Setor automóvel: O ‘biberão’ do Estado

10/10/2018

Se o automóvel é visto para muitos como um ‘alvo a abater’, para o Estado português, mesmo que diga o contrário, é uma ótima fonte de receita fácil que, a desaparecer, será uma tragédia para as finanças públicas. Porquê? Porque o setor automóvel é uma autêntica ‘mina’ de receitas para os cofres do Estado.

A carga fiscal ‘emprestada’ ao setor automóvel é tudo menos baixa em Portugal. Uma conjunção de taxas sobre taxas sobre taxas que colocam a compra, a posse e a própria mobilidade em Portugal como uma fonte de receitas em potência para o Governo – seja ele qual for. Ora senão pensemos naquilo que representa a ‘vida’ de um automóvel.

Desde logo, a compra: os impostos relacionados com a aquisição como o Imposto Sobre Veículos ou o IVA a 23% colocado sobre aquele trazem desde logo um custo muito elevado dos carros novos em Portugal, o que em última instância traz consigo o envelhecimento contínuo do parque circulante. Atente-se que em 2017 a idade média do parque automóvel em Portugal foi a mais alta de sempre – 12,6 anos, de acordo com dados recentes da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), que revela ainda que um em cada seis veículos automóveis a circular no nosso país tem mais de 20 anos! Ora, um parque envelhecido e com tecnologias vetustas não se coaduna com um objetivo de redução de emissões e de maior foco na eficiência ambiental.

Em 2017, o ISV rendeu 775 milhões de euros, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas há mais: a ‘vida’ do automóvel é igualmente dispendiosa, sem que se abarque o capítulo das manutenções. O pagamento do antigo ‘selo’ do carro, agora Imposto Único de Circulação rendeu em 2017 um total de 598 milhões ao Estado, mas a maior fatia, essa, pertence ao ‘ouro negro’. E não falo aqui do Duo Ouro Negro. Mas sim do petróleo e dos seus derivados, que têm um imposto correspondente no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que em 2017 constituiu uma módica quantia de 3.5 milhões de euros para os cofres do Estado.

Mas não se pense que acaba aqui, quando a carteira já começa a estar bem ‘fininha’. Há ainda o custo de Inspeção Periódica Obrigatória (IPO) para os carros com mais alguma idade e, não menos relevante, o custo das portagens, que tornam a mobilidade em Portugal num autêntico pesadelo financeiro. Aliás, só isso pode explicar que seja hoje quase tão barato ir de Lisboa ao Porto a custo mais baixo num avião do que por automóvel, com uma pegada ecológica muito mais forte por parte do aparelho aeronáutico. Portagens para aqui, portagens para ali e ir de Lisboa ao Porto ou de Lisboa ao Algarve é quase proibitivo para muitos. De Lisboa ao Algarve, pela A2, fica em 20,70€ com pagamento nas portagens de Paderne. Junte-se o combustível gasto e já se anda nos 50 euros em viagem (sendo otimistas, vá). De um lado para o outro, uma vez mais sendo otimistas, vamos para os 100 euros de gastos com portagens e combustível incluído.

Mas, ainda há mais! Há ainda que juntar as receitas provenientes das contraordenações e as dos estacionamentos, com parquímetros que grassam dentro das cidades como cogumelos. Fosse a limpeza das ruas tão bem feita como a plantação de parquímetros e as cidades seriam maravilhas. Não são. Ainda por cima, com cada vez menos estacionamentos disponíveis. E já falei do seguro? Pois, ainda tem de contar com o seguro…

Agora, imagine o leitor, se ainda continua comigo nesta prosa, que o Estado diz que não gosta de automóveis e que se devem tirar de dentro das cidades. Lá se vai o dinheiro de parquímetros e de possíveis contraordenações. Agora, imagine que em vez de os portugueses comprarem automóveis ficam apenas e só a usar o automóvel como serviço de mobilidade partilhada. Imagine ainda que vamos todos para o elétrico e deixamos o velho petróleo a ‘morrer’ nos tanques das gasolineiras. Não pense que beneficiará de um fantástico mundo sem impostos. Outros surgirão para compensar os que ‘somem’.

O automóvel é, como se pode ver, uma fonte incrivelmente fácil de obtenção de receitas, mesmo que de fachada, nenhum Estado diga que gosta de automóveis e que têm de ser abandonados à sua sorte. E isso nada tem que ver com o Governo de ‘A’, ‘B’ ou ‘C’, porque já vem de há muito tempo com o denominador comum de obrigar o condutor a fazer contas e mais contas (e contorcionismo) às suas finanças pessoais para fazer uma simples deslocação automóvel dentro do seu próprio país.

Num mundo onde tanto se fala de liberdade, que espécie de liberdade é esta que nos obriga a pensar em cenários alternativos, arriscando a própria segurança em estradas secundárias, para poupar uns trocos porque a portagem é proibitiva.