Análise: Mercado nacional sempre ao ritmo dos utilitários… e dos SUV

19/01/2018

Poucos acreditavam que o mercado nacional voltasse a apresentar os mesmos números que na fase anterior à crise de 2008 de uma forma tão rápida. Contudo, o ano de 2017 veio consolidar a tendência de recuperação acelerada das vendas de automóveis novos, mesmo que, no panorama atual, a estrutura do mercado seja distinta daquela que era a norma na fase pré-crise, com os setores empresariais – rent-a-car e frotas – a assumirem larga preponderância face aos particulares.

No total, venderam-se em Portugal mais de 250 mil veículos entre ligeiros de passageiros 222.134), veículos comerciais ligeiros (38.520) e veículos pesados (5732), perfazendo um total de 266.386 unidades matriculadas no nosso país em 2017, um progresso significativo face aos 113.435 veículos que se venderam no auge da recessão económica, em 2012.

A explicação para o aumento das vendas resulta de uma súmula de fatores, começando desde logo pela recuperação da própria economia, mas também pela maior ‘abertura’ das instituições de crédito que, entretanto, voltaram a abrir a ‘torneira’ para empréstimos a particulares.

Mas, se o consumo privado vai recuperando lentamente, é no setor mais ligado aos profissionais que o mercado automóvel vai alicerçando o seu esforço de ascensão, com a importância de negócios em áreas como o das frotas e o do rent-a-car (a reboque do ‘boom’ do turismo que tem sido o eldorado de Portugal nos últimos anos) a ganharem cada vez mais peso, sendo preciso incluir aqui também os empresários em nome individual que procuram soluções menos tradicionais para a aquisição de automóvel.

Neste cenário, as marcas automóveis vão fazendo a sua análise do valor da aposta neste tipo de segmentação, havendo em 2017 quem tenha preferido afastar-se ligeiramente deste estilo de mercado, como foram os casos daquelas representadas pela SIVA (Volkswagen, Audi e Skoda, entre as mais sonantes) ou Mercedes-Benz.

No caso desta última, porém, a diversificação de gama e a atratividade dos seus produtos a par de uma estratégia agressiva, valeram-lhe o quarto lugar do mercado e o epíteto de melhor ‘inter pares‘, ou seja, entre as Premium, conseguindo dessa forma colmatar de forma eficaz os efeitos mais negativos dessa decisão. Com uma estratégia também agressiva e um portefólio de modelos bastante extenso, a BMW ficou com a quinta posição no mercado de automóveis ligeiros de passageiros.

Utilitários (ainda) na frente, SUV ganham terreno

Seguindo uma tendência que se tem vindo a tornar cada vez mais evidente ao longo dos últimos anos, o segmento que mais terreno tem vindo a ganhar é o dos SUV, sobretudo no caso dos modelos de dimensões mais compactas, que são, eles próprios, alternativas viáveis aos convencionais modelos de segmento B como o Renault Clio, Ford Fiesta, Peugeot 208, Opel Corsa ou Volkswagen Polo, apenas para mencionar os mais usuais de encontrar em solo nacional.

Posição de condução mais elevada (logo, conferindo uma sensação de maior segurança), maior funcionalidade e o próprio visual mais aventureira traduzem os fatores chave para o crescendo deste segmento, que embora mais versáteis na sua utilização, raramente são adequados para excursões fora do asfalto. Mantêm, por isso, o seu foco na utilização urbana ou estradista, no caso dos modelos de segmento C, que também têm vindo a ganhar espaço em relação aos compactos familiares mais convencionais.

Mas, mesmo em crescimento, não são esses que dominam o mercado nacional. Essa vertente pertence aos utilitários, mostrando assim que este é ainda o segmento que mais vende, adequando-se às ‘bolsas’ de muitos portugueses e, também, às… frotas de muitas empresas.

Renault em domínio continuado

Pertenceu à Renault, uma vez mais, a liderança do mercado português em 2017, uma posição que a marca francesa ocupa há 20 anos consecutivos e que tem expressão no facto de ter três modelos na lista dos dez mais vendidos em Portugal no ano passado. Com uma quota de mercado de 13,56% e mais de 30.000 unidades vendidas nos ligeiros de passageiros, este é um registo que merece pouca contestação.

Na segunda posição ficou a Peugeot, com a marca do Grupo PSA a ficar cada vez mais isolada no seu estatuto de principal perseguidor da Renault, com um total de 21.102 unidades registadas e uma quota de mercado de 9,50%, ao passo que a Volkswagen, que tal como já foi referido, orientou o seu foco para uma área de negócio mais afastada dos clientes profissionais, ficou com o terceiro posto, mas mais longe da Peugeot e com a Mercedes-Benz não muito distante. A marca alemã de Wolfsburgo teve uma quota de mercado de 7,42% (face a 8,21% em 2016), matriculando 16.473 (menos 3,3%), ao passo que a sua conterrânea de Estugarda cresceu 6,3% com uma quota de 7,33%.

BMW foi a quinta melhor, com 6,54% de quota de mercado e um crescimento mais ligeiro de 1,9% no ano de 2017. Mais uma marca alemã na posição seguinte, com a Opel na sexta posição, ganhando quota (fechou o ano nos 5,94%) graças a uma gama que teve no Corsa (mais um utilitário) o seu melhor representante.

Com um ano de recordes nacionais, a Nissan fecha o ano no sétimo posto com um ganho de quota (dos 5,65% para os 5,84%) e aumento de 10,8% nas vendas, com o Qashqai a ser a figura de proa, mas também a beneficiar do regresso ao segmento B com um modelo de destaque na forma do Micra de nova geração.

No top 10, porém, o maior salto foi o que foi dado pela Fiat, com a companhia de Turim a ter o crescimento mais pronunciado entre os lugares cimeiros: mais 18,1% nas vendas e uma subida na quota de mercado para os 5,41% dos anteriores 4,91%. Estrelas da companhia são três – 500, Punto (ainda…) e Tipo, que elevam a marca da FCA a um patamar de destaque.

A Citroën fica com o nono posto e mais um caso de ganho de quota de mercado (para os 4,89%), além de uma melhoria nas vendas de 9,5% beneficiando das chegadas dos bem-sucedidos C3 e C3 Aircross. O top 10 fecha com a Audi, a terceira das marcas Premium alemãs, que teve um crescimento mais ténue em comparação com as suas principais rivais (apenas 1,2%), perdendo com isso quota de mercado (para os 4,33%).

Clio sem margem para dúvidas

Pelo quinto ano consecutivo, o Clio foi o modelo líder de vendas em Portugal, com um total de 12.743 unidades vendidas. Mas, a marca gaulesa colocou mais dois outros modelos no top 5, com o Mégane a ser o terceiro e o Captur o quinto. Quanto ao compacto familiar de segmento C, não deixa de ser interessante que, nos últimos 15 anos, apenas por uma vez o Mégane não foi um dos cinco automóveis mais vendidos em Portugal. Atrás do Clio ficou mais um francês, neste caso o Peugeot 208, modelo do Grupo PSA que tem mantido uma interessante prestação comercial desde a atualização em 2015, vendendo 6833 unidades no ano transato.

Foi por um triz, no entanto, que a Renault falhou também o objetivo de SUV mais vendido em Portugal, cabendo esse cetro ao Nissan Qashqai (quarto da ‘geral’), também ele um ‘tradicional’ líder do seu segmento, com este modelo a vender mais de seis mil unidades no nosso país. Além de ser o SUV mais vendido, o Qashqai, conseguiu ser também o segundo modelo de segmento C (se englobarmos nesta catalogação os mais convencionais e os SUV da categoria), apenas atrás do Mégane.

Por fim, para completar a lista dos cinco mais vendidos (atrás de Clio, 208, Mégane e Qashqai), ficou então o Captur, que se não foi o SUV mais vendido (na generalidade), foi-o em termos de segmento (SUV-B) à frente de modelos como o Peugeot 2008 ou Nissan Juke.

Fatores de risco para o mercado SUV

Ainda assim, a prestação comercial destes modelos de aspeto mais robusto está também dependente de alguns fatores externos, como é o caso das portagens em Portugal e do seu sistema de classificação que começa a dar sinais evidentes de desadequação.

Atendendo a que as normas de segurança ditam uma maior altura do capot para a proteção dos peões em caso de atropelamento e que a tendência de mercado dita o aumento do número de SUV, o facto de se estabelecer a classificação de taxas de portagem com base na altura medida ao nível do eixo dianteiro (imaginando um ‘corte’ vertical pelo centro da roda da frente) pressupõe que mais modelos podem vir a cair nas ‘malhas’ da taxação ‘indiscriminada’.

Essa foi uma situação que aconteceu recentemente com Opel Mokka X (que é ‘apenas e só’ um dos modelos mais vendidos a nível europeu no seu segmento), mas também com outros, como o Renault Kadjar, Jeep Compass ou o Hyundai Tucson, retirando-lhes dessa forma argumentos comerciais fortes para se baterem de igual para igual com outros rivais (mesmo que a larga maioria consiga jogar com o esquema de classe 1 em associação a dispositivo de portagens da Via Verde por intermédio do peso bruto de 2.300 kg e tração dianteira). O próprio Dacia Duster de nova geração está afetado por esta situação… Esta é uma das ameaças à generalização dos SUV, mas o cenário também poderá vir a mudar muito em breve.

O Motor24 sabe que existem discussões entre diversos intervenientes – desde o Governo às concessionárias das infraestruturas, passando ainda pelos próprios construtores automóveis em Portugal – para se tentar alterar o enquadramento atual. Até porque as consequências da sua manutenção em prática por muito mais tempo poderão ir além da simples lógica comercial.

2018: Ano de estabilização?

Findo 2017 com mais um crescimento generalizado (7,7% no mercado total), o ano de 2018 afigura-se como um de expectativa moderada. Na sequência dos últimos anos de crescimento, nalguns dos períodos com grandes saltos na variação homóloga, a tendência previsível para 2018 é de que se assista a uma estabilização do mercado automóvel, mantendo algum ascendente, mas potencialmente não com os mesmos números de crescimento como se verificou na época pós-crise.

Não só as necessidades das entidades empresariais podem ser alvo de variações (fruto, por exemplo, da maior ou menor necessidade em termos de empresas de rent-a-car), como até as novas tendências do mercado, nomeadamente o carsharing podem ser entendidas como ‘ameaças’ ao anterior método de propriedade automóvel, havendo já hoje quem prefira utilizar o automóvel em ambiente urbano sem ter de ser o seu proprietário. Ainda assim, mesmo nestes casos, os veículos terão de ser matriculados…

Além disso, noutro âmbito, pelo lado menos negativo, não obstante a elevada carga fiscal sobre o setor, os aumentos ténues que o Orçamento do Estado para 2018 introduziu não deverão impactar grandemente sobre o mercado. Espera-se também para saber que reflexo terá o final do período transitório do ciclo de emissões e de consumos de NEDC para o WLTP, que poderá fazer aumentar os valores de CO2 e, com isso, potencialmente os preços finais a pagar pelos clientes.

Em relação a este aspeto, a ACAP já havia indicado ao Motor24 que havia a expectativa de que tal não acontecesse. Opinião contrária manifestaram os representantes de algumas das marcas em Portugal, que olham com algum cuidado para o tema.

Mercado de elétricos em crescendo

No mercado dos elétricos, que subiu 128,7% para 1859 unidades matriculadas, a Renault foi a marca que mais vendeu, com 860 unidades no ano passado, muito por obra do ZOE, que foi o modelo que mais registos teve, devido ao facto de contar com uma nova bateria, de maior capacidade, e um custo mais acessível face aos outros elétricos do mercado. Por outro lado, o Nissan Leaf viu a sua prestação comercial em 2017 marcada pelo facto de ter a sua produção terminada em setembro de forma a acomodar a produção do novo modelo, cujo lançamento se fará em finais de março.

Também aqui, pois, a Renault foi a líder de vendas no que diz respeito ao total de automóveis, com 860 unidades comercializadas, cabendo ao utilitário a maior fatia deste número – 751 unidades (das quais 91,5% do modelo 40).

O aumento do número de elétricos na estrada tem vindo a ser mais acentuado ao longo dos últimos meses, motivado não só pelo facto de existir agora uma maior consciencialização ecológica, mas também por fatores como a existência de uma rede de carregamento mais alargada (embora ainda não seja a ideal, sobretudo em matéria de pontos de carga rápida) e por mais propostas a surgirem no mercado.

Depois de ter mais do que duplicado em 2018, a tendência para 2018 é que esse mesmo número volte a aumentar em proporção idêntica, mesmo que a questão dos incentivos fiscais possa vir a desempenhar um peso importante nessa situação.

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