Alfa Romeo 4C contra Porsche Boxster: Até ao limite

26/06/2017

O Boxster Spyder da série 981 é um dos nossos desportivos favoritos e o expoente máximo da geração que agora se despede. Vejamos até que ponto o belo Alfa Romeo 4C Spider lhe consegue fazer frente.

Nas fotos, o Spyder não parece tão diferente de um Boxster 981 normal quanto isso. Os para-choques mais leves, a menor distância ao solo e a asa traseira maior apenas o tornam ligeiramente mais agressivo. Mas, na prática, estes elementos combinam-se para lhe dar a estaleca de um verdadeiro desportivo em ponto pequeno.

O som do escape também lhe garante outra afirmação e é quase suficiente, por si só, para tornar mais agradável a experiência de condução logo que pego nele a caminho da sessão fotográfica. Vou de sorriso nos lábios quando me aproximo do fotógrafo e do Dean Smith, meu editor de ensaios. Mas a expressão deste não é propriamente igual à minha. Talvez estivesse a prever um tempo mais encoberto do que o céu limpo e temperatura amena que temos hoje. O fotógrafo insiste que a capota tem de estar aberta, independentemente do vento e da chuva que possa vir a cair. Damos connosco a lutar com as capotas manuais destes dois spiders que, neste aspeto, até são bastante básicos.

O Boxster tem sempre uma imagem marcante neste tipo de cenário de montanha, mas um Alfa Romeo 4C Spider amarelo abafa qualquer opositor. O italiano até pode parecer estar numa escala abaixo nas dimensões, mas é baixo e largo e tem as proporções típicas de um desportivo. Foi desenhado para chamar atenções e tem a aparência exótica de um Ferrari pigmeu.

Assim que damos à chave do 4C Spider parece que começa a faltar qualquer coisa. O motor arranca com um ronco e estabiliza-se num ralenti com alguns decibéis a mais. Na consola central, à frente do comando DNA emprestado pelo MiTo e que permite escolher os modos de condução, encontramos quatro botões que servem a caixa. Um deles é para o Drive. Carrega-se e na consola há um “N” que se transforma num “1”, num ecrã ao estilo das consolas de jogos, acompanhado por um abanão da transmissão. Logo no arranque percebe-se que o 4C não tem direção assistida, de tal forma ela é pesada a velocidades muito baixas. Uma decisão destas por parte da marca, nos dias que correm, é algo digno de nota e chega a dar a entender que o carro está pensado para os verdadeiros entusiastas, apreciadores de toda a informação e sensibilidade que só uma direção sem assistência consegue proporcionar. E é um facto que a direção do 4C domina a experiência de condução, mas infelizmente não pela sua pureza e precisão. Pelo contrário. O volante do 4C está sempre a ser puxado das nossas mãos. Está constantemente à procura de cambers na estrada, segue obstinadamente as irregularidades e ganha vida própria ao mínimo movimento das rodas Na autoestrada ou em vias com mais do que uma fila, obriga a correções constantes, mesmo a velocidades tão baixas como os 80 km/h. Por vezes puxa o carro de tal maneira que suspeitamos de um pneu furado.

O que vale é que, quando começamos a explorar o 4C, ele revela-se rápido. Com o motor acima das 3200 rpm surge um enorme impulso, mas com pouca progressividade e mais ao estilo dos turbos da velha escola, embora seja realmente divertido. O som do motor parece algo desafinado mas de vez em quando emite os sopros típicos dos turbos e parece resfolegar, o que lhe aumenta o caráter. A caixa de seis velocidades de dupla embraiagem ajuda a manter o motor em carga – as relações estão bem escalonadas e as mudanças são suficientemente rápidas – mas todas as subidas de caixa são acompanhadas por um flatulento ronco por parte do escape. Apesar da postura larga e baixa do 4C e do facto de ser tão sensível às irregularidades da estrada, há sempre uma certa dose de agachamento. À medida que aceleramos e o peso passa para o trem traseiro, a frente fica mais leve e a direção torna-se vaga, sem que isso signifique que os puxões e empurrões do volante acabem. O problema é que nunca pode mos descontrair porque, a qualquer momento, qualquer lomba ou alteração de piso pode desviar o carro. Só quando a frente mergulha nas travagens é que a direção ganha consistência. Não se transforma de repente numa direção fantástica, mas pelo menos deixa de ser tão imprevisível. Já os travões são eficazes e satisfatórios na utilização, com uma progressividade muito natural e linear.

O 4C nunca adorna em demasia e a carroçaria apoia-se bem à medida que é levada ao limite, sendo o adornamento um bom contributo para a elevada aderência que o carro consegue garantir. No piso seco é possível descrever as curvas com elevada velocidade e bastante tração. Mas isto não significa que seja fácil ganhar coragem para nos aplicarmos a sério. Por momentos, quando largamos os travões, sentimo-nos deligados da direção e não temos a certeza do que o 4C vai fazer: agarrar-se à estrada e entrar bem na curva ou alargar a trajetória. A sensação demora apenas curtos instantes, mas é o suficiente para nos roubar confiança. No fundo, é a forma como a direção se “distrai” constantemente que perturba o comportamento do Alfa. Como diz o Dan: “A direção devia ser a grande virtude do carro e até se aceitava tudo o resto – o efeito súbito do turbo, o comportamento temperamental ou o habitáculo pobre – se não fosse tão vago e indeciso. É isso que me desilude.”

A referência

O Boxster Spyder é a bitola a partir da qual todos os roadsters podem ser avaliados. E como já deu para perceber, o 4C Spider nem sequer chega lá perto. A filosofia de ambos os carros é muito parecida: descomprometidos, focados no condutor, desportivos de motor central com capota de lona tradicional. E é precisamente este resumo que o Porsche preenche muito melhor que o Alfa.

Tudo no Boxster Spyder faz sentido. Enquanto o comportamento do 4C é desconfortável e estranho no adornamento, o chassis do Boxster encontra o equilíbrio perfeito. A dinâmica demora até aos 80 km/h a encontrar o seu padrão, mas depois tudo ganha fluidez. Mantém-se relativamente firme, embora com a macieza suficiente para não ser dominado pelas irregularidades da estrada. Há também pouco adornamento, mas não de uma forma artificial. Para fazermos o chassis trabalhar a sério temos de puxar muito por ele. Num Boxster normal o motor pode parecer pesado e posicionado alto, o que até é estranho tratando-se de um motor de seis cilindros opostos. Mas o Spyder mantém tudo sob controlo, sem qualquer tipo de exagêros na transferência de massas. Fica-se com a sensação de que todo o peso está confinado à zona entre os eixos e que o condutor está no epicentro do carro. O Spyder tem também a direção mais rápida do 911 Turbo mas não é fácil perceber o nível de aderência do eixo dianteiro, pelo menos até que os pneus da frente estejam perto dos seus limites. Também falta ao Spyder a incisão e rapidez de resposta da frente que encontramos no Cayman GT4 e não é tão fácil provocar-lhe uma sobreviragem. Ainda assim, é sempre ágil e direto, apontando à curva com grande eficácia e com o chassis e a direção a responderem em uníssono. O autoblocante reage assim que pisamos o acelerador e a traseira ganha atitude. Não ao ponto de provocar uma saída de traseira que exija correção, mas o suficiente para ajustarmos a trajetória e equilibrar o carro com o acelerador. Um processo intuitivo e agradável, com a eficácia do chassis e o som do motor a tornarem as coisas muito envolventes.

O aumento da cilindrada face aos Boxster normais torna o longo escalonamento da caixa menos dramático. Já não há necessidade de meter uma primeira nas curvas mais fechadas. No entanto, o Boxster Spyder não é perfeito. Um escalonamento mais curto das relações baixas seria o suficiente para tornar o carro muito mais divertido. Poderíamos usar muito mais o eixo traseiro, explorar melhor o equilíbrio natural do Boxster e provocar o autoblocante com mais frequência. Assim como está, temos de nos aplicar a fundo para atingir os limites de aderência do carro, o que exige um grau de envolvimento muito para lá do que é possível numa estrada normal. As qualidades dinâmicas e o envolvimento de condução que o Boxster revela colocam-no num patamar muito acima do Alfa 4C Spider. Não só o seu motor de seis cilindros opostos soa muito melhor que o quatro cilindros do italiano, como tem mais potência, mais torque e entrega tudo isto de uma forma mais progressiva e fácil de explorar.

Para quem procura atrair atenções, o 4C é a melhor opção, mas o seu comportamento errático, interior barato e som tristonho do motor tornam-no desagradável, mesmo a baixas velocidades. O Boxster também não passa propriamente despercebido, mas chama a atenção… pelos bons motivos.

Texto: Will Beaumont

Fotos: Dean Smith

Revista EVO, Dennis Publishing Limite

Turbo, Julho 2016

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