Um bacalhau em Goa

03/03/2017

A minha ideia quando cheguei a Calcutá era tratar do visto para o Bangladesh, fazer a tal conferência de imprensa que o cônsul tinha planeada e partir para Dhaka, capital do país vizinho, onde deixaria a moto estacionada por um mês para vir à Europa fazer um trabalho que tenho programado. Só que entretanto, no consulado do Bangladesh recusaram-se a dar-me um visto de duas entradas, de maneira que tive que deixar a moto em Calcutá e, como ainda tinha uns dias até apanhar o avião que estava marcado do Dubai para Portugal, vim até Goa que fica a caminho e não tinha tido a hipótese de visitar de moto.

Cheguei já de noite e instalei-me na Pangim Inn, que me tinha sido recomendada pelo cônsul local, este português. Goa não tem nada a ver com o norte da Índia. Há muito menos lixo nas ruas e as estradas estão em bom estado.

No dia seguinte de manhã tratei de alugar uma scooter e fui explorar a região.

Com pouca coisa que visitar em Panjim, comecei por ir até Velha Goa. Não tinha percorrido dois quilómetros fora da cidade quando fui mandado parar pela polícia.

– Your licence, please

– your nationality?

– Portuguese

– Ah. Fala Português”? diz-me o polícia com pronuncia de inglês radicado no Alentejo.

– Sim

– What does it mean, sim?

– Yes

– Ah. Very well. Bacalhau. Ha, ha. You may go

Em velha Goa, como em todo o lado na Índia, tudo o que são monumentos estão muito mal conservados. O velho palácio dos Governadores já não existe porque, ainda no século XIX os dirigentes portugueses decidiram-se mudar para o Palácio do Cabo, junto ao mar, e acabaram por destruir aquele para utilizarem parte do material para construírem o novo. Tanto a enorme Sé, a maior igreja na Ásia, como a Basílica do Bom Jesus, onde está o túmulo de S. Francisco Xavier, estão em bastante mau estado e a coleção de quadros dos governadores e vice reis portugueses, instalada no Museu Arqueológico, foi restaurada por curiosos que transformaram os dirigentes portugueses numa espécie de bonecos mascarados.

Interessante é a frase que estava na estátua de Camões, originalmente edificada pelos portugueses em 1960, um ano antes de serem expulsos do território e agora recolhida no mesmo museu dos governadores: “Camões, o génio da pátria pelo mundo em pedaços repartida. Oferta de Portugal da Índia à Índia de Portugal”.

Curioso é também verificar que, mesmo no tempo dos Filipes, entre 1580 e 1640, estes nomeavam governadores portugueses e mesmo vice reis para tomarem conta dos territórios portugueses na Índia. Foram perto de duas dezenas, nesse período.

No dia seguinte viajei para sul na scooter, rumo às praias de Miramar e Dona Paula. Do meio do nada surge um imponente mas bem enquadrado na paisagem Hotel Hyatt onde parei para almoçar, junto à piscina. Turistas Americanos a almoçarem em tronco nu tinham ar de quem vinham passar uma semana à Índia sem saírem do Hotel. Fiquei depois a ler num dos sofás do jardim sobre a praia, com o calor temperado por uma ligeira brisa vinda do mar. Por ali fiquei até às cinco da tarde antes de regressar a Panjim.

Ontem fui para Norte, a parte mais turística de Goa. Visitei o forte dos Reis Magos, restaurado há dois anos mas já a começar a dar sinais de pouca ou nenhuma manutenção e o forte da Aguada, mais a norte. Não tinha ideia que os portugueses, desde o Afonso de Albuquerque, foram construindo várias fortificações ao longo da costa, desde Goa até Damão e Diu, passando por Bombaim, que acabou por ser oferecida aos ingleses como dote dum casamento real. Assim, o território por nós ocupado no século XVI não se limitava às quatro cidades mas incluía uma enorme zona costeira.

Sigo agora para Portugal, através do Dubai, para regressar a Calcutá no final do mês, antes de partir para o Bangladesh.

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*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica diariamente o seu livro de bordo

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