o serão com um doce de pinhão (especialidade da casa) e ir até à esplanada, beber um café e um licor de bolota enquanto fuma um cigarro esperando que chegue o verão, com a cegonha a dormitar no telhado atrás de si.

Rui Pelejão

Morada: EN 253, entre Álcacer do Sal e Tróia, na localidade de Cachopos.
Especialidades: Entradas: Coelho de coentrada; Cenoura aberta; Linguiça frita e Pimentos desfiados. Peixe: Arroz de choco com camarões de rio; Cherne à barqueiro; Enguias. Carne: Perdiz na púcara; Feijão adubado; Entrecosto com batata de rebolão; Açorda de coelho bravo; Pombo bravo de nabiçada; Lebre à casa; Empada de coelho bravo. Doces: Toucinho do Céu; Fidalgo; Doce da casa de pinhão; Encharcada.
Preço Médio: 20 euros
Horário: Das 11:30 às 15:30 e das 19:30 às 00:00 (encerra às segundas)