À conversa com um Great Lama num mosteiro do Butão

15/02/2017

Hoje tive uma conversa extraordinária com um “Great Lama”. Saí de manhã para visitar o museu da cidade em Paro, antes de partir para a capital.

É um museu que mostra não só imagens dos Buda e caraças que a população usa nos festivais e que representam as várias personagens em que o segundo Buda se transformava para afastar os demónios, mas também a rica fauna do país enquanto através de várias frases e textos nos dão uma pequena introdução ao seu conceito de felicidade.

Com a ideia de preservarem a fauna os habitantes do Butão não matam animais de qualquer espécie. É proibido caçar e pescar no país e nem as galinhas que têm em casa para fornecerem ovos eles matam. No entanto, a sua religião permite que comam todo o tipo de carne ou peixe, desde vaca a porco passando pelas cabras. Só que, toda esta carne consumida no país é …. importada da Índia. A carne de vaca por exemplo, que os hindus não comem, vem de talhos na Índia pertencentes a muçulmanos.

Quando acabei a visita ao museu, acompanhado pelo guia que tinha ido ter comigo na tarde anterior a esta cidade, pedi à secretária para falar com o diretor, por ter visto um cartaz a dizer que ele fazia uns colóquios.

Passado um minuto desceu do andar de cima um “Great Lama”, acompanhado de dois monges. O homem  tinha uma presença forte, mas um ar simpático e perguntou-me o que pretendia dele, como quem não quer perder tempo com curiosos, o que achei que não coincidia com a ideia que tinha destes “Great Lama” para quem o tempo parece não existir. Disse-lhe que gostava que me falasse deste conceito de felicidade que reis e monges tanto apregoam e como podem medir o valor de felicidade de cada indivíduo.

Perguntou-me o meu nome e só então me deu um aperto de mão. Mas não foi um aperto de mão qualquer. Ele apertou-me a mão direita e colocou a esquerda por cima da minha mão que apertava a dele ficando assim uns largos segundos. Confesso que me afectou. Parecia que me transmitia uma energia especial. Nunca me tinham dado um aperto de mão assim. Depois tivemos uma longa conversa em que me falou sobre as formas como mediam o nível de felicidade de cada pessoa, mas também de uma viagem que fez recentemente a Roma para uma reunião com o Papa, tendo aproveitado para visitar vários outros países europeus.

— As pessoas não vivem felizes, na Europa. Sente-se uma tensão dentro delas que as torna amargas.

— Só então lhe falei da minha viagem de moto e ficou fascinado.

— Penso que é a primeira moto que vem ao Butão —, disse.

Passada uma longa conversa em que concordei com alguns dos seus conceitos para obtenção da paz de espírito que eu tinha sentido na população, disse-me que eu não devia dizer que era um turista, mas sim um “nekor” ou seja um viajante entre os locais de culto espalhados pelo mundo e que deveria ajudar a divulgar o budismo.

Disse-lhe que seria impossível por eu ser ateu e fez um ar triste.

— Esse é o principal problema da Europa. As pessoas não têm fé.

Disse-lhe que não, que a maioria da população europeia acreditava em Deus. Disse-lhe que era uma pessoa feliz e ele respondeu “eu sei” com uma certeza de quem me conhecia há trinta anos e não há trinta minutos.

Por fim, pediu-me que fosse buscar a moto ao parque e a trouxesse até à porta do museu, uma situação inédita naquele local tão restrito. O seu secretário deu indicações aos guardas e lá vim eu com a moto até cá acima. Tirou-me então ele próprio uma fotografia e pediu aos empregados do museu para se reunirem à volta da moto para tirarem outras fotografias.

— Veja como é lindo este país  —, dizia-me ele a olhar para a fantástica vista do alto da entrada do museu.

— Com esta natureza preservada nós somos dos principais contribuintes para o oxigénio no mundo.

Despediu-se entregando-me um cartão com o seu e mail e telemóvel e a promessa de um dia nos voltarmos a ver. Só por este encontro valeu a minha ida ao Butão.

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Parti então para a capital, Thimphoo, que fica a apenas 40 Km através da melhor estrada do Butão, desenrolada entre dois vales, sem buracos e com curvas longas e de vários raios e muitas curvas e contra curvas com lombas pelo meio. É um gozo. Para a aproveitar em pleno pedi ao meu guia que levasse as minhas malas no carro, aliviando o peso da moto, e combinei ir mais depressa e encontrarmo-nos no hotel. Thimphoo é uma pequena cidade talvez equivalente a Setúbal em tamanho mas sem prédios altos, uma arquitetura bem enquadrada na paisagem, com uma população que não terá mais de 150 mil pessoas. Os sinais luminosos são substituídos por sinaleiros, de gestos estudados e elegantes, mas não há mais de dois cruzamentos que os necessitem. Não há filas de trânsito seja à hora que for, mas algumas estradas fora do centro estão em mau estado. Visitei um templo mandado construir pela rainha mãe quando o terceiro Rei morreu, por doença, com pouco mais de 40 anos e uma enorme estátua de Buda, com mais de 40 metros, que o atual rei mandou edificar no alto de uma montanha com vista sobre a cidade. Uma espécie de Cristo Rei deles, mas mais imponente, pintado em dourado e projetado e edificado por japoneses.

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*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica o seu diário de bordo. Acompanhe-o nesta grande aventura

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