A incrível história da equipa à deriva que dominou a F1

05/02/2019

Um autêntico conto de fadas que nasceu de um pesadelo. Assim se pode resumir a história da equipa campeã de Fórmula 1 em 2009, formação que nasceu e pereceu numa única temporada – embora tenha servido de intermediária entre duas grandes construtoras, uma de saída e outra de chegada a título oficial.

A chegada da crise financeira de 2008, que dos Estados Unidos da América depressa se alastrou a outros mercados mundiais, teve um forte impacto nos fabricantes automóveis, sobretudo no caso dos japoneses, que se viram obrigados a repensar a totalidade dos seus investimentos no desporto automóvel, como também foi o caso com as saídas da Suzuki e da Subaru Mundial de Ralis (WRC) e da Mitsubishi das competições de todo-o-terreno, com o Dakar à cabeça.

Na sua terceira presença a título oficial na modalidade (durante anos, os motores Honda estiveram na Fórmula 1 com a preparadora oficial Mugen), a marca nipónica começou por estar associada à BAR (British American Racing), fundada por Craig Pollock sobre as bases da Tyrrell em 2000, mas tomou o controlo absoluto das operações em 2006, naquela que foi uma época de grande envolvimento dos construtores automóveis na F1.

Contudo, muitos analistas observaram esse acréscimo de construtores, que muitas vezes compravam as equipas privadas a baixo custo, como um potencial foco de ameaça para a estabilidade do desporto, já que a falta de resultados face aos gastos ou crises económicas poderiam levar ao seu abandono da modalidade por parte das mesmas. Foi precisamente uma combinação destes dois efeitos – parcos resultados e crise financeira – que precipitou a Honda para a porta de saída da Fórmula 1.

Do ‘inferno’ ao céu

No dia 5 de dezembro, a Honda lançava a notícia bombástica do abandono da Fórmula 1 com efeitos imediatos, colocando um ponto final em qualquer participação sua na modalidade, até mesmo como fornecedora de motores. Com os custos de participação na F1 a subirem ao longo das temporadas anteriores e resultados fraquíssimos nas pistas, Takeo Fukui, presidente da Honda na data, também não foi insensível à queda nas vendas globais.

A equipa e todos os seus bens foram colocados à venda. À frente da equipa, Ross Brawn, diretor técnico que tinha sido chamado para desenvolver o monolugar da Honda para a temporada de 2008 e 2009, que iria ser revolucionária em termos de aerodinâmica e de propulsão (com a chegada das motorizações híbridas com energia recolhida da travagem, o KERS), pesou as suas hipóteses. Tendo visto o fraco potencial do carro para 2008, grande parte dessa temporada havia sido dedicada à evolução do monolugar de 2009, pelo que o britânico, grande mentor dos triunfos de Michael Schumacher na Benetton e na Ferrari, sabia que possuía um modelo capaz de suplantar os constrangimentos dos regulamentos técnicos para 2009, sobretudo com o advento daquilo que ficou conhecido como o difusor duplo.

Tecnicamente avançada, esta solução aumentava a carga aerodinâmica na traseira aproveitando um ‘vazio’ no regulamento técnico da modalidade, com a Toyota e a Red Bull (com Adrian Newey a terminar o ano com o melhor carro do plantel) a seguirem-na de perto.

Porém, Brawn tinha agora uma dificuldade suplementar, uma vez que não tinha uma equipa para competir. Anunciando aos seus empregados na fábrica de Brackley o final do projeto da Honda, o britânico desdobrou-se em contactos com diversas entidades para conseguir prosseguir com a equipa. Enquanto isso, as demais formações começaram a aparecer na pista, testando os seus novos monolugares.

Porém, a salvação, de forma algo irónica, veio da própria Honda, que acordou a venda da equipa para Brawn, fornecendo um orçamento mínimo para a participação da equipa naquela temporada (um dos resultados foi o despedimento de quase 300 funcionários, cerca de metade dos que tinha na época). Com esta questão fora do caminho, o outro problema era encontrar um motor, uma vez que o monolugar, desenvolvido para a mecânica Honda, teria agora de ser adaptada para uma outra unidade motriz e caixa de velocidades. A Ferrari, atendendo às ligações passadas do engenheiro à equipa de Maranello, foi apontada como uma fornecedora de motores quase natural, mas não se chegou a acordo e entrou em cena uma outra marca, a Mercedes-Benz, que aceitou vender os seus motores.

Num contrarrelógio, alterou-se o chassis do carro e juntou-se o motor Mercedes-Benz. O nome, esse, estava cunhado com o próprio desígnio do seu criador: Brawn GP. Depois, veio a surpresa maior. Nos testes de pré-temporada, o Brawn GP era veloz. Tão veloz que era dominador. Os adversários, surpreendidos, procuravam encontrar a razão para aquele ressurgimento inesperado de uma formação que, nos meses de inverno, estava desintegrada.

Glória anunciada

À chegada a Melbourne, para o primeiro grande prémio do ano, Jenson Button e Rubens Barrichello, a dupla que se manteve da Honda, tinham o favoritismo do seu lado e Button cumpriu com um triunfo sem mácula, numa demonstração surpreendente de domínio e replicando aquilo que apenas a Wolf havia conseguido em 1977: vencer na corrida de estreia (GP de Argentina, por Jody Scheckter).

A temporada de 2009 desenrolou-se, depois, sob a aura de evolução comum na Fórmula 1. O domínio inaugural da Brawn GP foi-se esfumando à medida que as outras equipas iam evoluindo os seus monolugares e conceitos aerodinâmicos, enquanto a Brawn GP, sem grandes recursos e patrocínios concebidos nalguns casos prova a prova, começava a sentir dificuldades para lutar pelos triunfos. Mas, o pecúlio alcançado na fase inaugural do ano permitiu a Jenson Button a conquista do seu primeiro e único título de pilotos na modalidade.

No final de 2009, chegava ao fim a Brawn GP, com o anúncio de que a Mercedes-Benz assumia o controlo da formação, ingressando oficialmente na modalidade com uma equipa própria, com Ross Brawn a anunciar também uma grande ‘arma’: Michael Schumacher, o anterior ‘barão vermelho’, que se havia retirado em 2006 depois de cinco títulos com a Ferrari (que juntou a dois obtidos com a Benetton anterioremente), estava de regresso.

Eis a história da Brawn GP, tão efémera, quanto incrivelmente bem-sucedida.

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