Carlos Tavares: Português, CEO e “car guy”

06/03/2017

dalidades do desporto automóvel existe um botão no volante dos carros denominado “Push to pass”, dispositivo que dá ao motor aquele momento de potência extra para facilitar as ultrapassagens. Uma injecção de adrenalina mecânica que é bem conhecida dos entusiastas das corridas. Mas não só: esse foi também o nome escolhido por Carlos Tavares, o CEO do Grupo PSA, para o plano estratégico da companhia que apresentou há pouco mais de um ano. Isto diz muito sobre o lisboeta que desde 2014 dirige um dos maiores grupos mundiais do sector e que acaba de anunciar a compra da Opel.

Carlos Tavares, o homem do momento na indústria automóvel, nasceu em Portugal há 58 anos, e é um apaixonado por carros desde muito novo. Aos 14 anos já se voluntariava para comissário de pista e ainda hoje não dispensa uma corrida aos fins-de-semana. Pelo menos nos que lhe restam livres. É, como dizem os media internacionais, um verdadeiro “car guy”.

Nada como consultar um blogue que dá pelo nome de “Clémenteam Racing” e ler, por exemplo, o relato da corrida de “Carlos” e “Denis” ao volante do Peugeot RCZ no circuito de Le Castellet. A ficha técnica desta equipa também refere um certo “Carlos Antunes Tavares” como fundador e piloto. Lui-même, o CEO do grupo PSA. A Clémenteam Racing, nome inspirado numa das suas três filhas, é um hobby antigo, o mesmo que, durante os anos em que trabalhou nos EUA para a Nissan, o fazia apanhar o avião à sexta-feira para vir fazer uma prova com os seus amigos na Europa. À segunda de manhã, já estava no seu gabinete. É o que se chama correr por gosto. Literalmente.

Pouco tempo depois de ter assumido a presidência executiva da PSA, deslocou-se a SPA-Francorchamps para assistir a uma sessão de treinos da equipa oficial Citroën no WTCC. Assistir, é como quem diz: depois de uma volta com Sébastian Loeb, foi a sua vez de experimentar o carro. No vídeo, não passa despercebido o capacete com as cores portuguesas e a Cruz de Cristo a lembrar as suas origens.

Ao Paris Match, Carlos Tavares disse um dia que esta experiência lhe é valiosa no trabalho de gestão: “Pilotar ensina-nos a manter o sangue-frio, é uma escola de rigor e de espírito de equipa”. Com um bónus que lhe deve estar a valer muito por estes dias: “É uma grande escola para enfrentar o stress”.

Filho de uma professora de francês e de um representante de uma seguradora em Portugal, Carlos Tavares estudou no Liceu Francês, em Lisboa, e mudou-se aos 17 anos para o país onde vive hoje, formando-se em Engenharia pela École Centrale de Paris, em 1981. Acabaria por encontrar o seu destino nesse mesmo ano, quando entrou para a Renault como engenheiro de testes. Haveria de ficar pela marca francesa durante 32 anos.

Pelo caminho, foi responsável por projectos como o Clio II e liderou também o dos Mégane II e Scénic II. Por essa altura, a comunidade automóvel em Portugal já ouvia falar nele. Era um caso de sucesso de um português no duro e exclusivo mundo dos grandes construtores, mas estava tudo só a começar.

Estsva já na vice-presidência da Renault, com o pelouro de estratégia de produto e planeamento, quando foi chamado por Carlos Ghosn, em 2004, para assumir a vice-presidência da Nissan. Depois de vários cargos na marca nipónica da aliança Renault-Nissan, acabaria por chegar a COO do grupo. Até um dia em que, numa entrevista à Bloomberg, afirmou que há sempre um momento em que um gestor quer liderar uma companhia automóvel global. Ghosn não gostou. Tavares saiu, para logo depois ser convidado a dirigir a PSA.

Ao longo da sua carreira de 32 anos na Renault, foi conhecido pela forma como nunca se afastou da sua paixão de sempre – o produto. Engenheiro de formação e vocação, conquistou uma boa parte da sua “legitimação” graças ao contacto próximo com os departamentos de desenvolvimento, que sempre fez questão de visitar assiduamente. Nunca abdicou disso. Nem de experimentar os carros e de conhecê-los a fundo.

Agora, porém, a corrida é outra.

Carlos Tavares acelerou a fundo numa inevitável e vital reestruturação do Grupo PSA, que se encontrava em situação crítica em 2014. O CEO português colocou-se, assim, na pole position para lançar o plano estratégico até 2021 e que dá pelo nome de “Push to pass”. Objectivos: alcançar, até esse ano, uma margem operacional de 6% e um incremento de 15% de receita face a 2015. O que implica um crescimento de 4,4% ao ano em receitas e vendas.

E se os resultados em 2016 já foram suficientemente bons para considerar estes objetivos alcançáveis (um lucro líquido de 1,72 mil milhões de euros e os primeiros dividendos para os accionistas desde 2011!), também é certo que a PSA precisa consolidar o seu futuro com uma estratégia de crescimento sustentável.

Para além da racionalização draconiana nos custos operacionais que a nova gestão do grupo introduziu desde 2014, incluindo cortes na produção, é necessário encontrar novos caminhos num setor que atravessa mudanças estruturais e geracionais sem precedentes. Não é por acaso que, abordando a compra da Opel, Carlos Tavares refere a criação de “um campeão europeu de mais de 5 milhões de viaturas por ano”. Na crónica que escrevi neste mesmo espaço há duas semanas, falava dessa necessidade de ter dimensão para multiplicar sinergias e fortalecer a posição perante a cadeia de fornecedores, mas as razões da compra da Opel pela PSA podem ser encontradas também na rentabilidade perante o mercado.

A incrível concorrência que se faz sentir na Europa tem feito com que os construtores cedam a uma tremenda tentação de esmagar preços para conquistar volumes. Uma estratégia tantas vezes ditada por razões financeiras do exercício, mas que compromete os resultados de longo prazo – seja nos automóveis, seja em qualquer outro negócio. Carlos Tavares tem assumido variadas vezes uma posição sobre o denominado “pricing power” e uma das marcas da sua gestão na PSA tem sido precisamente a opção pela rentabilidade em detrimento dos volumes. Isso mesmo fica patente nos números de 2016: o substancial incremento de resultados teve origem num crescimento menos expressivo nas vendas – 5,8% a nível mundial e 3,56% na Europa, onde o grupo realiza 61% das suas vendas.

Com a Opel “a bordo”, todo este programa de rentabilidade ganha um novo fôlego. Para além das escalas tecnológicas e industriais – que se estimam perto de 2 mil milhões de euros por ano – a PSA ganha um maior “espaço vital” para as suas estratégias de preço marca a marca, sem comprometer o volume global enquanto grupo. “O volume pode ser inimigo do valor”, disse recentemente ao Automotive News.

Uma coisa que Carlos Tavares também sabe do mundo das corridas que tanto ama é que a vitória se decide nos momentos-chave. É preciso saber o exacto momento em que se pressiona o tal interruptor do “push to pass”. E neste momento o CEO português da Avenue de la Grande Armée tem o dedo no botão.

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Luís Pimenta acompanha o setor automóvel há mais de 25 anos. Editou e dirigiu vários órgãos de comunicação social especializados e generalistas e dedica-se hoje à consultoria e produção de conteúdos e de plataformas de comunicação online.