É um dos países mais pobres do mundo. Tem menos do dobro de Portugal em tamanho e cerca de 140 milhões de habitantes. É muita gente para tão pouco espaço. A maioria da população dedica-se à agricultura de cereais e legumes. Os seus campos são férteis, banhados pelos rios que vêm dos Himalaias mas, por mais que plantem, o arroz que produzem não chega para alimentar tanta gente e acabam por ter que importar algum da Índia.
A única indústria com volume é a de roupa, em que as trabalhadoras são exploradas através de salários baixíssimos e condições péssimas, para os patrões conseguirem vender as peças que fabricam aos europeus a preços ridículos.
Estas empregadas fabris estavam ontem a manifestar-se para pedirem um aumento para 100 dólares mensais. Atualmente ganham 38 e os patrões propuseram 45. Mesmo tendo em conta que a vida aqui é barata, são ordenados miseráveis. Refira-se que as fábricas concorrentes do Vietname e Cambodja pagam cerca de 70 às suas empregadas, enquanto na China ganham a “fortuna” de 140 dólares mensais.
Além disso, a maioria dos prédios onde estas fábricas se instalaram estão decrépitos, tendo um caído há pouco tempo, matando mais de mil pessoas.
A situação política está explosiva e, como referia ontem, a oposição decretou uma greve de quatro dias durante os quais não podem circular veículos e muitas das lojas estão fechadas.Embora este local onde estou junto à fronteira com a Índia seja uma pequena vila hoje passou aqui à porta do hotel uma barulhenta manifestação e à noite ouvi um vibrante comício em que os oradores gritavam palavras de revolta. Foi seguido por um concerto de um artista cá da aldeia a quem não antevejo grande futuro. Estive para lá dar um salto mas ainda bem que não fui porque um rapaz que aqui trabalha na alfândega disse-me que acabou tudo à pancada. De facto a música parou de repente.
O hotel onde me instalei, o único na vila, não tem restaurante e por isso tomo o pequeno almoço numa barraca perto onde servem uma espécie de pão frito e chá com leite. Ao almoço vou com um empregado da alfândega, um homem que não mede mais de 120 cm e me visita três ou quarto vezes por dia para perguntar se está tudo bem, almoçar a um restaurante mais longe, de “rickshaw”, destes a pedal. Aliás, são praticamente os únicos veículos que circulam nesta vila fronteiriça, para além dos camiões que passam a fronteira com arroz e cereais ou alguns triciclos motorizados, muitos deles com um ar artesanal e motores de moto serra, que pegam com uma corda.
Atravessar a vila de “rickshaw”, cerca de 1 Km, custa o equivalente a dez cêntimos e o “Tiger”, este meu guia anão, raramente me deixa pagar mais. Por um lado tem razão. Se lhes desse um euro, no dia seguinte havia uma guerra para ver quem me levava.
O “Tiger”, não fala uma palavra de inglês assim como ninguém no hotel, mas lá nos vamos entendendo. No restaurante todos me observam, atrapalhado, a tentar cortar a carne com um garfo porque comem com as mãos.
Passou a ser o espetáculo da hora de almoço naquele restaurante e o “Tiger”, como que a vender o “show”, vai-lhes contando a minha história, que vim lá de um país longínquo que eles não fazem ideia onde fica, mas que é ainda mais longe que o Paquistão, numa moto do tamanho de um carro.
Ficam todos a olhar, como se eu fosse um animal raro, fazem-lhe algumas perguntas que não faço ideia de que tratam e riem-se deste espécie estranha que come com talheres.
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*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica diariamente o seu livro de bordo. Acompanhe-o nesta grande aventura