F1: O que vale este pódio da Ferrari?

30/11/2016

Desde Monza que a Ferrari não via qualquer dos seus pilotos no pódio, mas em Abu Dhabi, Sébastian Vettel e a Scuderia estiveram a um nível bem alto, permitindo que a equipa termine a época de ‘peito cheio’ e com motivação acrescida para 2017.

Este pódio de Vettel em Abu Dhabi tem muito mais importância do que parece. Uma equipa que estava farta de levar socos no estômago, tem vindo a sofrer críticas de todos os quadrantes e quando muitos já só estavam à espera do fim da época para dar o K.O, final, eis que a equipa se levanta e dá um ‘soco’ de volta. E depois soou o gongo! Que chegou na melhor altura, pois até ao próximo assalto a Scuderia pode trabalhar muito, treinar muito no ‘ringue’ e quando chegar o primeiro teste de Barcelona, o próximo ‘round’, logo se verá se os críticos se reerguem ou calam.

Não há a volta a dar, foi mazinha a época da Ferrari. Podemos aqui falar de Maurizio Arrivabene, que veio do Marketing e não percebe nada daquilo, podemos falar do carro que nasceu mal, da estratégia, de tudo e mais alguma coisa. Mas esquecemos-nos de uma coisa muito importante. Uma equipa que ‘perde’ um Diretor Técnico (que agora todos os outros querem) como James Allison, não há como não sofrer, e se calhar muito do que a Ferrari não foi como equipa em 2016, tem a ver com isso. Para além disso, o que vale uma equipa num determinado ano depende sempre muito do que fizeram as outras, e como se percebe, a Mercedes esteve ainda melhor do que o costume, e a Red Bull cresceu muito. Portanto, o que a Ferrari não fez, foi crescer acima dos seus adversários, porque quem se recorda da corrida de Melbourne, corrida que a Ferrari só não ganhou por causa da má estratégia que escolheu, não pode dizer que tudo está mal.

Claro que muito do que vai ser a Ferrari no próximo ano depende muito do trabalho que já foi feito até aqui pois o carro de 2017 já tem que estar praticamente pronto: “Este pódio é um bom tónico de motivação para toda a equipa, e para os adeptos em casa. Temos vindo a trabalhar muito desde o verão, e na pista nunca ninguém desistiu. É claro para todos que não alcançámos os nossos objetivos, mas esta corrida mostra que algo está a rumar na direção certa”, disse Maurizio Arrivabene.

Depois de uma época difícil, a Ferrari tem agora algum tempo para ‘respirar’, e trabalhar forte para tentar ter uma época de 2017 melhor, mas se as primeiras corridas forem basicamente, mais do mesmo, então sim, a Ferrari entrará definitivamente numa espiral complicada, que muitos não se cansam de dizer que já não tem volta, tão cedo. Os tais ciclos. Por exemplo o antigo piloto Gerhard Berger, que é de opinião que esta situação se deve ao facto da equipa italiana apresentar “falta de qualidade” ao nível da estrutura diretiva, que é liderada por Maurizio Arrivabene. “Na Mercedes temos o Toto Wolff, Niki Lauda, Paddy Lowe, Aldo Costa e o Andy Cowell, enquanto a Red Bull possui o Christian Horner, Helmut Marko, Adrian Newey e o Dietrich Mateschitz. Se olharmos para as personalidades destas duas equipas e compararmos com a Ferrari vemos que esta não apresenta o mesmo nível em termos de estrutura diretiva”. Contudo, Maurizio Arrivabene diz que não precisa de ajuda. Pudera, o que se esperava que ele dissesse, que não é capaz? “Não preciso de ajuda de ninguém para liderar o departamento de competição da Ferrari. Tenho centenas de pessoas que trabalham perto de mim. Temos um grupo técnico liderado pelo Mattia Binotto. São elementos com uma grande paixão e que trabalham bem em conjunto. Por isso temos uma equipa”.

Luca Baldisserri, antigo chefe dos engenheiros da Ferrari, foi recentemente muito duro com a sua antiga equipa ao referir que a Ferrari já não é uma equipa de Fórmula 1, mas sim “um grupo de pessoas assustadas”. Palavras muito duras relativas a uma equipa onde já ninguém consegue esconder os problemas que existem. Baldisserri, que saiu da Scuderia o ano passado, diz que a Ferrari está perdida: “Nem o Sergio Marchionne (presidente) nem o Maurizio Arrivabene (diretor da equipa) têm experiência nas corridas, e por isso a cultura da equipa perdeu-se. Já não são uma equipa, mas um grupo de pessoas assustadas. Há um clima de medo, ninguém corre riscos por medo de falhar e cair em desgraça”, começou por dizer antes de se referir à famosa liderança ‘horizontal’: “A cadeia de comando na Fórmula 1 tem que ser mais do que vertical, tem que ser ‘militar’. Os número um estão lá para mostrar o caminho, motivar as pessoas, decidir, e se alguém comete um erro, não deve ser despedido e isso aconteceu a James Allison, que é uma grande perda na equipa” terminando a falar de Mattia Binotto, que substituiu Allison no departamento técnico: “O Mattia sabe como motivar as pessoas, tem grande experiência mas não é um diretor técnico. Ele sabe que não pode desenhar um carro e não tem os conhecimentos dos chassis, aerodinâmica e mecânica. Mas seria um bom chefe de equipa”, disse Baldisserri, falando também dos pilotos; “A Ferrari tem que recuperar o Vettel, o Raikkonen está a fazer melhor este ano”.

Cronologia

O ano de 2015 foi de autêntica revolução na Ferrari, com a chegada a Maranello de Maurizio Arrivabene, James Allison e Sebastian Vettel. Isso permitiu à Scuderia ter desde logo um ano de 2015 muito promissor, mas como é habitual na Ferrari a pressão que vem de cima, é cega, surda e muda, e sendo Sérgio Marchionne um puro homem de negócios, cometeu o erro de achar que a Fórmula 1 se gere como um outro qualquer negócio, e sem uma verdadeira consciência das dificuldades que é vingar neste mundo super competitivo, colocou uma enorme pressão em todos os elementos de Maranello.

Neste momento, com a época de 2016 quase cumprida já é perfeitamente claro que só por milagre as coisas se invertem ao ponto dos homens de vermelho passarem a ganhar. Não é preciso ser uma sumidade na Fórmula 1 para saber que a vantagem que a Mercedes conseguiu em 2014 com a fabulosa unidade motriz que construiu, a que juntou um chassis sem mácula, só com muito melhor trabalho é possível reduzir essa diferença a zero com alguma rapidez, e sendo certo que a Ferrari tem vindo a recuperar um pouco, chegando ao final do ano de 2015 a cerca de sete décimos por volta dos Mercedes, a verdade é que a equipa de Maranello entrou numa espiral de problemas e azares que têm condicionado muito toda a sua prestação.

Não restam dúvidas a ninguém que tanto a Ferrari como a Red Bull trabalharam bem nos seus carros deste ano, deram um salto qualitativo, mas esse salto só se faria notar muito se a Mercedes tivesse ficado a marcar passo, o que esteve longe de acontecer em Brackley. Por isso se a Ferrari cresceu dez, a Red Bull cresceu vinte, a Mercedes também cresceu e atenuou ou reduziu mesmo a zero a recuperação dos seus adversários.

No que às unidades motrizes diz respeito, a Ferrari aproximou-se da Mercedes, partiram bem atrás dos homens de Brackley, mas evoluíram bem no seu conhecimento e perceção do que é a tecnologia híbrida, e aprenderam depressa. Neste aspeto, a margem ainda não foi toda colmatada, mas para lá caminham. O problema está longe de ser aí.

Tem sido um padrão a Ferrari ser conservadora no design dos seus carros, competentes, mas não tão agressivos quanto a Red Bull, e nem sequer, mais recentemente, que a Mercedes. Há neste ponto uma clara prova de falta de inovação e pensamento criativo, e James Allison não conseguiu tocar todos os instrumentos. Há na sua equipa demasiado conservadorismo.

Outro ponto muito importante são os pneus Pirelli. Tanto a Mercedes como a Red Bull investiram na ciência de perceber depressa as suas anomalias, depressa constituíram equipas específicas para perceber e estudar a fundo o que acontecia e porque acontecia, e a Ferrari demorou muito a reconhecer a importância disto. Nos últimos tempos foi buscar pessoal para o fazer, mas continua a ser a Ferrari a equipa que mais sofre com as mudanças de temperatura das pistas. Se repararem, até pode estar a andar bem e quando as coisas mudam, quase sempre é a Ferrari a mais surpreendida.

Contudo, há alguns detalhes que fazem pensar que as coisas poderiam estar a ser muito diferentes em corrida, caso algumas escolhas táticas tivessem sido diferentes e se a fiabilidade do monolugar italiano não tivesse dado tantos problemas como tem dado. Tudo isto acabou por desmotivar Vettel, que, com um carro igual nem sequer tem sido claramente melhor que Raikkonen, o que não pode acontecer nesta fase da carreira de cada um. Vettel está numa encruzilhada.

Ferrari entrou bem, mas caiu…

No início do ano não restava a mais pequena dúvida que James Allison tinha tido nas mãos boa parte da responsabilidade de projetar um bom carro, o que fez, tal como se viu em Melbourne, com Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen a terem um carro ganhador, num resultado que só mesmo os estrategas da equipas trataram de estragar. Aliás, na altura pensou-se que a Ferrari poderia bater o pé à Mercedes, e só mesmo a escolha tática não o permitiu em Melbourne. Mas o problema é que esta questão da má estratégia não ficou por aqui. Melbourne foi um caso e Montreal outro, e ambos custaram possíveis triunfos a Sebastian Vettel. E daí para cá muitas outras sucederam. Ainda agora no Japão, com Vettel. Logicamente que há fatores que podem ajudar a justificar as decisões, mas a sensação que fica é que os estrategas da Ferrari são pouco flexíveis na sua análise, parece que confiam cegamente nos números e não fazem muito uso do instinto e do bom senso.

As coisas andaram num limbo durante diversos Grandes Prémios, pois com tantos problemas mecânicos e estratégias que correram mal, havia a esperança que quando tudo se juntasse, as coisas pudessem ser diferentes e a vitória lá apareceria, mas não foi nada disso que sucedeu nos últimos tempos. Bem antes pelo contrário, já que o que foi notório é uma clara evolução da Red Bull ao ponto de ser hoje em dia, claramente, a ‘força’ que mais oposição dá à Mercedes. Há uns meses, a crítica italiana andava a escrever coisas como “Vettel não pode fazer muito com um carro lento” escreveu a La Gazzetta dello Sport, o Corriere dello Sport refere “Será que decisões como a de dispensar o grande expert em aerodinâmica, Nicholas Tombazis, foi correta?” O La Repubblica acrescenta: “A crise da Ferrari adensa-se com a Red Bull a ganhar asas. A performance dos homens de Maranello esteve cinzenta como os céus de Silverstone” leu-se na imprensa. Imagine-se agora.

Falta de sorte

O patrão da equipa, Maurizio Arrivabene tem um entendimento mais esotérico da questão e diz que no campeonato da má sorte, a Ferrari está destacada na frente, o que é verdade pois tanto Sebastian Vettel como Kimi Raikkonen têm tido uma boa dose de problemas mecânicos, mas isso está muito longe de explicar tudo. Recentemente, na Malásia, uma pista em que a Ferrari era normalmente competitiva, venceu lá o ano passado, veja-se o que sucedeu este ano. E Pelo que se percebe quando se olha para o ‘filme’ todo, parece claro que a próxima época também está comprometida, a não ser que James Allison tenha deixado um trabalho bom, e muito adiantado, pois quem lá está agora não parece que possa fazer melhor. Claro que ficará sempre a dúvidas e só quando se vir o Ferrari em pista se saberá, mas muito poucos acreditam nisso…

Cronologia dos títulos

Fala-se agora em crise da Ferrari, mas a verdade é que depois das fabulosas épocas de Michael Schumacher, só por uma vez alcançou um título de pilotos, Kimi Raikkonen em 2007 e dois de Construtores, precisamente em 2007 e no ano seguinte. Desde aí a ‘seca’ de títulos em Maranello tem sido constante, ainda que por várias vezes tivesse estado perto do conseguir. Como se recordam, em 2008, Felipe Massa perdeu para Lewis Hamilton após quase um ‘milagre’ na última volta do GP do Brasil, isto depois duma época com oito vitórias e o 16º título de construtores, batendo a McLaren por 21 pontos.

Em 2009 o Mundial foi um descalabro para a Ferrari e em 2010, já com Fernando Alonso, a luta pelo título chegou a pender muito para o homem da Ferrari – foi o tempo de polémica “Felipe, Fernando é mais rápido que tu, percebeste a mensagem?” e no final do ano, uma escolha estratégica totalmente errada na ‘marcação’ a Mark Webber, esquecendo Sebastian Vettel foi fatal ao espanhol e aos homens de Maranello, acabando por ser o jovem alemão, que era terceiro à entrada da última prova, a ser Campeão. Em 2011 as coisas voltaram a correr muito mal para a Scuderia, mas em 2012, Alonso levou novamente a decisão do campeonato até à última prova, perdendo outra vez para Vettel. Em 2013, Alonso nada pode fazer face ao poderio da Red Bull, e quando terminaram os quatro anos de domínio Red Bull e Sebastian Vettel, começou o da Mercedes. 2014 foi o último ano de Fernando Alonso em Maranello, desmotivado por não conseguir o almejado terceiro título Mundial com a Ferrari a cair para o quarto lugar dos Construtores, pela primeira vez desde 1993. No final do ano, Sebastian Vettel rumou a Maranello. No ano seguinte, apesar das promissoras três vitórias a diferença para a Mercedes continuou a ser muito grande e esperava-se que em 2016 as coisas mudassem para melhor. Longe disso, apesar de alguns sinais contraditórios, a Ferrari parece estar cada vez mais longe das vitórias…

José Luis Abreu / Autosport