200 insetos por hora

13/01/2020

Em catraio desenvolvi um método muito próprio de medir a velocidade a que o meu pai conduzia o seu Ford Taunus. Um conta-insetos pessoal. Quantos mais insetos fossem esmagados contra o para-brisas, grelha frontal e carroçaria, mais rápida tinha sido a viagem entre Lisboa e Ferreira do Zêzere, terra onde moravam os meus avós.

Não me julguem. A realidade, então, era ainda a preto e branco e o mundo girava a uma outra velocidade. Mas era sempre assim. As manchas vermelhas, no vidro e no branco pérola da carroçaria, eram medalhas. Uma garantia de que tínhamos ido a bom ritmo. Tudo isto eu via no lugar de trás, no meio, o assento reservado ao mais novo de três irmãos. Não se tratava de uma barbárie. Para mim, era um fenómeno sem adesão à realidade – apenas ao vidro. Reflexo de uma jovem mente sonhadora.

Mas o mundo muda sempre ao bater das asas de uma borboleta. Com os anos, deixei de contar insetos nos para-brisas. E um dia deixei de os ver de todo, sobretudo, nos (muitos) carros que conduzo em adulto. Terei deixado de sonhar? Estaremos todos a abrandar um pouco? Ou será que o Taunus do meu pai e de todos os pais do Planeta, em viagem para casa dos avós, acabaram com eles? A verdade é que a população de insetos, a nível global, tem vindo a reduzir-se drasticamente. São hoje muito menos do que nas décadas de 70 e 80. Estudos provam que, na Alemanha, por exemplo, estes sofreram uma redução de 75%, em comparação com a década de 80. Não será muito diferente em Portugal. Preocupante, não tanto para crianças sonhadoras no banco traseiro de um Taunus, mas sim para adultos um pouco mais realistas. O motivo é simples. Podia dizer-se que os insetos serão sempre insetos. Mas todos sabemos que também são essenciais para a diversidade das espécies. Milhares de aves e outros animais alimentam-se deles. E parte da fertilidade do solo depende destes organismos. São responsáveis pela polinização das plantas, mesmo daquelas que comemos.

O seu declínio não será tanto causado pela colisão com veículos – embora os estudos provem o seu forte contributo – como, essencialmente, pela utilização de pesticidas, poluição…e alterações climáticas.

Um vidro ou uma carroçaria branca, imaculada, não será nunca sinal de que o mundo tenha desacelerado. Nem que esteja mais limpo. Pode até ser o contrário disso.