Há uma contradição no estudo que diz mal dos híbridos plug-in…

28/11/2020

O estudo lançado esta semana pela Transport & Environment (T&E) lançou para a praça pública a possibilidade de os automóveis híbridos plug-in terem emissões poluentes substancialmente maiores do que as anunciadas. Porém, nesse mesmo estudo, um capítulo da análise dá conta de que a conclusão não é assim tão linear quanto o título do estudo aparenta.

O documento recebeu o nome ‘Plug-in Hybrids: Is Europe Heading for a new Dieselgate?‘, ou seja, ‘estará a Europa a caminho de um novo Dieselgate?’, fazendo alusão à polémica do mecanismo fraudulento de emissões que o Grupo Volkswagen instalou nalguns dos seus carros com motor Diesel (descoberto em 2015, mas bem anterior a isso) e que trouxe para a ribalta a necessidade de aumentar a rigidez dos ensaios de homologação dos automóveis novos e, sobretudo, o controlo das emissões.

Porém, o ‘Dieselgate’ assentava na montagem de um mecanismo de software que permitia aos automóveis ensaiados detetarem que estavam a ser testados num banco de ensaio, logo acionando um modo de funcionamento que permitia emissões de NOx mais baixas, quando em utilização real esse mesmo software desativava a função mais apertada de controlo de emissões poluentes de alto impacto para a saúde.

No estudo agora lançado pela T&E, não são apontadas falhas de software ou esquemas de adulteração dos ensaios de homologação, que são atualmente WLTP, mais rígidos e aproximados da realidade, em contraponto com o anterior NEDC, muito menos realista, logo com valores de consumos e de emissões poluentes que eram menos exequíveis em utilização real. Podem-se apontar motores de combustão ineficientes, baterias de baixa capacidade, sistemas de condução que não aproveitam a total potência do motor elétrico ou até a baixa potência do motor elétrico face ao de combustão (estes argumentos estão lá todos). Podem-se apontar, porque são argumentos reais. Mas não há escândalo.

Ainda assim, o termo ‘Dieselgate’ é usado, procurando ‘colar’ a imagem de marcas fraudulentas ao objetivo do estudo, que é o de que os valores de emissões são mais elevados do que os apontados em homologação. Mas em condições específicas, como por exemplo, quando acaba a carga da bateria elétrica em utilização mais dinâmica, as emissões poluentes tendem a subir – em percursos de 100 quilómetros. Isso não é novidade. Importa reter que os testes de homologação de consumos e emissões têm regras estabelecidas a que os construtores têm de obedecer. Se a metodologia é a mais acertada para um plug-in já é outro tema.

Os modelos escolhidos são três SUV de grandes dimensões, um BMW X5 xDrive45e M, um Mitsubishi Outlander PHEV e um Volvo XC60 R-Design Pro T8, todos com tração integral.

Na página 27 do referido estudo, o mesmo que pretende demonstrar que a utilização de um plug-in é um “desastre ambiental”, procura-se fazer um “teste à autonomia puramente elétrica (EV) dos PHEV em condições de condução moderadas/suaves em linha com os requisitos de procedimento do teste europeu Real Driving Emissions (RDE)”. Este teste complementa o ciclo de homologação WLTP.

Adiante, lê-se que “sob estas condições de condução suaves/moderadas chegou-se à conclusão de que a autonomia puramente elétrica dos PHEV testados foi aproximada ou superou a autonomia elétrica WLTP no certificado de conformidade do veículo. A autonomia do X5 foi 7% inferior à da aprovação no modo EV, que é de 75 km. Por outro lado, tanto o XC60 como o Outlander excederam a autonomia WLTP em 6% e 7%, alcançando uma autonomia elétrica de 37 km e de 48 km, respetivamente”.

No parágrafo sobre o consumo elétrico no teste puramente elétrico lê-se que o do X5 foi de 263 Wh/km, o do XC60 foi de 196 Wh/100 km e o do Outlander foi de 120 Wh/100 km. Ou seja, testando os veículos em condições mais ou menos semelhantes àquelas com que foram homologados resultam em dados bastante próximos. Isto pode ser ainda olhado à luz de que a base do estudo assenta em testes feitos em 100 quilómetros, enquanto os dados de homologação WLTP são obtidos num trajeto de 23,25 quilómetros, com uma velocidade máxima de 131,3 km/h.

Como se costuma dizer, o ‘diabo está nos detalhes’, o estudo indica que os veículos ensaiados não cumprem no mundo real com o que prometem em papel. A questão é mesmo essa – mundo real. O que é uma utilização real para um condutor não é para outro. De forma mais ou menos evidente, seja com que tipo de motor for – combustão, elétrico ou híbrido – uma utilização mais dinâmica, com outro tipo de práticas ao volante e com mais carga a bordo resulta em consumos e emissões mais elevados. Além, claro, de se optar ou não por carregar o carro em casa. Surpreendente? Só para quem viveu em Marte nas últimas décadas.

Quer fazer uma experiência: vá fazer uma viagem de 20 quilómetros mas, seja qual for o seu carro, ande sempre de forma agressiva, acelere com força, trave com força e se, tiver um motor de combustão, vá ao ‘redline’ aqui e ali. Faça o ‘reset’ ao computador de bordo (atenção que não é 100% fidedigno nos consumos). Depois faça uma condução exatamente oposta, mais pausada, regrada, aproveitando as descidas, com suavidade e moderação. Vai ver que não precisa de um estudo para interpretar os resultados. Mas talvez perceba que o seu pé direito comanda muita coisa – a velocidade, a travagem, os consumos, as emissões e até as multas.

Ainda assim, o estudo também faz algumas ações positivas, como as recomendações para se recolherem mais e melhores dados da frota dos PHEV à venda na Europa ou a avaliação dos plug-in em todos os modos de condução e com os acessórios consumíveis de energia também nas ‘contas’. Depois, de forma exagerada, pede o fim dos incentivos aos PHEV, algo que parece ter sido tido em conta pelo Governo português, que não perdeu tempo a castrar ainda mais um setor já em dificuldades.