O pequeno “episódio” ocorreu ontem na conferência de imprensa conjunta do CEO da Opel, Michael Lohscheller e de Carlos Tavares, o homem forte do Grupo PSA (Peugeot, Citroen, DS e agora Opel). Uma conferência que serviu para apresentar o plano “Pace”, que é uma espécie de plano de salvação da Opel.
Tavares, um amante do automobilismo e piloto amador gosta de cunhar os seus grandes planos estratégicos com terminologia da competição automóvel. Assim que pegou no volante da poderosa multinacional francesa implementou o plano “Back to race” que devolveu o grupo aos lucros e em 2016 anunciou o plano “Push to pass” com horizonte 2020 para consolidar o Grupo PSA como major player da mobilidade global. “Push to pass” é um pequeno botão no volante de alguns carros de competição que serve para o piloto usar pontualmente potência suplementar para ultrapassagens, que é o que a PSA pretende fazer à Renault (de onde Tavares é “oriundo”, como delfim de Ghosn). Com a aquisição da Opel, a PSA tenta carregar nesse “push to pass”, mesmo que muitos observadores considerem que a Opel será apenas um “lastro” para as ambições da PSA.
Ontem foi divulgado o plano para que a Opel não seja um lastro, mas sim um motor adicional para dar o overboost que a PSA precisa para se tornar a superpotência automóvel com que Tavares sonha.
O plano chama-se “Pace” que nas corridas significa velocidade constante (daí o pace car) ou em português “andamento”. É em ritmo constante que a PSA pretende tirar a Opel da situação crítica em que a General Motors a deixou. Carlos Tavares não se escusou de usar a expressão “situação crítica” na conferência de imprensa o que teve impacto negativo imediato na cotação em bolsa da PSA. Mas de facto, uma marca que anualmente acumula prejuízos na casa dos mil milhões (e isto desde o início do milénio), não pode senão estar à beira da extinção. Mas em que consiste este ambicioso plano Pace apresentado ontem?
O Pedro Junceiro explica detalhadamente as metas e a forma de as atingir neste artigo. Eu destacaria três coisas que me parecem centrais neste plano de salvação da Opel:1 – Partilha de arquiteturas e motores: O Grupo PSA pretende reduzir o número de plataformas e de motores de todas as suas marcas, gerando assim enormes economias de escala. O objetivo é “gerar sinergias ao nível do Grupo PSA de 1,1 mil milhões por ano em 2020 e de 1,7 mil milhões em 2016”. Para isso a Opel passará a ter de atingir o seu break even anual quando vender 800 mil carros, reduzindo o atual custo de produção de cada unidade em 700 euros.
2 – Globalização: O plano prevê a entrada da Opel em mais de 20 novos mercados de exportação até 2022, mercados que incluem a China e a India. Tavares sabe que a “chancela” de construção alemã pode ser importante para penetrar em mercados onde esse made in é valorizado e que eu acredito ser um fenómeno geracional que se extingue com os millenials.
3 – Eletrificação: A Opel pretende ser o líder europeu de baixas emissões de carbono e para isso toda a sua gama estará eletrificada até 2024, incluindo motores totalmente elétricos, híbridos e plug-in.
É precisamente neste ambicioso plano de eletrificação da gama da Opel que, na minha opinião, encontrámos parte da explicação da aquisição da Opel por parte da PSA e é aqui que entra em cena o Corsa elétrico que pretende simbolizar o “Fénix” para a marca fundada por Adam Opel em 1863, primeiro como fábrica de máquinas de costura, depois de bicicletas e no virar do século, de automóveis, de quem o fundador dizia: “Desta caixa fedorenta não resultará nada mais do que brinquedo para milionários que não sabem como esbanjar o seu dinheiro.”
A contradição é apenas aparente, e obviamente que as razões da compra da Opel não se reduzem a isto, mas a PSA faz agora um discurso sobre o futuro da mobilidade como fornecedor de serviços e soluções e não como fabricante de carros elétricos. Para isso, pelos vistos, terá a Opel como ariete.
O mesmo homem que há poucas semanas deu uma polémica entrevista onde levantou sérias reservas à massificação do carro elétrico, é o mesmo que ontem anunciou que parte do futuro de uma marca que acabou de comprar por mil milhões de euros é a fabricar carros elétricos
Recentemente um estudo da KPMG apurou que 76 por cento de executivos da indústria automóvel não acreditam na massificação do carro elétrico, apontando como principal obstáculo, a infraestrutura (ou a falta dela).
Não estarei muito longe de adivinhar que Carlos Tavares se encontra entre esses céticos, mas como ele também referiu nessa entrevista, com os políticos a conduzirem as opções de desenvolvimento tecnológico para a via única da mobilidade elétrica, é inevitável que o Grupo PSA tenha de se posicionar para o advento que mudará o paradigma da mobilidade humana e onde a concorrência será feroz, emergindo a China como autêntico potentado global. Outro fator a não descurar nesta equação são as “quotas de emissões” que todos os fabricantes de automóveis serão obrigados a cumprir na Europa e que se encontram em fase de negociação final na Comissão Europeia.
A aquisição da Opel, a sua globalização e eletrificação fazem parte dessa estratégia de longo prazo da PSA, onde a marca alemã será instrumental, quer no desenvolvimento de tecnologias de condução autónoma, quer na investigação e desenvolvimento de tecnologias de mobilidade elétrica, deixando a PSA continuar a vender calmamente os seus Peugeot e Citroen a diesel, gasolina e híbridos nos próximos anos, que é onde a rentabilidade do negócio de fabricar e vender automóveis vai continuar.
Com a Opel como cobaia elétrica, a PSA pode continuar o business as usual, até ao dia em que for obrigada a fazer o shift para o novo paradigma da mobilidade. E aí, já terá todo o know-how, o posicionamento e os acessos aos mercados. Era mais ou menos este o plano da GM para a Opel.
Resta saber se a marca de Russelsheim vai sobreviver ao “Pace” de ser rato de laboratório da PSA na próxima década.
Mas tudo isto é geoestratégia especulativa, muito provavelmente nenhuma marca nesta indústria vai sobreviver, porque os automóveis vão desaparecer em 20 anos. A era do automóvel chegou ao fim. Esta é pelo menos a visão do antigo patrão da GM e da Opel, Bob Lutz num interessante artigo publicado esta semana no Automotive News e que vale a pena ler.