Perguntem ao cego se quer ver

12/05/2019

Qualquer oportunidade para ‘tirar a ferrugem’ e medir forças contra novos valores saídos do Karting é sempre de aproveitar, sobretudo quando não temos um projeto de competição entre mãos para a presente temporada.

Acrescenta que KIA Picanto GT Cup é muito sui generis, pois junta um leque de pilotos consagrados – como os experientes Manuel Gião e Francisco Esperto – com uma fornada de aspirantes a campeões, muitos deles a darem os primeiros passos no automobilismo. E, para esta primeira jornada de 2019, eram várias as caras novas, e tudo com sangue na guelra…

Portanto, quando recebi o telefonema naquela manhã de segunda-feira, a perguntar se queria correr no fim de semana seguinte, não havia forma de declinar o convite. Cumpridos em tempo recorde todos os formalismos para a licença desportiva e inscrição, no sábado de manhã lá me apresentei no Circuito Estoril pronto para mais uma aventura.

Não ganhar para o susto

Na última jornada de 2018, também como piloto convidado, as coisas correram relativamente bem, terminando em quinto após qualificar-me em quarto. Mas aí, contei com a ajuda da chuva para escamotear a falta de rodagem face à concorrência. Desta feita, e com um plantel mais recheado e muitos jovens lobos, sabia que a minha vida ia ser bem mais dura. Por isso, aproveitei cada minuto dos treinos livres para me readaptar à condução do irrequieto Picanto GT. Novidades técnicas para este ano trouxeram uma travagem melhorada e, sobretudo, mais potência, com cerca de 15 CV extra face aos 140 do ano passado.

Voltei a partilhar o Picanto nº7 com João Seabra, diretor-geral da KIA Portugal, e cedo estabelecemos que ele faria a Corrida 1 e eu estaria à partida da Corrida 2. Assim, sempre tinha mais tempo para roer as unhas e tirar o pulso à concorrência. Não sem antes apanhar um ‘pequeno’ susto. Um procedimento habitual na competição é dar um pequeno ‘aconchego’ ao pedal de travão – com o pé esquerdo, enquanto aceleramos a fundo – antes das travagens mais fortes. Isto elimina qualquer folga entre pastilhas e discos de travão resultante da passagem por cima dos corretores (devido à vibração) e, assim, no momento da travagem, a resposta do pedal é mais firme e consistente. Ora, estava eu tão focado em tudo o resto que me esqueci desse pequeno gesto. Eis que na última volta dos treinos o pedal do meio ficou, digamos, algo frouxo no final da reta da meta… Ver o CascaisShopping aproximar-se rapidamente no horizonte não foi propriamente agradável, e safou-me a gravilha da escapatória, para abrandar o ímpeto, e a forte guinada no volante, para evitar um impacto frontal no muro de pneus. Lá regressei para as boxes com algumas amolgadelas no orgulho e na chapa. Valeu-me o incansável técnico Nuno Oliveira, que pôs o Picanto nº7 direito outra vez. Mas quando este me perguntou se ‘estava em forma’ para a sessão de qualificação, menti com quantos dentes tinha na boca…

A antiguidade ainda é um posto?

O nevoeiro cerrado que se abateu sobre o traçado do Estoril na manhã de domingo atrasou bastante o programa das competições. Tanto assim foi que a Corrida 1 do KIA Picanto GT Cup teve pouco mais que duas voltas de duração, antes da Direção de Corrida ter declarado que não estavam reunidas as condições de segurança. Azar para o meu companheiro de equipa, João Seabra, que pouco tempo de corrida gozou, não tendo hipótese de melhorar sobre o 20º lugar obtido nos treinos cronometrados.

Já da parte da tarde, e com o sol a brilhar, lá tomei o meu lugar na 5ª linha da grelha, após ter sido o 10º mais rápido da qualificação. Uma particularidade deste troféu são as partidas lançadas (ou rolantes) invés dos tradicionais arranques parados. Isto obriga a que os pilotos estejam alinhados, lado a lado atrás do Safety Car, apenas podendo pisar a fundo após o semáforo vermelho se apagar. Ora, nesta situação todos os truques são válidos, desde que respeitando a verdade desportiva, pelo que aplicar a técnica do pé esquerdo no travão (agora, sim) deu-me vantagem na partida. Tanto assim foi que, à saída da Curva 1, e no meio da confusão que se gerou, já estava em sexto, colado à traseira do Manuel Gião, tentando concentrar-me para não cometer erros. Mas de tão focado, esqueci-me de defender a posição logo para a Curva 2 e, quando quis inscrever a frente, já lá tinha não um, mas dois rivais… Com dois lugares perdidos, na abordagem para a Curva 3 ‘fechei a porta’ para não voltar a fazer figura ‘de passarinho’.

Após a ‘dança’ habitual das primeiras voltas, comecei a perceber que o carro escorregava mais do que eu pretendia. Devia de ter apostado em pressões de pneus mais baixos… Não estava a conseguir colar-me ao concorrente que me precedia (Henrique van Uden) para intrometer-me na luta que se desenhava para o quinto posto, que envolvia também João Galveias e Manuel Gião. Ao invés disso, comecei a sofrer pressão por parte do novato Francisco Coutinho. Novato, mas bem ‘armado’… Após um toque na traseira na Curva VIP – que me deixou algo perpendicular à pista –, consegui puxar de uns quantos ‘truques na manga’ para reprimir os ataques do piloto nortenho, mas na travagem para a Curva da Orelha, e após uma investida bem musculada, abri a trajetória para não ficarmos lá os dois. Não querendo dar-me por vencido, tentei fazer a ‘tesoura’ – aproveitando o excesso de momento dele para passar por dentro –, mas ele ‘fechou’ bem, pelo que usei a maior velocidade de saída para me colocar do lado de fora. Agora, lado a lado, enfrentava o dilema de arriscar ou ceder, pois aproximava-se a Curva do Tanque – uma direita rápida, em subida –, e Coutinho tinha a vantagem de estar por dentro. Decidi puxar dos galões e arriscar – e o Francisco foi impecável ao não forçar. Em boa hora o fiz: logo de seguida entrou o Safety Car, devido a uma carambola envolvendo dois pilotos do fim do pelotão, pelo que a Direção de Corrida deu a corrida por terminada. Restou acelerar mais um pouco para trazer o carro para casa intacto e amealhar um oitavo lugar final.

Parabéns ao grande vencedor deste primeiro fim de semana do KIA Picanto GT Cup, Hugo Marcos, com uma dupla vitória, sobretudo pelo desempenho na Corrida 2, onde dominou com autoridade.

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