Uma feira na linha do comboio

18/01/2017

Aqui já consideram que faço parte da vila. Hoje de manhã, quando saí para tomar o pequeno almoço na barraca do costume e estava fechada, acabei por ir a outra mais à frente. Um cliente, vendo-me a tentar explicar ao miúdo o que queria, virou-se para ele e disse: “ele come dois pães daqueles redondos sem molho e bebe um chá com leite”. E lá veio tudo certinho. Não reconheci a cara do homem, mas costumava ver-me na tasca vizinha. Não há ninguém entre a população que não me reconheça como o estrangeiro que apareceu aqui há dias com uma moto do tamanho dum boi.

Como estava em Hilli há quatro dias a mandar mails para a capital e para o ACP em Portugal, para além de me deslocar três ou quarto vezes por dia à Alfandega, na tentativa de conseguir a licença para entrar no país com a moto, sem qualquer resultado prático, hoje decidi arrancar para Dhaka de forma a tentar resolver lá o problema.

Não é fácil sair daqui sem ser numa camioneta de passageiros a cair de podre, para enfrentar uma viagem de doze horas. A estação de comboio mais próxima fica a 20 Km mas foi para aí que me dirigi, evitando o pesadelo que imaginei ser a viagem na camioneta.

O “Tiger” levou-me até lá. Os primeiros 4 Km foram percorridos num “rickshaw” em que as pessoas, vendo-me com uma mala, perguntavam ao anão: “Onde é que ele vai”? Ao que ele radiante ia respondendo: “vai para Dhaka, vai para Dhaka”, como se fosse para o outro lado do mundo. Ás vezes até dizia a quem não perguntava nada. “Ele vai para Dhaka, tratar dos papéis da moto”. “Ah, sim?” respondiam eles.

Passados uns 20 minutos, com um desgraçado a pedalar e nós os dois sentados atrás, chegámos a outra aldeia onde havia o autocarro para a estação, numa terceira localidade. Um acabara de partir mas não tivemos que esperar muito para aparecer outro, destes que ficamos espantados como é possível aquilo andar, de podre que está.

Como fomos dos primeiros a entrar ainda arranjámos lugares sentados mas rapidamente começou a atulhar de povo e o “pica” de molho de notas na mão, sem qualquer espécie de bilhete, que isso representa desperdício de papel, lá ia recolhendo notas de dez cêntimos até perfazerem os 40 que custava a viagem. No ultimo banco, por trás de nós, um miúdo não quis pagar o bilhete, talvez por viajar com o irmão mais novo ao colo e achar que só deveria pagar um, e o “pica”, depois de grande discussão com o rapaz não esteve com meias medidas, agarrou-lhe uma orelha e resolveu rapidamente o assunto.

Chegados à vila da estação segui o “Tiger”, mínimo com a minha mala às costas, por ruelas de terra apinhadas de gente. Eu perguntava-lhe, por gestos se era de certeza aquele o caminho da estação mas ele, de passo confiante quase que me dizia: “mas acha que não sei por onde ando”?

Por fim lá chegámos à plataforma. Em plena linha férrea estava montada uma feira do género da de Carcavelos, com tendas estendidas até aos carris e povo por todo o lado. Não havia problema. O próximo comboio só estava previsto para uma hora mais tarde. Só visto.

Fui recebido pelo chefe da estação que me informou que o comboio seguinte para Dhaka, que pensávamos fosse às oito da noite, estava marcado para a uma da manhã, mas o mais natural era vir atrasado uma ou duas horas. De qualquer forma os três únicos lugares que tinham reservados para aquela estação em primeira classe já estavam ocupados, tanto para aquele comboio como para o da manhã seguinte, que estava marcado para as dez e meia mas também deveria vir atrasado uma ou duas horas.

Segundo me informaram mais tarde é o “lobby” dos autocarros que faz atrasar os comboios propositadamente, para não lhes tirarem tantos clientes.

Preferi o da manhã e, depois de comprar o bilhete, perguntei onde haveria um hotel para ficar essa noite onde o “Tiger” me levou antes de se despedir para regressar a Hilli.  Era destas espeluncas a que já estou habituado. O recepcionista pediu-me cinco euros pela estadia. Achei caríssimo. Ao lado havia uma feira onde fui comprar uns amendoins e bananas que foram o meu jantar. Deitei-me cedo.