Tratorista, fica-te pelos tratores

05/02/2017

Em 1966, um bem sucedido fabricante de tratores e ares condicionados dirigiu-se à fábrica da Ferrari em Maranello e cometeu a ousadia de ir queixar-se a Enzo Ferrari de um problema mecânico no seu Ferrari. Como resposta obteve um provocador repto que iria mudar a história do alta costura automóvel: “O senhor não percebe nada de carros, fique-se pelos tratores.”
Ferruccio Elio Arturo Lamborghini regressou a casa, resolveu ele próprio o problema do seu Ferrari e criou uma moderna fábrica de automóveis em Sant’Agata Bolognese, bastante perto do “berço” da Ferrari.
Ferrucio Lamborghini era um entusiasta de automóveis e um dos primeiros adeptos do tuning de alta costura. Em 1948 adaptara um Fiat Topolino com que participou nas “Mille Miglia” e em 1963 havia investido na preparação de um chassis desenhado por Dallara equipado com um motor V12 concebido por Bizarrini, que ficou conhecido como o Lamborghini 350 GT.
Mas, só em 1966, o tratorista deu chapada de luva branca a Enzo Ferrari, ao fabricar em Sant’Agata Bolognese o Lamborghini Miura, em homenagem à famosa ganadaria Miura em Espanha. A marca do touro tinha assim lançado a primeira bandarilha na vaidade da Ferrari, já que aquele modelo de Grande Turismo, desenhado por Luigi Bertone e dotado de um poderoso V12, foi venerado como um dos grandes automóveis do seu tempo.

Ferruccio_lamborghini

Até ao final da década de 60, Ferrucio Lamborghini ainda colocou o seu ferro em alguns novos modelos, como o Islero ou o Espada, mas em 1971 acabou por vender a fábrica de automóveis e a marca que havia criado. O último modelo da era Ferrucio, foi o Countach, um dos raros a não recorrer a um nome de raça de touros. A palavra Countach, no jargão piemontês, é usada para mostar surpresa por ver algo bonito, normalmente uma mulher.
É por isso uma espécie de piropo, que hoje, segundo os rigores do politicamente correcto, seria impensável ter no nome de um carro.
O Countach é aliás tudo menos politicamente correcto e foi um dos pioneiros de uma era de superdesportivos em forma de cunha e linhas angulosas que marcaram a década de 70. O Countach foi projetado por Marcello Gandini, do estúdio Bertone.
As portas abriam-se para cima e para a frente para auxiliar nas manobras, já que a área do vidro traseiro era praticamente inexistente. Com tração traseira e motor central Lamborghini V12 com 4 litros de capacidade nas primeiras versões, e de 5 l e 5.2l em versões posteriores, capazes de debitar elevadas potências e de oferecer ao Countach uma capacidade de performance em estrada difícil de bater na sua época.
O Countach foi o último legado de Ferrucio à história do automóvel, o industrial italiano decidiu desfazer-se dos seus negócios e retirar-se para a sua propriedade no Piemonte, onde se dedicou a produzir vinhos, até morrer em 1993. A marca que carrega o seu nome e a ousadia de ter desafiado a Ferrari, essa continua a produzir alguns dos mais apaixonantes automóveis desportivos do mundo, agora sob a égide do Grupo Volkswagen.

Rui Pelejão