O glorioso café “Calcinha” em Loulé

10/02/2017

O café é uma instituição nacional em vias de extinção. A seguir à tasca é o café que vai à viola. Agora há o shopping, o starbucks, o McDonalds, o lounge-café ou a padaria portuguesa.  Enquanto isso, o velho café, de cadeiras de madeira e inox, tampos de mesa em mármore e espelhos nas paredes, arte nova, todos rócócó, com cagadelas de mosca, isso tudo vai direitinho para o galheiro, para o maneta, ou para a loja de antiguidades.
Talvez seja por isso que em Portugal se bebe tão mau café, bica, simbalino e se escreve tão má poesia. A melhor lírica do último século foi escrita à mesa dos grandes cafés, ágoras do capilé, do pastelinho e do estribilho. Agora a poesia escreve-se em Mac`s e m Mc`Donalds e raramente em guardanapos.
Felizmente há no país, cafés onde ainda se pode escrever nos guardanapos e beber um café como deve ser. Um deles é o Café Calcinha em Loulé. Trata-se de exemplar único de edifício Art Déco daquela cidade algarvia e está ali desde que a firma Prazeres & Reis o abriu no dia 27 de Agosto de 1927.

A ideia e o nome foi copiada, muito antes do tempo dos franchises, do célebre Café Calcinha do Rio de Janeiro, onde a malandragem carioca bebia seu capilé e admirava a calcinha da meladinha. O original já está extinto, sobrevive a cópia em Loulé. Um edifício Art Déco e uma história que a autarquia consagrou como de utilidade pública e que quer adquirir, antes que se transforme numa loja do chinês ou num starbuck de trazer por casa.
Por aquelas mesas e esplanada meio decrépita e datada passaram gerações de louletanos e de tertúlias lendárias. António Aleixo, poeta repentista natural de Vila Real de Santo António costumava ali declamar os seus poemas, nos intervalos da sua vida errante como pedreiro, guarda de polícia ou tecelão. Ali e no famoso Café Aliança em Faro, que não sobreviveu à usura do tempo e à desmemoriarão dos homens.
O Café Calcinha, apesar de velho e cansado, ainda está de pé. Ali se pode beber um bom café e um recheado e doce folhado de Loulé, enquanto lemos um dos poemas de António Aleixo, cujo busto de bronze está sentado, logo ali ao lado na esplanada.

Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p’ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!

Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.

Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso…

Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P’ra suportar melhor quem tem juízo.

António Aleixo, in “Este Livro que Vos Deixo…”

Rui Pelejão