Michael Carcamo (Nissan): “Para bem da Fórmula E adorava que as provas fossem sempre na cidade”

22/10/2019

Photographer: Shivraj Gohil

Plataforma perfeita para transmitir a mensagem de que a sustentabilidade não é contrária à emoção da competição automóvel, a Fórmula E tem vindo a crescer gradualmente, com a Nissan a ser uma das marcas que melhor aproveita essa circunstância para desenvolver a sua visão de Mobilidade Inteligente. Depois de um ano em crescendo, a Nissan parte para a nova temporada 2019-2020 com ambições de lutar pelos triunfos, com Michael Carcamo, diretor das atividades de competição da Nissan a nível global, a conceder que os primeiros indicadores são bastante positivos.

Em Valência, palco do único teste de conjunto das equipas com vista à temporada de Fórmula E, que irá arrancar na Arábia Saudita dentro de um mês, estivemos à conversa com o homem que supervisiona a participação da Nissan naquela mesma competição, dando-nos a sua visão sobre o que pode fazer a diferença nos eventos de Fórmula E e como a chegada de dois construtores de peso, a Porsche e a Mercedes-Benz não assustam.

Reconhecendo que “serão competitivos a certo ponto”, Carcamo entende que a sua equipa está este ano em muito melhor posição e que os bons resultados virão da gestão energética perfeita e de uma abordagem sem erros por parte da equipa. Mantendo-se a parceria com a e.Dams, o homem-forte da Nissan Motorsports mostra-se também satisfeito com as alterações regulamentares efetuadas pela organização.

Pergunta: Um ano desde o último teste de conjunto, em que cá estivemos, que balanço é que podes fazer do progresso da equipa durante este tempo e como é que vês a sua posição agora?

Michael Carcamo: Obrigado por terem voltado. Estiveram cá no último ano e, obviamente, é [uma posição] muito diferente da do ano passado. Para nós, a viagem tem sido longa mas há um ano quando começámos este teste… digamos que tivemos um pouco de problemas para ter as maquinas a andar. Desenvolvemos um sistema de motor duplo bastante inovador para a temporada 5, mas veio com muitos desafios e muitos riscos e ao observarmos a temporada conseguimos ver a evolução do que estava a acontecer.

Pelo meio da temporada, começámos a perceber onde os nossos pontos fortes estavam, a obter pontos e, no final, estávamos consistentemente no sítio certo no momento certo. Terminámos a temporada com seis pole positions, seis pódios e como a melhor equipa em qualificação no campeonato inteiro. Tivemos uma força na nosso conjunto, embora tenha sido muito complicado e criado outros impactos negativos para nós. Mas, no final, diria que acabámos por ter um grande primeiro ano.

Segundo no campeonato para o Séb [NDR: Sébastien Buemi, piloto da equipa], quartos entre as equipas. Uma vez mais, muitas vitórias, muitos pódios, muitas pole positions, por isso, o sumário do ano é que foi muito bom. Mas, também tivemos de enfrentar muitas mudanças no regulamento para a temporada seis, que nos obriga a regressar à solução de um motor único.

Assim, tivemos um novo desafio depois de termos gasto o tempo a desenvolver e a fazer com que chegássemos a uma boa posição, tivemos de mudar de foco. E isso foi talvez o maior obstáculo que tivemos – o tempo entre o final da temporada e hoje. Produzir um sistema que fosse tão capaz como o de todos os outros. Se virem os tempos e os resultados de terça, às nove horas da manhã, os dois carros na pista logo de início e fizemos dois dias e meio sem problemas. Verdadeiramente, a equipa apenas se concentrou no chassis, em tornar o carro tão bom quanto possível, o que para nós é um grande marco ao assegurar que a equipa possa começar a trabalhar na otimização… porque isto é único, não temos assim tantos dias para testar na temporada e sabem que o formato de corrida é de apenas um dia. Por isso temos de aprender o máximo aqui, ficar a conhecer a janela de funcionamento do carro, o que podemos ajustar, o que é bom e o que é mau. Tudo tem de realmente acontecer aqui. E é este o ponto em que estamos às 13h38 de sexta-feira à tarde em Valência.

P: Olhando para a evolução da equipa, onde é que vocês esperam estar agora?

MC: Bem, penso que no capitulo do desenvolvimento e da equipa, estamos numa posição muito forte, temos a confiança de saber muito a partir dos acontecimentos anteriores e das corridas. Operacionalmente, creio que a equipa é uma das mais fortes do paddock. Se virem os tempos de hoje [NDR: sexta-feira, 18 de outubro], no entanto, sete carros ficaram em menos de um décimo de segundo. Não um segundo, mas 0,1s. O que significa 0,002, 0,005s e isso significa que vai ser apertado.

Por isso acredito que cada corrida vai ser decidida pelas condições da pista, da meteorologia e da operação das equipas. O que quer dizer que a equipa não pode cometer erros e que o piloto terá de executar uma prestação realmente boa. Penso que esse será o truque. Penso que este ano, talvez como o ano passado, não haverá alguém a ‘fugir’ sempre. Penso que será uma época muito competitiva e a consistência é o meu objetivo: ser uma equipa de topo tão fiável e consistente quanto possível. Creio que essa será a chave.

P: Considerando também a chegada de marcas como a Porsche e a Mercedes, isso irá trazer mais pressão para vocês. Julgam que é importante para o campeonato ter este tipo de competidores?

MC: Creio que [é importante] qualquer grande competidor, não importa a marca…

P: São nove construtores…

MC: Em doze equipas, sim… Para ser sincero, o que interessa não é o nome do rival, mas sim a nossa equipa e, obviamente, haverem 12 equipas concorrentes e 24 pilotos. Esse é que será o desafio. Obviamente que ter grandes marcas é bom para o campeonato, mas na pista não interessa a marca. Temos de bater 22 outros carros.

P: Como é que pensas que as novas regras vão afetar a competição?

MC: Espero que de forma positiva, o que para mim significa coisas como as bandeiras amarelas não terem impacto em relação à gestão da energia e da potência. Pelo que [as equipas] continuarão a focar-se na gestão de energia e na estratégia de corrida, o que significa que não poderão competir a fundo [após uma interrupção]. Creio que todas as regras estão a tentar tornar o entretenimento melhor e a competitividade mais justa entre todos. Pelo que vejo como positivo e penso que a FIA e a Fórmula E estão a fazer um bom trabalho para tentar ajustar as regras para terem a certeza de que estão na janela cera.

P: Que tipo de envolvimento e de parceria é que existe entre a Nissan Motorsports e o departamento de veículos de estrada da Nissan atendendo a todos os desenvolvimentos nos carros de elétricos e na forma como a indústria evoluiu? Vocês concedem alguma informação para esse departamento, existe alguma partilha de informações e de conhecimentos?

MC: Sim, absolutamente e acabam por ser múltiplas parcerias. Porque temos a Nissan na divisão de automóveis e de tecnologias avançadas que desenvolvem os carros de estrada, a Nissan NISMO, da divisão de competição, que também tem experiência, e, depois, a nossa parceria de desenvolvimento com a equipa, que é a e.Dams, pelo que são várias parcerias, partilhando o melhor entre si. Mas a forma como funciona para nós é que o conhecimento que temos dos carros de estrada não é sobre o design físico dos automóveis, mas sim sobre os sistemas de controlo, que são a chave neste paddock já que todos têm o mesmo nível de motorização, o que significa um motor que vai até aos 250 kW de potência, que é o máximo.

Créditos da imagem: Shivraj Gohil

A eficiência vai resultar da forma como é usada e as pequenas coisas que num carro de estrada podem não ter um impacto assim tão grande, aqui têm e o nosso departamento de carros de estrada é capaz de suportar nos seus estudos aprofundados essas questões técnicas. Porque a nossa equipa de competição está focada em competir. O que acontece depois é a que a equipa tem a oportunidade de dizer para a divisão dos carros de estrada: ‘pegámos nisto e maximizámos o sistema. Mudámos tudo isto, se quiserem podem levar’. [O conhecimento] é devolvido e o departamento de desenvolvimento de carros de estrada diz que sim, que pode usar e que pode ser útil. Este é o ciclo de desenvolvimento. A divisão de carros de estrada tem tanta mais validação para fazer que estão muito mais à frente no desenvolvimento do que a equipa de competição.

P: Ainda é uma espécie de competir ao domingo e vender à segunda…

MC: Sim, ou até uma transferência de estrada para a pista e, depois, da pista de novo para a estrada, de certa forma. Dá para ambos os lados…

P: Vocês enquanto equipa estão sempre a desenvolver o carro ao longo do ano?

MC: A parte boa do campeonato é que o software é aberto, pelo que não é todo o ano, mas a todo o minuto, parece. Porque há pessoas que não vêm às corridas e que estão focadas nesse desenvolvimento. A única coisa que fecha é o tempo de pista. Assim que começamos a temporada, não podemos testar mais, mas quando a janela de testes abre novamente, em janeiro, podem ter a certeza que estamos prontos para testar novamente. Mas o desenvolvimento não para.

“acho que estamos a pensar muito pequeno se pensarmos apenas em Fórmula 1 e Fórmula E. Penso que há mais além disso. Acho que os desportos motorizados vão evoluir além disso”.

P: Alguma vez iremos ver uma repetição do que aconteceu no México, no ano passado [quando muitos pilotos tiveram problemas com a gestão energética dos seus carros após um período prolongado de safety car]?

MC: Não posso garantir isso, que nunca veremos uma repetição. Posso dizer que aprendemos imenso com isso e, uma vez mais, percebemos porque este jogo de eficiência é tão importante e porque as regras mudam para assegurar que a eficiência adiciona essa variável. Porque pode acontecer a qualquer um. Não nos aconteceu apenas a nós, obviamente aconteceu a muitas outras equipas na grelha num ponto ou no outro. Às vezes, de formas mais espetaculares do que outras. Vamos tentar que não seja tão espetacular como no México no ano passado.

P: Com todas as regras que a Fórmula E tem, em termos de peças comuns e regulamento técnico, achas que seria possível para uma equipa chegar e dominar, como sucedeu na F1, por exemplo. Seria possível neste campeonato?

MC: Creio que é difícil. Uma vez mais, tentamos trabalhar dentro das regras que existem para encontrar essa vantagem na performance e é por isso que o sistema de motor duplo foi uma oportunidade tão grande para nós. Agora o foco com o motor único é realmente melhorar a eficiência. Creio que todos no paddock estarão num nível semelhante. E a diferença será suficiente para que sejam as operações e o piloto a fazer a diferença em qualquer dia. O que é bom, de certa forma, que os engenheiros e os pilotos tenham um grande impacto juntos agora. Digo os engenheiros de corrida e não os de desenvolvimento, que surgem com novas peças novas e gastando dinheiro…

P: E qual foi a razão por detrás da abordagem do motor duplo?

MC: Se tiverem reparado na performance do não passado, um dos nossos grandes benefícios era a aceleração Foi isso: trocámos aceleração por eficiência e peso porque percebemos que ia ser difícil passar e porque todos tinham de salvar energia a algum ponto da volta, a aceleração mantinha-te à frente de outros carros. Era estratégica a forma de posicionar o carro a certo ponto da volta. Era preciso um pouco de vantagem para ficar à frente em toda a volta, porque para alguém te ultrapassar tinha de usar muita energia. Mas agora a estratégia para todas as equipas vai ser mais focada em eficiência.

P: Em toda a grelha há pilotos que estão na Formula E há muito tempo, como o Sébastien Buemi. Mas, por exemplo, o Oliver [Rowland] tem um ano. É importante que um piloto, porque há tantas mudanças todos os anos, tenha mais experiência ou não faz muita diferença?

MC: Há alguns pontos a considerar. Primeiro, no caso do Oliver, fomos positivamente surpreendidos com a sua evolução porque pensamos que os pilotos com experiência têm vantagem. Por isso, o Seb tem uma vantagem porque já pilotou todos os motores elétricos que já existiram e tem o tempo de pista. Acreditamos que a experiência conta. E podes ver noutras equipas que, às vezes, outros pilotos mais novos ou com pouca experiência na Fórmula E têm dificuldade para se adaptar rapidamente. Há este equilíbrio: se tens um piloto muito experiente e o colocas na Fórmula E ele tem de se adaptar. Se pegas num piloto jovem, ele tem de se adaptar mas não tem experiência de pilotagem. É um pouco complicado. Nesse aspeto também, a Nissan tem uma dupla extraordinária com dois pilotos capazes de cumprir, mas que têm diferentes níveis de experiência.

P: A Fórmula E tem o seu ambiente em cidades e pistas urbanas, é como uma afirmação para a ecologia. É também uma boa ferramenta de marketing mas para alguns pilotos e espetadores não há muitas ultrapassagens, porque os circuitos são estreitos, com chicanes apertadas que ouvimos que vão mudar. Consegue ver algum momento em que a Fórmula E possa mudar ou irá mudar do ideal de corridas urbanas para este tipo de circuito [Valência]?

MC: Para o bem da Fórmula E ou das corridas elétricas adorava que fossem sempre algum tipo de corrida na cidade. Talvez as corridas tenham de melhorar ou os carros tenham de mudar para se inserirem melhor nos circuitos ou alguma combinação. Podes alterar até os carros para serem diferentes para as corridas na cidade face a outros circuitos mas diria que é uma grande oportunidade perdida para os desportos motorizados se não pudermos continuar a fazer este tipo de corridas na cidade. A minha experiência é que as pessoas não querem andar muito para irem ver um evento. Esta pista, Valência, até está muito perto, mas em muitos sítios as corridas são muito longe. Eu só fui à minha primeira corrida até ter havido uma corrida da Indycar na cidade em New Jersey. Foi a primeira corrida a que fui senão não teria podido ir. Adorava manter as corridas nas cidades.

P: Um dia e é inevitável que isso aconteça: ou a Fórmula E se transforma na Fórmula 1 ou o contrário. Quando vês que isso possa acontecer?

MC: Quer a minha resposta real? A minha resposta real é que acho que estamos a pensar muito pequeno se pensamos apenas em Fórmula 1 e Fórmula E. Acho que há mais além disso. Acho que os desportos motorizados vão evoluir para além disso, como se vê o automóvel e para onde vamos, para onde a Nissan vai, no caminho para zero emissões mas também zero fatalidades. Como conseguimos zero fatalidades? Com o [programa] Nissan Intelligent Mobility que tem diversas funcionalidades que ajudam a proteger os condutores. Por isso, porque não ter a possibilidade no futuro de ter sistemas combinados? Não digo autónomos ou sem condutores, mas porque não combinados? Porque não combinar para para ter o melhor de tudo o que fazemos no setor automóvel. Se em 15 anos for presidente da FIA é isso que vou apoiar.

P: Mas, a certo ponto, irão convergir. A F1 pode ficar elétrica, a Fórmula E é elétrica. E muitas marcas estão em ambos os campeonatos, como a Mercedes, provavelmente, algumas da F1 também poderão vir para aqui…

MC: A curto prazo, reforço isso, nós já estamos a planear o carro de geração 3, ou seja, as temporadas nove, dez e 11 – 2022, 2023 e 2024 – pelo que sim, algo pode acontecer, mas estou a pensar que ainda estará a uns dez anos de distância. Não estarão a escrever sobre isto até lá.

Carcamo reflete sobre o aumento da concorrência na Fórmula E. Sobre a mesa, o reflexo do progresso tecnológico ao serviço do jornalista… Crédito: Shivraj Gohil

P: Dito isso, a Nissan tem um compromisso com a Fórmula E por um longo prazo?

MC: Somos acionistas da e-DAMS como equipa, temos parte da licença, temos uma entrada na Fórmula E e estamos sempre a verificar as novas regras, estamos a começar a discutir os regulamentos do carro de terceira geração para podermos avaliá-lo. Mas por agora, estamos comprometidos com a temporada oito.

P: Na mesma linha de competições de visão ecológica, também irá ser organizada a Extreme E. Farão parte dessa competição?

MC: Neste momento, estamos a avaliar todas as opções, não só a Extreme-E, mas também outras vertentes, como o E-Ralycross, o E-TCR. Há muitos ‘E’…

P: Mas o Extreme E tem o mesmo conceito, com o mesmo fundador e também com a mesma componente ecológica…

MC: Sim e fornece oportunidades muito interessantes mas neste momento o nosso foco é mesmo a Fórmula E. Queremos ser bem-sucedidos na Fórmula E. Como sabem, falámos há pouco de concorrência, não falei das outras marcas, mas se formos muito competitivos aqui e vencermos é muito importante e sabe bem.

P: Não vê o risco do nível de gastos a aumentar potencialmente com o aumento de marcas a bordo da Fórmula E?

MC: Sim, certamente e isso é um grande risco para nós. Por isso é que digo que estamos a avaliar o carro de terceira geração quando saírem os regulamentos porque queremos ver o que é. Se, subitamente, o custo se tornar num projeto de Fórmula E de 100 milhões de dólares, talvez não seja o investimento certo para a Nissan. O custo é importante e a Formula E está ciente e nós, enquanto construtores, estamos conscientes e penso que muita gente desses que estão presentes na Fórmula E têm a noção de que ‘já todos estivemos em muitos paddocks, vamos tentar ficar neste por mais algum tempo, porque o custo mata’. É um facto.

Os regulamentos também o impedem. É uma forma de ajudar a gerir isso. As pessoas estão constantemente a perguntar porque é que não há desenvolvimento de chassis ou de baterias. A razão é que quanto maior for a abertura, mais o custo aumenta, não importa o que aconteça. Tem de haver um equilíbrio na forma como a tecnologia evolui e que áreas são importantes e o custo. É um equilíbrio, uma equação.


Augúrio de boa sorte

Nos testes de defeso, a Nissan surgiu com o seu monolugar quase integralmente pintado de preto, com a revelação da decoração definitiva a surgir apenas esta madrugada, num evento realizado no Japão. A decoração do Nissan IM02 adota um padrão inspirado na cultura japonesa, mais concretamente, no quimono, com uma combinação de preto, vermelho e branco para aquela que será a sexta temporada da Fórmula E. De acordo com a marca, essa combinação é um símbolo de longevidade e sorte. O resultado final foi obtido após um concurso interno entre 40 designers de vários mercados globais. Os pilotos serão Sébastien Buemi e Oliver Rowland.

*Em Valência

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