A última laranjada no Irão

10/01/2017

Hoje deixei o Irão, a caminho do Dubai, de onde seguirei para Mumbai (Bombaim), na India. Foi um mês de fantásticas experiências, especialmente a nível humano. Este povo vive debaixo de muitas regras e limitações e todos com quem falei sonham em deixar aquele país para viverem uma liberdade que a maioria desconhece, pois a revolução, com a destituição do Xá e chegada ao poder dos Ayatolah, foi há mais de trinta anos.

Ontem à hora do almoço comprei uns frutos secos e uma laranjada, parei a moto junto à praia e fiquei a ver o mar e as famílias que vão com os carros para a areia e ali ficam reunidas. Como de costume pararam uns jovens a admirarem a moto. Fizeram-me as habituais perguntas sobre mim e a moto e depois sentaram-se no muro enquanto um deles enrolava um charro que os quatro fumaram. Quando lhes perguntei se era haxixe, perguntaram-me se eu não queria dar umas passas, a rirem-se, como quem diz: o que seria o velho a fumar haxe? Propuseram-me, então, uma cerveja que também arranjavam. Percebo que estes jovens, com pouco que fazerem nos tempos livres, se droguem. Aliás está a ser um problema grave no Irão desta geração, principalmente porque a heroína, vinda do vizinho Afeganistão através de uma zona de fronteira montanhosa muito difícil de controlar, lhes chega às mãos ao preço da chuva. No outro dia contaram-me que os traficantes têm esquemas para passar a droga, através das montanhas, inacreditáveis. Às vezes habituam camelos a irem ter a um local do lado iraniano onde lhes dão comida e depois soltam-nos, carregados de droga do lado do Afeganistão, sendo os próprios camelos os traficantes. Se os apanham não têm dono.

Também é incrível como os americanos invadiram o Afeganistão com a desculpa de que era preciso controlar a produção de papoilas e acabar com os laboratórios de morfina e heroína e passados anos, continua tudo na mesma.

Ao fim da tarde, quando parei a moto na rua para ir ao agente de navegação, ao voltar tinha um guarda, armado de metralhadora, a guardar a moto. Como tinha visto muito movimento de volta da moto decidiu, por iniciativa própria, ficar a tomar conta da moto, de metralhadora em punho, a mandar afastar os populares. Quando cheguei quase que me fez continência e ordenou a retirada do pessoal para que eu arrancasse. Inédito.

Antes de partir para o Aeroporto fui ao porto, com o homem da agência de navegação, para carregar a Honda.

Comigo ia um polaco, que tinha encontrado em Teerão numa velha BMW e três miúdos suecos, dois irmãos com uma BMW 650 e uma Yamaha Super Teneré com vinte anos e um amigo com uma Africa Twin da mesma época. Íamos todos a caminho da India e como ninguém tinha conseguido vistos para o Paquistão encontrámos-nos em Bandar Abbas para carregarmos as motos no mesmo contentor.

O polaco já tinha percebido que Teerão tinha um problema de droga. Estava maravilhado com o preço do “produto” e passava os dias fechado no hotel, enquanto esperava que chegasse da Alemanha um veio de transmissão da BMW que se tinha partido. Quando partimos para o porto para embarcar as motos ele entrou em paranóia, disse que tinha que passar no hotel e ficamos três horas à espera do homem. Quase perdemos o embarque.

Os suecos eram muito simpáticos e civilizados. Um deles tinha começado a andar de moto quinze dias antes de partir da Suécia e outro um mês e meio. Ao vê-los nas motos, muito concentrados a dez à hora, até fazia confusão como ali tinham chegado. Cada vez que apanhavam uma estrada de terra iam ao chão mas estavam ali inteiros, mesmo com os suportes das malas feitos em pedaços.

O porto de Bandar Abbas continua movimentadissimo e, se houve companhias de navegação internacionais que se retiraram da zona quando foram decretadas as sanções de proibição de exportações e importações de e para o Irão, outras vieram substitui-las com os navios a fazerem fila ao largo, para carregarem e descarregarem mercadoria. Os negócios com os países vizinhos e todos os asiáticos, incluindo a China e a India, continuam a bom ritmo.

Quando entrei no Irão tinha ideia de lá ficar só dez dias e, sabendo que não se podia levantar dinheiro no país, pois os bancos não têm relações com os europeus, levava comigo 1000 dólares e 100 euros. Embora a vida seja muito barata como passei lá um mês e tinha deixado logo 200 dólares na fronteira e gasto outros cem em vistos e visitas turísticas em Teerão, sobraram 700 dólares e 100 euros que me deram para viver o mês inteiro, incluindo hoteis e bilhete de avião até ao Dubai na Iran air. Mais barato que ficar em Portugal. Cada dólar é trocado por 30.000 Rial iranianos ou 3.000 Tuman, uma redução que eles fazem automaticamente. Não é muito dinheiro mas com o equivalente a três euros atravessa-se Teerão de uma ponta à outra de táxi ou enche-se o depósito da moto de gasolina. A maioria dos hotéis em que fiquei custavam cerca de quinze euros por noite, mesmo se não me pudesse pôr a investigar se alguém teria dormido naqueles lençóis antes, pois as duvidas passariam rapidamente a certezas. De qualquer forma o dinheiro foi até ao último tostão, tendo comprado almoço no aeroporto, um pacote de amendoins e uma laranjada com os últimos trocos que tinha no bolso.