Arranquei a caminho do ferry passava pouco das dez e ao meio dia e meia estava no porto de Usuki. Sabia que só havia dois ou três ferries por dia mas sem ver as horas pensei em ir até ao porto e esperar pelo próximo, mesmo que isso significasse ter que lá ficar para o dia seguinte. Estava um barco atracado e a carregar. Comprei o bilhete e fiquei no hall de entrada à procura de qualquer coisa para comer na viagem de três horas e meia.
Estava por ali distraído quando um homem de capacete plástico na cabeça vem ter comigo a mostrar uma mensagem escrita no telemóvel pelo tradutor automático.
“they’re waiting for you to go on board”.
O barco estava à minha espera para partir. Assim, dez minutos depois de ter chegado ao porto estávamos a “largar ferro”.
O mar ali é muito calmo e a viagem é linda, através de várias das muitas pequena ilhas que compõem o Japão. Viajei quase sempre cá fora e só lá fui dentro para almoçar uma sopa de massa com suposto marisco que comprei numa máquina automática. Horrível.A sala dormitório era composta por quatro grandes espaços alcatifados onde os viajantes se deitavam. Lembrei-me logo dos quartos de pensão ao estilo japonês, que consiste em dormir no chão.
Cheguei a Shikoku sem conseguir arranjar um mapa da ilha e por isso quando saí do barco decidi manter-me mais ou menos junto à costa, com uma ou outra saída para o interior e estradas fantásticas de montanha, nesta ilha mais estreitas e sinuosas e portanto menos divertidas, mas muitas delas praticamente desertas.
Numa dessas, depois de circular uns 30 Km sem ver um carro, cheguei ao alto de uma montanha e parei fascinado com a vista cá para baixo. Via-se densa vegetação por ali abaixo até uma aldeia, junto ao mar e, mais ao longe, pequenas ilhas cujo contorno tinha uma ligeira neblina que fazia com que parecessem estar a flutuar. Uma imagem extraordinária que não vou esquecer e que para mim, que sou ateu, me levou a desconfiar que Deus talvez exista.
Desci cá a baixo.
-Do you speak english?
-Of course I speak english
-O que é que faz num sítio destes?
-Isso pergunto eu, respondeu ele.
A estes meus amigos o governo ofereceu um ordenado à japonesa para trabalhar na junta de freguesia local, além de apartamento por três anos e… um carro. Estão ali há dois anos e meio e o sérvio, enquanto não arrancam com o negocio de Catering que estão a montar, chateia-se que nem um peru e afoga as mágoas numa espécie de aguardente que transporta num frasco e vai bebendo ao longo do dia. Disse-me que eu fui o único estrangeiro que por ali apareceu nos últimos dois anos.
Quando lhe perguntei por um hotel convidou-me logo para ficar em casa deles e lá o acompanhei. Recomendou-me que levasse uma cerveja da loja que não tinha em casa e, sendo um artista, pintor, interessante e culto, passamos o resto da tarde à conversa, eu a beber a minha cerveja, que mais tarde voltei à loja reforçar a dose, e ele na sua aguardente. A mulher só voltou do trabalho às dez da noite quando o homem já estava “para lá de Bagdad”, como diz o meu filho. Muito simpática foi logo aspirar o meu quarto e fazer-me a cama de lavado e ficamos à conversa quando o Alex caiu a dormir.
No dia seguinte fez-nos um bom pequeno-almoço, com ovos e torradas, e partimos os três visitar o local onde, dois anos antes, se tinham casado, no alto da montanha com vista deslumbrante sobre o mar, semelhante aquele onde tinha estado no dia anterior. Passámos depois a visitar um amigo deles que tem uma exploração de laranjas na serra. Ali plantam as laranjeiras em declives muito acentuados e para recolherem as laranjas têm, cada um dos agricultores, uma linha férrea em miniatura com uma pequena locomotiva, de cerca de um metro de comprimento e duas carruagens que descem e sobem o íngreme terreno.
Fomos depois almoçar os quatro ao que me pareceu o único restaurante da aldeia, junto à praia, para depois me despedir deste simpático casal e do agricultor japonês, que já falava um pouco de inglês, ensinado pelo artista sérvio.
*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica o seu diário de bordo. Acompanhe-o nesta grande aventura
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