Do dilúvio na estrada ao swimming club de Calcutá

02/03/2017

Hoje saí do Hotel em English Bazar às dez da manhã com o termómetro da moto a marcar 38º. Antes de sair liguei ao cônsul de Portugal em Calcutá a dizer que chegava nesse dia. O embaixador em Delhi tinha-me posto em contacto com ele e o cônsul honorário, um empresário indiano, propôs-se organizar uma conferência de imprensa quando da minha passagem por Calcutá. Pedi-lhe se me recomendava um hotel bom, mas não muito caro e ele sugeriu marcar um quarto para mim num clube de que ele era sócio. Achei a ideia interessante e aceitei. Com cerca de 350 quilómetros para percorrer disse-lhe que deveria chegar por volta das seis da tarde, já a dar uma margem para imprevistos. Afinal os meus cálculos pecaram por demasiado optimismo.

Passadas duas horas em que só parei para pôr gasolina não tinha percorrido mais de 60 Km. O problema não era só o trânsito mas também o estado da estrada, muito degradada. Pelo caminho parei numa oficina de motos de aldeia, daquelas feias e sujas para recolocar dois parafusos de fixação do vidro da moto. O esforço das suspensões é enorme e a da frente esquerda começou a perder óleo.

Com o calor que tem estado costumo andar com o blusão, mas sem as calças e botas do fato porque além disso, à exceção de uma chuva leve no Butão, o tempo tem estado seco. Só que hoje o céu começou a ficar escuro e, de repente, uma carga de água abateu-se sobre mim, daquelas que ensopam jeans e sapatos em dez segundos. Parei para me abrigar por debaixo de uma barraca à beira da estrada onde um rapaz vendia copos de chá com leite. O aspecto do local era terrível de maneira que me limitei a sentar-me num banco corrido onde o dono mandou abrir espaço para mim, sem me atrever a provar o chá. Deviam estar uns quinze homens naquela barraca de um metro por quatro onde parte do espaço era ainda ocupado pelo fogão a carvão que aquecia água e leite. Quando a chuva abrandou troquei os jeans pelas calças do fato, enfiei as botas e fiz-me de novo à estrada. Pensava que iria passar o resto do dia debaixo de chuva mas não tinha rodado um quilómetro quando um risco na estrada separava aquela parte encharcada de uma totalmente seca. Acabou por ser assim o resto do dia: chuva torrencial acompanhada de raios e trovões fortíssimos, alternada com tempo seco e quente. Pelo meio parei para almoçar um sumo de manga e, como de costume, reuniu-se um grupo dos que vão crescendo a cada minuto que passa, para observarem a moto.

Tinha esperança que o estado da estrada fosse melhorando ao aproximar-me de Calcutá, cidade que foi capital da Índia no tempo do Império Britânico, mas buracos enormes e transito caótico mantiveram-se ao longo do dia. Anoiteceu quando estava a cinquenta quilómetros da cidade e voltei a ter que circular em condições muito complicadas em que não vemos buracos da estrada nem a quantidade enorme de veículos que circulam sem luzes. Entrei na cidade pelas sete da tarde. Parecia que tinha acabado uma prova de todo o terreno, depois de nove horas a levar pancada em cima da moto.

Dentro da cidade a situação melhora porque, embora esta seja uma das mais populosas da Índia, com 12 milhões de habitantes e um trânsito obviamente caótico, sempre vemos por onde andamos e quem circula à nossa volta. Para chegar ao escritório do cônsul, no centro da cidade, demorei mais hora e meia. Ele já tinha saído, mas um dos seus empregados foi num carro à minha frente até ao clube.

Este clube onde estou instalado é um “Swimming Club”, com duas piscinas olímpicas, uma exterior e outra interior e alguns quartos para sócios e convidados que ficam num primeiro andar, com as portas a darem para um patamar suspenso sobre a piscina interior. Um clube à antiga, certamente montado pelos ingleses. Tomei um duche e fui jantar ao óptimo restaurante. Dormi nove horas.