Need for Speed – Edição Las Vegas

16/12/2016

Se andássemos à procura de uma boa metáfora para o incrível momento de mudança que atravessa a indústria automóvel ela poderia muito bem encontrar-se naquilo que se vai passar já nos primeiros dias de Janeiro: o primeiro grande salão no calendário do sector passou a ser o CES, em Las Vegas, uma exposição de electrónica de consumo. Isso mesmo: de gadgets. Entre os smartphones de última geração, as soluções de realidade virtual e as televisões 4K, vamos ter carros. Muitos carros.

Nas agendas tradicionais dos especialistas do mundo automóvel ainda deverá permanecer aquela anotação teimosa que diz que Detroit é o primeiro grande evento do ano. E a verdade é que há muitas décadas que os meses vão fluindo sempre da mesma maneira: Detroit em Janeiro, Genebra em Março, e Paris ou Frankfurt (consoante o ano for par ou ímpar) em Setembro. Tudo certinho e sem grandes ondas. Mas agora o contexto é outro. A “geração Z” pede smartphones com rodas e carros eléctricos. Os autónomos estão a progredir para patamares impensáveis. A mobilidade promete tornar-se numa nova área de negócio em si mesma. Não é de estranhar, por isso, que os construtores de automóveis estejam cada vez mais a ir a jogo em Las Vegas.

A tendência tem vindo em crescendo, mas tornou-se por demais evidente o ano passado, já que foram várias as marcas a apresentar ali novidades tão ou mais importantes do que aquelas que reservaram para os salões tradicionais do sector. As apostas em Las Vegas têm tanto de milionário quanto de arrojado. Repare-se no calibre das notícias que saíram do CES 2016: a CEO da General Motors, Mary Barra, foi pessoalmente a esta mostra de electrónica para apresentar o Chevrolet Bolt EV (que em Portugal se chamará Opel Ampera E). Mais? Claro: da Europa, outro CEO, desta vez o do Grupo Volkswagen, escolheu o CES para revelar o protótipo BUDD-e e toda a estratégia do grupo em electrificação e mobilidade.

O CES 2017 promete continuar esta tendência logo a partir de 3 de Janeiro, primeiro dia reservado aos media e profissionais. A Mercedes, os Grupos Volkswagen, Renault-Nissan e Hyundai-Kia, bem como a BMW, já fizeram saber que haverá anúncios importantes no salão. Sabe-se, de resto, que Carlos Ghosn, o todo-poderoso CEO da Renault-Nissan estará presente e irá fazer uma comunicação.

A comunidade local – se é que isso existe em Las Vegas – agradece… é que são várias as iniciativas de demonstração de carros autónomos já previstas em plena Strip, a famosa alameda que cruza a Sin City. E convenhamos: é o meio de transporte ideal para quem afogou as mágoas de jogo até às 3 da manhã e precisa de voltar ao hotel. Se os carros terão slot machines a bordo, isso não se sabe, mas não deixaria de ser uma boa ideia para amenizar o tremendo aborrecimento de um veículo autónomo.

Outra tendência que esta nova idade do automóvel nos traz é a emergência de novos jogadores. No último Salão Automóvel de Los Angeles, em Novembro, uma das maiores novidades foi levada por um CEO de uma tecnológica: Brian Krzanich, CEO da Intel, anunciou um investimento de 250 milhões de dólares na tecnologia de carros autónomos. No CES 2017 vamos assistir a mais “intrusões” deste género: o CEO da Nvidia, Jen-Hsun Huang, irá fazer uma comunicação sobre inteligência artificial, carros autónomos, realidade virtual e jogos. Como tudo isto se mescla numa mesma comunicação de um mesmo CEO é igualmente uma estrondosa metáfora do momento tecnológico actual. Mas também não é segredo que a Nvidia, que nos habituámos a conhecer pelas suas placas gráficas (uma bela GeForce era o luxo de qualquer “gamer”), está a apostar em novas áreas, em especial a da computação para carros autónomos, da qual esta tecnológica é uma conhecida entusiasta.

Para a indústria automóvel, o CES passou a ser o salão mais importante do ano. Na verdade, o mais importante do resto do seu futuro. Porque, ao contrário do que diz o ditado, o que acontece em Las Vegas não fica em Las Vegas. A revolução digital deixou de ser um exclusivo de um ou de outro sector, antes assumindo-se claramente como uma revolução geracional.

Vivemos numa geração de interconectividade individual em que o modelo de negócio e de desenvolvimento tecnológico está a ser colocado em causa todos os dias. E o automóvel é uma das áreas mais pressionadas. Nas grandes e nas pequenas coisas. Exemplos? Para que precisamos de um GPS a bordo quando temos o Google Maps? Como encaramos os ciclos de actualização anuais de software dos nossos carros (quando as há), numa altura em que recebemos actualizações diárias das nossas apps no smartphone? Para que precisamos de um “smartphone com rodas” se temos um que cabe no nosso bolso e nos acompanha a todos os minutos do nosso dia? Qual será a afinidade das novas gerações com as marcas tradicionais de automóveis? Até que ponto estão disponíveis a confiar num carro de uma Google ou de uma Apple? As questões com que se debate um fabricante de automóveis nos tempos actuais chegam a ser demolidoras.

Por tudo isto, a presença dos construtores no CES não é um mero jogo de imagem ou uma colagem ao mundo hype de Silicon Valley. É mesmo uma questão de sobrevivência e de luta pela relevância num contexto em que, de repente, a rapidez com que tudo acontece passou a ser muito maior do que aquela a que os fabricantes estavam habituados.

O cenário não deixa de ser irónico. Porque nunca como agora as marcas de automóveis precisaram tanto de mostrar velocidade.

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lvtONDE É QUE EU JÁ OUVI ISTO? – [Os carros autónomos] “serão muito focados e moldados pelos clientes. Tudo andará à volta daquilo que eles pretendem fazer no seu automóvel” – Mary Barra CEO do grupo General Motors

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Luís Pimenta acompanha o setor automóvel há mais de 25 anos. Editou e dirigiu vários órgãos de comunicação social especializados e generalistas e dedica-se hoje à consultoria e produção de conteúdos e de plataformas de comunicação online.