‘I want to ride my bicycle!’

17/07/2020

Como na canção dos Queen, por estes dias parece que toda a gente quer andar de bicicleta. O veículo tal como o conhecemos surge no final do século XIX e passada a estranheza inicial a população, rapidamente, se rendeu aos seus encantos. Estávamos perante uma revolução. A engenhoca movida pelo próprio utilizador iria, finalmente, substituir o cavalo, o meio de transporte mais popular utilizado até então.

Pelo menos, nas cidades parecia uma aposta ganha: era mais higiénico e as senhoras também gostavam do novo veículo, que lhes permitia sair do recato das suas casas sem a condenação da crítica social. O problema maior talvez fossem os trajes vitorianos. Sem dúvida que o espartilho e os vestidos compridos eram incompatíveis com o ato de pedalar, mas a moda não tardaria a acompanhar a tendência.Primeiro, os vestidos haveriam de encurtar para depois darem lugar às calças-balão, bem mais funcionais.

A evolução de uma utilização recreativa, para uma com um sentido mais prático, como meio de transporte, não tardaria. Apesar do aparecimento do automóvel, a bicicleta viria a gozar ainda de uma enorme popularidade até às décadas de 20 e 40 do século XX.

Era frequente a imagem de um “mar” de trabalhadores montados nas suas bicicletas na hora de entrarem ou saírem das fábricas, sobretudo na Europa. Existe uma certa ironia no facto de ter sido a indústria sistematizada do fabrico de bicicletas a precursora de métodos que viriam a ser aplicados na indústria automóvel, contribuindo para tornar a sua produção mais barata e substituir, progressivamente, o velocípede como meio de transporte. A bicicleta ainda seria glorificada no cinema em 1948 pelas mãos do cineasta Vittorio De Sica, no filme “Ladrões de Bicicletas”, em que vemos uma sociedade destroçada, após a Segunda Guerra Mundial, a lidar com o drama do desemprego. O único trabalho que o protagonista Antonio Ricci consegue é o de colar cartazes, mas para isso precisa de uma bicicleta que, entretanto, é roubada.

Hoje, tal como na crise americana dos anos 30 – apesar das dificuldades económicas que muitos setores de atividade estão a atravessar por causa da pandemia da Covid-19 – a indústria do fabrico de bicicletas atravessa um excelente momento. As fábricas parecem não ter mãos a medir para satisfazerem as encomendas das lojas um pouco por todo o mundo e no nosso país em particular. Somos o maior exportador e um dos maiores produtores de bicicletas da Europa. Curiosamente, contrasta com a sua utilização como meio de transporte por parte da população portuguesa.

Ao contrário de países como a Holanda, Suécia e Dinamarca, que adotaram a bicicleta como meio de transporte logo, desde o seu aparecimento – o que teve obviamente um impacto na forma de pensar dos cidadãos e dos políticos na criação de regras e infraestruturas para a circulação dos velocípedes – por cá preferimos seguir o caminho do “sonho americano”, ao ter um carro à porta.

As nossas cidades não são amigáveis para as bicicletas, poderão pensar. Seria verdade há algumas décadas, quando se fazia vida sobretudo nos centros históricos. Há muito tempo que as nossas metrópoles expandiram os seus limites e, atualmente, na maior parte delas é perfeitamente possível pedalar, até nas ruas mais íngremes com a novidade das bicicletas elétricas. Aparentemente, chegámos tarde à “festa das bicicletas”, mas sobretudo graças ao crescimento do turismo nos últimos anos, a oferta de alternativas de mobilidade urbana aumentou exponencialmente. Já não são só as bicicletas, mas também trotinetas, tuk-tuk ou scooters, tudo a contribuir para uma vida melhor nas cidades, agora adaptadas à pressa para esta nova realidade que pretende retirar o automóvel particular dos seus centros históricos.

Sem turismo por causa da crise sanitária mundial, as pessoas lembraram-se do exemplo dos turistas. E afinal andar de bicicleta na cidade é possível e como alternativa aos transportes públicos parece que estão a ver a bicicleta como um meio de transporte viável, esgotando-as nas lojas nacionais. Talvez este seja o catalisador necessário para uma mudança nos hábitos de transporte. Afinal, a distância média que os portugueses fazem até ao trabalho são apenas oito quilómetros e a bicicleta é o meio de transporte mais eficiente, bem como o mais democrático de todos.

Corrida de bicicletas na Avenida da República, Lisboa. 1906