GP Grã-Bretanha: como a Ferrari ganhou em território Mercedes

09/07/2018

Teorias da conspiração e clubismos à parte, importa saber como é que a Ferrari conseguiu vencer naquela que era, à partida, a sua pior pista e feudo absoluto da Mercedes. Situação que é o epitome da Fórmula 1 em 2018: verdadeiramente imprevisível e apaixonante.

Numa rajada consigo lembrar de vários fatores que contribuíram, claramente, para a vitória de Sebastien Vettel em Inglaterra: toques na primeira curva, safety car em pista, estratégia e uma luta ao rubro pela vitoria no final da corrida. Porém, há outro fator para que a Ferrari tenha ganho em território Mercedes, na pista que produziu piores resultados para a casa de Maranello em 2016 e 2017. Simplesmente, a Ferrari evoluiu na direção certa o SF71H, principalmente com o novo fundo plano que Mattia Binotto trouxe debaixo do braço para Silverstone, levando até Lewis Hamilton a confessar-se surpreendido, atirando “eles fizeram um bom trabalho e conseguiram melhorar o carro pelo menos três décimos de segundo.”

Numa prova com uma competitividade impressionante, tudo começou bem antes com as previsões meteorológicas que, de certeza, deixaram os homens da Mercedes preocupados. Ao contrário do que é habitual, SIlverstone foi banhado por um sol escaldante que levou na temperatura na pista bem para lá dos 50 graus centígrados. Não é segredo que os Mercedes não se dão bem com o calor e isso ficou evidente nos treinos livres, de manhã dominados pela Mercedes, á tarde pela Ferrari. Mas, mesmo assim, a Mercedes estava confiante que a vitória iria verter a seu favor e a magnífica “pole position” arrancada a ferros por Hamilton – o piloto parou o carro e tremia como varas verdes, tal o esforço que despendeu para conseguir a “pole” – parecia dar razão à casa alemã. Mas…

Um arranque menos conseguido de Hamilton abriu à porta para Vettel reclamar a liderança da corrida e, pior que isso, permitiu que Bottas, vindo do quarto lugar, chegasse a segundo com uma ultrapassagem em Abbey a Hamilton. Forçado a alargar a trajetória, o britânico ficou à mercê de Raikkonen que, embalado pela excelente época que está a fazer, atirou-se para a ultrapassagem que correu mal e acabou com o Ferrari a bater no Mercedes. Pião para Hamilton, quarto lugar para Raikkonen.

O segundo incidente entre um carro vermelho e um prateado depois do desentendimento entre Vettel e Bottas no GP de França, foi julgado à luz daquilo que foram as críticas severas feitas aos cinco segundos de penalização impostos a Vettel pelo incidente com Bottas. Tom Kristensen, Tim Mayer, Mumtaz Tahincioglu e Steve Stringwell, os membros do Colégio de Comissários Desportivos da FIA, viram maior gravidade no ato de Raikkonen que no de Vettel e impuseram ao finlandês uma penalização de 10 segundos.

“Afinal, os comissários aprenderam alguma coisa e dez segundos é uma penalização mais justa que os cinco segundos a Vettel em França” referiu Niki Lauda, com Charlie Whitting a simplificar as coisas. “No incidente entre Vettel e Bottas, todos julgaram que a penalização foi branda, desta feita os comissários entenderam que o incidente entre Raikkonen e Hamilton foi mais sério que o anterior.”

O finlandês não tugiu nem mugiu e no final referiu que “a penalização é justa, bloqueei as rodas na ânsia de passar o Lewis e acertei-lhe na traseira. Fez pião, foi um erro meu, mas é assim a vida. Foi um erro meu, pelo que está tudo bem. Aceitei a penalização, cumpri-a e voltei á luta como se nada fosse.”

Infelizes foram os comentários de Hamilton e de Toto Wolff, deixando clara a frustração e lançando para o ar a teoria da conspiração, referindo que ou a Ferrari está a fazer de propósito ou são incompetentes. Clara manifestação de mau perder, pois tal como considero que o acidente entre Vettel e Bottas foi, apenas, um erro do piloto, o sucedido entre Hamilton e Raikkonen foi um simples e confessado erro do finlandês. Teve consequência para o piloto da Mercedes, mas as corridas são assim mesmo.

Não podemos criticar o facto de estar descontente com a situação, menos aceitáveis são as atitudes no final da corrida. Depois de refletir e de esfriar a cabeça, Hamilton acabou por reconhecer que o sucedido em pista tinha sido um incidente de corrida provocado por um erro, confesso, do seu adversário e nada mais.

Além deste incidente que acabou por valer a Lewis Hamilton ser eleito como o “Driver of the Day” depois de uma recuperação monstruosa de último até ao sexto lugar em apenas 10 voltas, e tudo o acima referido, foi o acidente de Marcus Ericsson que dramatizou a corrida britânica.

O sueco despistou-se de forma violenta na 31º volta e Charlie Whitting não hesitou: mandou para a pista Bernd Maylander e o Mercedes AMG GT-S “Safety Car”. Reação imediata da Ferrari que, abdicando da liderança da corrida, fez Vettel e Raikkonen entrarem nas boxes para trocarem para os pneus mais macios. Juntaram-se nesta reação mais uma mão cheia de pilotos. A Mercedes, uma vez mais, não “marcou” os italianos e causou estranheza essa situação. Razão apontada para isso? Uma escolha estratégica agressiva que seria a única forma de dar a Bottas uma hipótese de vencer. Mas a razão principal é mais estranha. A Mercedes não guardou um único jogo de pneus macios novos para a corrida e essa sobranceria custou caro, pois nunca Bottas ou Hamilton teriam possibilidades de lutar contra Vettel e o seu Ferrari equipado com pneus macios novos.

O recomeço da corrida pareceu dar razão à Mercedes, mas novo “safety car” e segundo recomeço acabou por deixar claro que Vettel tinha a vitória na mão. “Bastava” ultrapassar Valteri Bottas! Os trinta por cento de possibilidades que a Mercedes tinha de ganhar a corrida esfumaram-se quando Vettel atacou em Brooklands, onde Bottas não esperava. Surpreendido, o finlandês não conseguiu fechar a porta, ficando consumada a ultrapassagem. Com pneus muito desgastados, o piloto da Mercedes acabaria por ser ultrapassado por Hamilton e Raikkonen, com o campeão do mundo em título muito pressionado pelo finlandês da Ferrari.

Ainda assim, aplauso para Hamilton que no final da primeira volta era último e chegou a sexto, a 27 segundos de Vettel em apenas 10 voltas, com muitas ultrapassagens de classe e sem parar para mudar de pneus, Hamilton conseguiu chegar a terceiro e com uma janela de oportunidade para apesar de tudo, lutar pela vitória. Mas os pneus novos do Ferrari e o DRS derrotaram o Mercedes que, limitou os estragos ao ficar com o segundo lugar. E com a Mercedes, mais tarde, a reconhecer que voltou a errar na estratégia, pois acompanhar a Ferrari na paragem nas boxes teria dado mais algumas possibilidades de luta pela vitória a Bottas e, de certeza, o segundo lugar. Até porque, pela primeira vez este ano, os Mercedes cuidavam mais dos pneus que os Ferrari. Mas não guardar os pneus mais macios para a corrida foi um erro.

Para a RedBull, Silverstone acabou por ser um pesadelo. Numa pista onde se anda 82% de acelerador a fundo, o motor Renault não ajudou e para culminar uma corrida má, Verstappen cometeu alguns erros, um deles fatal: na volta 46 foi até à gravilha da escapatória da curva 16 e pouco tempo depois, o RedBull ficava parado com o sistema de travagem “by wire” do eixo traseiro fora de combate. Daniel Ricciardo cumpriu calendário e terminou a corrida em quinto, longe dos primeiros.

Contas feitas, o campeonato está ao rubro e há uma conclusão que podemos tirar: se a Ferrari evoluiu bem o SF71H a ponto de conseguir ganhar no território Mercedes, naquela que é a sua pior pista do campeonato, Sebastien Vettel pode, muito bem, ter ganho muito mais que o GP da Grã-Bretanha. Pode, caso a Ferrari não desate a dar tiros nos pés, ter colado a sai o estatuto de grande favorito ao título de 2018, quebrando, finalmente, o domínio Mercedes na era híbrida.

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