O país onde se vendem armas na mercearia

16/04/2018

Quando arranquei daquela bomba de gasolina no meio da serra em Redwoods parou de chover e pude finalmente apreciar a extraordinária paisagem que atravessava há horas.

Enormes árvores seculares, com muitas dezenas de metros de altura e largura de troncos que tornavam a moto pequena ladeavam a estrada de montanha, numa floresta densa de uma beleza extraordinária. Parei aqui e ali para tirar uma ou outra fotografia.

Mal cheguei à costa procurei onde ficar na vila de Fortuna e instalei-me no motel mais barato que encontrei, que aqui nunca são baratos. Meti-me debaixo de um duche para descongelar pés e mãos e dei depois um salto ao supermercado comprar qualquer coisa para jantar. Nesta ultima semana adoptei um novo sistema de alimentação que, normalmente, varia de país para país. Em alguns tomo um bom pequeno-almoço com ovos e fruta e depois como qualquer coisa leve a meio do dia, uma banana uns frutos secos ou uma sandwich para depois jantar mais à séria num restaurante.

Aqui, como os pequenos-almoços dos móteis baratos são muito fracos, Corn Flakes, uma banana e pouco mais, acabo por almoçar num restaurante pela uma ou duas da tarde e depois jantar no quarto uma refeição de lata que aqueço no micro-ondas. Mas pode variar.

Antes de sair de Fortuna marquei, pela internet, o hotel do dia seguinte, em North Bend, perto de Coos Bay. Cerca da uma da tarde, junto ao placard que indicava a entrada na Califórnia para quem vinha do Norte, estava um tipo com uma BMW, carregadíssima de tralha, parado. Dei a volta e fui lá ter com ele. Era um italiano que tinha mandado a moto de barco de Itália para o Alasca e vinha a descer até à Califórnia para depois seguir para oriente até Chicago. O tipo era engraçado. Tinha a moto forrada de recordações, desde uma ferradura que um cowboy lhe deu, presa a uma das proteções laterais a um pano com uns penduricalhos na frente da carenagem que tinha vindo de uma viagem ao Turquistão até uma bolsa lateral proveniente de outra ex-república russa e onde ele levava peças de fruta que comia em andamento, havia de tudo um pouco.

Além disso tinha sacos e panelas atados na parte de cima da moto, por cima de um grande saco. Parecia uma verdadeira carroça de ciganos. O rapaz, dos seus trinta anos, tentava acampar sempre que podia e contou que já tinha sido corrido pela polícia a meio da noite quando dormia no seu saco cama em cima de um banco de um parque de estacionamento. É que aqui, por incrível que pareça, não se vêm parques de campismo em que se possam montar tendas. Só para os RV, como eles chamam às motor homes. O homem até já tinha estendido o saco cama e dormido numa casa de banho pública de um parque. Grande maluco. Estivemos uma meia hora à conversa e depois eu segui para Norte e ele para Sul.

Passava para o estado de Oregon. O italiano tinha-me dito que as paisagens eram tão espetaculares que ele começou por parar a cada dois minutos para tirar fotografias e depois decidiu não tirar mais nenhuma porque era impraticável.

Nesse dia rodei por mais umas três horas sem que a paisagem variasse muito do que tinha visto no Norte da Califórnia, mas no dia seguinte fiquei de boca aberta com o que vi. Tinha ficado a dormir num pequeno motel depois de uma longa ponte que atravessa o South Fork Coos River. Quando saí vi umas dunas do lado esquerdo mas naquela zona ainda estava a uns 4 ou 5 quilómetros da costa. Fui até lá e era uma cadeia de dunas que se estendiam da praia até ali, com vegetação pelo meio mas naquela parte, mais afastada, podia-se andar com os jipes e moto4 nas dunas. Era um dia de semana de manhã e por isso não estava ninguém a andar mas havia muitas marcas nas dunas e um tipo preparava-se para descarregar um buggy de um atrelado. Giro divertimento.

Continuei para Norte e a paisagem torna-se verdadeiramente deslumbrante. O que parecem pinheiros nórdicos descem pela encosta até ao mar enquanto por vezes temos zonas em que há mar de um lado e lagos rodeados de vegetação do outro. Parei aqui e ali para tirar fotografias ou filmar um casal que descarregava um fora de bordo num enorme lago. Tive a sorte de apanhar dois dias de sol o que, nesta zona e nesta altura do ano é raro. Para terem uma paisagem destas, com lagos fabulosos e tanta vegetação é evidente que chove muito e grande parte do ano.

Entretanto, pelo caminho, uma pequena mercearia com um sinal à porta que me chamou a atenção: “Groceries and Firearms”. A venda de armas aqui é uma banalidade.

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*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica o seu diário de bordo. Acompanhe-o nesta grande aventura

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