Vacine-se contra a febre dos SUV

08/03/2018

O mercado automóvel europeu foi assolado por uma febre. Um em cada quatro carros vendidos são SUV. É um imaginário da aventura e evasão que desperta este estado febril, mesmo nos mais sedentários e urbanos. Quem é que não quer brincar ao Indiana Jones ou à Lara Croft, mesmo que seja só para subir passeios?

Ou as garagens encolheram ou os carros cresceram. Basta descer ao menos 3 de qualquer centro comercial para perceber que há um fenómeno tetris a decorrer debaixo da terra.

É cada vez mais difícil encaixar as peças no espaço disponível. O fenómeno não é de inspiração arquitetónica, nem um abracadabra fung shei.

A verdade é que as garagens encolheram porque os carros cresceram e estacionar é cada vez mais uma manobra digna de grande Houdini, há até automobilistas que saem pelas janelas dos seus carros como o grande mestre escapista fazia em tanques de água.

O grande responsável por esta nova desorganização do espaço de estacionamento urbano chama-se indústria automóvel. Mas antes de deitar as culpas para esses capitalistas sem escrúpulos, talvez o melhor seja fazer um exame de consciência. Diga lá que carro ou que tipo de carro anda a namorar? Aposto um para quatro que é um SUV.

Pois é, raras são as pessoas que estão devidamente vacinadas para esta febre que assolou o mercado automóvel europeu e que representa a mais forte tendência de consumo dos últimos e dos próximos anos.

Um em cada quatro carros vendidos na Europa é agora um Sport Utility Vehicle. Nos EUA, onde a moda já dura há 40 anos, um em cada três carros vendidos é um SUV.

Enquanto toda a gente fala das maravilhas da mobilidade inteligente, dos carros mais ecológicos e eficientes, dos híbridos e dos elétricos, na hora da compra, o cliente europeu escolhe um tipo de carro menos racional. Mas o que leva o público a optar por carros mais caros, mais gastadores, mais poluidores, com maior centro de gravidade, e por isso menos seguros em curva?

O impulso pode ser explicado por razões aspiracionais, que as marcas de automóveis souberam identificar e explorar até ao último cêntimo. Eu chamo-lhe o impulso Indiana Jones, ou mais corretamente o impulso Lara Croft, porque são as mulheres e os millenials os principais “aceleradores” da venda de SUV.

É o apelo da evasão, da aventura, do nomadismo, das road trips pelo campo. É esse imaginário que funciona, porque na génese da história dos SUV estão os velhinhos “jipes”, os companheiros de aventura para nos metermos por maus caminhos.

Se repararem nas campanhas de publicidade dos SUV, o imaginário convocado até à náusea é o da rutura com a vida sedentária, de afirmação de estilos de vida e atitudes alternativas, e lá vemos uns belos rapagões e raparigas a saírem dos seus empregos executivos e stressantes e a pegarem no seu SUV todos estilosos para entrar a abrir pelo deserto do Arizona, ou a meter as canoas e as biclas e o cão de marca para ir “curtir” a vida ao ar livre.

Agora como também há SUV urbanos e cosmopolitas para subir passeios, lá os vemos passar pelos graffitis e arte urbana, que é uma associação que a publicidade a este tipo de carros faz até dizer chega.

Raramente se promovem os SUV como “carros de família”, eles são a marca de uma identidade hedonista, individualista e inconformada. É esse o statement, que acaba por roubar espaço às tradicionais berlinas ou carrinhas, vistas cada vez mais como coisas de “cotas”.

Há, no entanto, argumentos para a legítima defesa dos SUV. O primeiro de todos é o conforto e o espaço a bordo, que é superior às versões homólogas dos “carros normais”. A segunda, muito apreciada, é a posição mais alta de condução que oferece uma falsa sensação de segurança. A capacidade da bagageira também é um fator a ter em conta, mas há carrinhas com compartimentos mais generosos para quem precisa de andar com a casa às costas. Outro argumento é a liberdade de movimentos e a possibilidade de atravessarmos o Alentejo por fora de estrada, mas são raros os clientes que usam os seus carros para este tipo de utilização, tanto, que as marcas já praticamente deixaram de fazer versões 4×4.

O SUV é um animal essencialmente urbano que se movimenta pela cidade. Há de vários tamanhos e configurações, desde os SUV de cidade como o Renault Captur ou o Fiat 500 X, até aos SUV compactos (que também se chamam por vezes de crossover) e que têm no Nissan Qashqai o seu principal expoente (é o SUV mais vendido na Europa e em Portugal), depois há os SUV de grande porte, alguns com sete lugares, os SUV de luxo e agora até há os SUV superdesportivos, como o novo Lamborghini Urus. Teme-se até que a Ferrari não passe incólume a esta febre e faça um para o comendador Enzo dar umas voltas na tumba.

Há uma razão pela qual as marcas de automóveis gostem tanto de fazer SUV como os cliente de os comprar — o lucro. A rentabilidade de um SUV é em média 10 por cento superior à de um automóvel convencional com o mesmo motor e equipamento. Big cars, big profit.

Ainda por cima, a quantidade de tinta de SUV a fazer graffitis nas garagens também não deve ser um mau negócio…