A corrida contra o tempo de Elon Musk

08/05/2017

O Tesla S acelera dos 0 aos 100 km/h em 2,5 segundos, enquanto o modelo mais recente, o X, cumpre esta meta em 3,1 segundos. Mas Elon Musk, o criador da marca que está a dar a volta aos eléctricos, tem de correr ainda mais depressa se quiser ganhar a corrida. A apresentação de resultados do primeiro trimestre, que mobilizou as atenções na passada semana, foi o retrato de um homem que enfrenta agora várias corridas contra o tempo: Elon Musk tem vendido futuro, mas agora precisa de começar a vender carros. E rápido.

1ª corrida: Concorrência

Quando, em 2013, Elon Musk mostrou o seu primeiro modelo Tesla, o Model S, apanhou o mundo de surpresa. Genial como sempre, o fundador do Pay Pal e da SpaceX foi absolutamente notável na forma como conseguiu trazer aquela aura de disrupção “a la Silicon Valley” perante a “pesada e monolítica” indústria automóvel. Assim uma espécie de “Yes, We Can”, mas com rodas. O que é sempre muito sexy, como nos diz a História recente. Por falar nisso, o projecto da gama Tesla é todo ele um statement a este respeito, com uma nomenclatura tudo menos inocente: S-E-X-Y são os modelos que a constituem (na verdade, S-3-X-Y, porque a Ford tinha registado o Model E).

A Tesla conseguiu uma porção extraordinária de mercado para um newcomer, com cerca de metade das vendas de carros eléctricos nos EUA, o seu país de origem, fruto da visão de Elon Musk. Mas esta quota significa, por agora, apenas perto de 160 mil carros e a guerra está só a começar. Os grandes construtores mundiais andaram mais ou menos adormecidos, mas estão a partir para o ataque, fruto de várias coisas, entre as quais a inevitabilidade de terem de criar motorizações que sejam economicamente viáveis à luz da esmagadora vaga de legislação ambiental.

Os lançamentos de automóveis eléctricos ou “derivados” (nomeadamente os híbridos plug-in) já passaram a fase de intenções e são conhecidos os investimentos e o calendário de estreias que aí vêm. Mesmo em Portugal, o efeito já se faz sentir: ainda na passada sexta-feira começou a ser comercializado em Portugal o e-Golf, da Volkswagen, com um preço que, com incentivos, se situa abaixo dos 40 mil euros (ou pouco mais de 32 mil, deduzindo o IVA). Tendo em conta que estamos a falar de um carro com uma imagem reconhecida, rede de assistência firmada e características técnicas que o tornam uma alternativa viável, ficamos com uma ideia clara de como o mercado eléctrico chegou, finalmente, à nossa porta. E à porta da Tesla, já agora.

O Grupo Volkswagen, que irá lançar 30 modelos elétricos até 2030 e que atravessa uma profunda mudança de todo o modelo de negócio em torno da mobilidade, é apenas um exemplo da avassaladora concorrência que a Tesla vai ter de enfrentar a partir de agora. Outro

gigante da indústria, a General Motors, acaba de mostrar o novo Ampera-e, enquanto a aliança Renault-Nissan tem projetos iminentes em ambas as marcas, das quais destaco a nova geração do Nissan Leaf. Do lado da Toyota, um movimento igualmente sintomático: em Novembro passado, a companhia anunciou que seria o seu presidente, Akio Toyoda, a liderar directamente a divisão de carros eléctricos, o que é tanto mais relevante quanto a casa japonesa sempre foi mais reconhecida pelos híbridos e pela investigação em fuel-cell (hidrogénio). Ainda entre os cinco maiores do mundo, olhemos para a Hyundai-Kia: a caminho vem a primeira plataforma exclusiva para um carro eléctrico de segmento médio, com derivações para ambas as marcas. E, no caso da Kia, cerca de metade dos lançamentos deste ano na Europa são versões híbridas ou híbridas plug-in.

2ª Corrida: financeira

Muitas das análises que tenho lido sobre a Tesla acabam por olhar para ela como um universo isolado, quase como que um ecossistema impermeável ao mundo exterior. Mas isso faz cada vez menos sentido à medida que os “grandes” decidem atacar a nova realidade.

Uma concorrência desta natureza não será apenas no produto, mas também – ou acima de tudo – no músculo financeiro, uma vez que os grandes construtores terão uma maior facilidade em subsidiar os seus modelos eléctricos com os lucros provenientes dos seus carros convencionais. Para eles, a travessia no deserto será muito mais confortável na hora de fechar as contas do ano.

A Tesla, pelo contrário, parte do zero e as escalas industriais ou a consolidação financeira que pode fazer são, ainda, reduzidas. Isso mesmo fica claro quando olhamos, trimestre após trimestre, para as perdas consecutivas que são averbadas nas contas da companhia. No caso do primeiro trimestre deste ano, os resultados negativos chegaram aos 330 milhões de dólares, que comparam com os 282 milhões do período homólogo de 2016.

Como se sabe, os resultados negativos não dizem tudo sobre uma empresa. E, no caso dos primeiros três meses deste ano, há notícias francamente animadoras para a Tesla: as receitas cresceram 135%, para 2,7 mil milhões de dólares, com as entregas de carros novos a subirem para cerca de 25 000 unidades, um aumento de 69% face ao período homólogo e mais 13% que no trimestre precedente.

O arranque do ano fica, assim, marcado por um interessante crescimento no que diz respeito ao mercado, o que não significa que não persistam os desafios. Depois de cerca de quatro anos de perdas sucessivas, em grande medida decorrentes do esforço de investimento, chegou a altura do tudo ou nada. Musk confirma isso mesmo quando recorda os objectivos da companhia no curto prazo: dobrar as entregas no segundo trimestre, para 50 mil unidades, e chegar ao final de 2017 com um volume de 100 000 carros.

Para isso, o Model 3 – o Tesla mais acessível e que conta já com 400 mil encomendas – tem de cumprir escrupulosamente o plano. E este diz-nos que o seu lançamento ocorrerá em Julho, com preços a começar nos 35 000 dólares (nos EUA), ou, como confirmou Elon Musk, por cerca de 45 000 dólares no caso das versões com mais equipamento e que deverão representar a maioria das vendas.

Do ponto de vista estritamente financeiro, o Model 3 é – ou terá de ser – um ponto de viragem para a companhia. Caso este modelo não comece a produzir cash-flows positivos para a Tesla,

a empresa terá de regressar de novo aos mercados para obter o capital necessário para prosseguir o seu projecto.

De acordo com as últimas contas, a Tesla dispunha, no arranque do ano, de 4 mil milhões de dólares, mas o esforço financeiro com a empresa a Solar City (que passou a integrar o grupo Tesla), o arranque da produção do Model 3 e a criação de uma rede de distribuição e assistência globais são óbvios sorvedouros de capital. Só no primeiro trimestre, o esforço de investimento ascendeu a 600 milhões de dólares. Caso este ritmo de mantenha, ou resvale um pouco mais, a empresa terá de voltar ao mercado para nova operação de capitalização. Uma boa parte dos analistas estima que a Tesla possa tornar-se rentável apenas no final de 2018 e, mesmo assim, apenas se o Model 3 resultar sem qualquer percalço, seja em entregas, seja em qualidade do produto.

Como resulta claro, o Tesla 3 é mais do que um novo modelo da marca de Elon Musk. É mais do que um gamechanger no mercado automóvel. Ele é, acima de tudo, o carro que vai decidir o futuro de toda a companhia. É por isso que não são só os 400 mil potenciais clientes que o aguardam com expectativa: é toda a comunidade automóvel.


Luís Pimenta acompanha o setor automóvel há mais de 25 anos. Editou e dirigiu vários órgãos de comunicação social especializados e generalistas e dedica-se hoje à consultoria e produção de conteúdos e de plataformas de comunicação online.

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