O dia em que a autonomia de um automóvel elétrico será irrelevante

15/10/2024

No momento de comprar um veículo elétrico, o número de quilómetros que é possível percorrer sem recarregar continua a ser a métrica mais relevante. No entanto, é bem possível que, num futuro próximo, a preocupação com a autonomia seja um fator secundário.

 

Texto: António Eduardo Marques

“Qual é a autonomia disso?” é a frase que mais frequentemente ouço quando amigos e conhecidos sabem que tenho um carro elétrico. Sei também que é algo que preocupa mais quem não tem um EV do que quem conduz um diariamente, mas compreendo a pergunta. Até porque é algo que não se coloca quando falamos de veículos a combustão.

E, no entanto, também estes têm “autonomia” – o número de quilómetros que conseguimos percorrer com um depósito cheio de combustível – embora nunca tenhamos qualquer preocupação com ela. A diferença de autonomia entre um diesel que permite quase 1000 quilómetros com um depósito ou um citadino a gasolina que “só faz” 500 quilómetros é algo que nunca preocupou ninguém.

E a razão é simples: num carro a combustão, quando “entramos na reserva”, basta encontrar (sem que seja preciso procurar muito) uma estação de serviço e abastecer. Em poucos minutos, estamos prontos a seguir viagem.

Ora é precisamente neste ponto que os veículos a combustão e os elétricos a bateria oferecem uma experiência de utilização bastante diferente.

Na minha experiência de condução de um VE, nunca senti verdadeiramente a chamada “ansiedade da autonomia”, muito embora as minhas circunstâncias sejam muito particulares: tenho um carregador no escritório e, mesmo quando não o posso usar, à minha volta existem, literalmente, dezenas de carregadores públicos, normais e rápidos.

No entanto, admito que sempre que tenho que sair da cidade a fazer uma viagem maior, programar o local onde irei (re)carregar o meu carro, um BMW i3 com uma pequena bateria de 27 kWh, provoca-me efetivamente alguma ansiedade. O carregador estará disponível? Estará a funcionar corretamente? E não estará um carro a combustão (mal) estacionado no local impedindo a sua utilização pelos VEs?

Os mais cínicos poderão dizer que, no final do dia, ansiedade da autonomia ou ansiedade do carregamento, acaba por ser a mesma coisa. Mas permitam-me que discorde. Porque a primeira só faz sentido se for insolúvel; e a segunda, que resolve o problema, é efetivamente solúvel… a prazo.

Voltando ao início deste artigo, o ponto onde quero chegar é este: hoje, precisamente devido ao facto de termos uma rede de carregamento de veículos elétricos ainda em evolução (e assim irá continuar durante os próximos anos, a par do crescimento da quota de mercado dos VEs), a autonomia que nos é oferecida pelo nosso veículo elétrico é realmente importante.

Por muito que digamos que “é preciso mudar o interruptor”, “pensar de forma diferente” e que “os VEs não se carregam, vão-se carregando” – de resto, tudo afirmações verdadeiras! – enquanto a rede de carregamento não for suficientemente grande e fiável, a autonomia continuará a ser uma métrica relevante.

Mas, e é aqui que quero chegar, sê-lo-á cada vez menos e consigo imaginar um futuro em que reabastecer um VE será tão simples como “encostar na bomba” e seguir viagem. Só ainda não chegámos lá – mas para lá caminhamos.

E, nessa altura, poderemos entrar no stand e selecionar o nosso próximo carro, elétrico, sem que seja necessário considerar qual o tamanho da bateria e quantos quilómetros podemos percorrer antes de a termos de “encher” novamente.