A primeira corrida de Ayrton Senna na F1 foi há 33 anos

25/03/2017

Circuito de Jacarepaguá, Brasil, dia 25 de março de 1984, primeira prova do Campeonato do Mundo de F1 daquele ano. Na grelha de partida, um franzino piloto brasileiro fazia a sua prova de estreia na F1. Chamava-se Ayrton Senna da Silva e viria a marcar para sempre a história do desporto 

O jornalista português Francisco Santos, futuro autor de dois livros sobre Ayrton Senna regressava naquele dia ao paddock da F1, disciplina que cobrira como repórter na década de 70. Francisco Santos, antigo e endiabrado piloto, estava há muito radicado no Brasil, mas enveredara por uma carreira de publicitário que o afastara temporariamente dos circuitos – dedicou-se antes a organizar os primeiros ralis pontuáveis para o Campeonato do Mundo no Brasil e foi ele, anos mais tarde, o impulsionador do regresso do Circuito da Boavista, bem como das primeiras provas de F1 históricos em Portugal.

Mas no seu vasto armazém de memórias, Francisco Santos guarda lugar especial para aquela manhã de calor abrasivo no Circuito de Jacarepaguá, onde se realizaria a primeira corrida do Campeonato do Mundo de F1 de 1984. Foi ali, no interior do box de uma modesta equipa Toleman que Francisco Santos conhecia pela primeira vez (pelo menos julgava ele), a nova esperança do automobilismo brasileiro, conforme recorda do seu livro Ayrton Senna do Brasil: «Lá dentro, com ar compenetrado e sério, contrastando com a jovialidade e candura da idade, o estreante, com o seu capacete amarelo, agora ostentando o omnipresente logotipo da Marlboro, que confiava nele neste seu primeiro ano de F1. Não interrompi os momentos de concentração, mas aproximei-me e fiquei observando e fotografando. Sem perturbar. Nessa época de menor assédio aos boxes, ainda podia haver essa liberdade consciente e auto-controlada, sem levar uma cacetada de um mecânico mais apressado ou tropeçar numa beldade loira ou mulata com credencial de pit-lane, da FOCA.

O piloto levantou os olhos do painel de instrumentos no qual se concentrava, fitou-me com aquele olhar penetrante, mas calmo e acolhedor, que lhe passaria a ser característico, e fez semblante de me falar. Aí eu apresentei-me:

Não, não precisa, nós nos conhecemos há alguns anos, apontou o jovem Ayrton. Claro que fiquei perplexo. Não me lembrava de já o ter encontrado e de alguma vez lhe ter falado. Como, eu me perguntava, se nos últimos anos eu havia emigrado para o mundo dos ralis no Brasil, em São Paulo, e ele vivera nos últimos três anos na Europa? O meu ar de abobalhado acho que lhe deve ter transmitido a minha perplexidade, que ele desfez:

Você não trabalhou numa agência de publicidade para os lados da Avenida Brigadeiro Luis Antônio, em São Paulo?”»

A fotográfica memória de Ayrton não perdoava e com efeito, recorda Francisco Santos, o piloto fora apresentar-lhe um caderno de patrocínios com o seu percurso no karting para tentar angariar apoios para a sua primeira época de Fórmula Ford. Francisco Santos que era account de algumas contas tradicionalmente envolvidas com o automobilismo, acabou por não ver espaço naquela época para o apoio a mais um piloto brasileiro e guardou a proposta na gaveta.

Descobrir uma estrela

Mas seria também o jornalista Francisco Santos o primeiro português a perceber que Ayrton Senna não era apenas mais um piloto brasileiro quando assinou no Autosport de uma crónica chamando a atenção para o novo ídolo brasileiro, provavelmente a vocação de jornalista sempre bateu mais forte do que a de publicitário: «O Brasil inteiro mudou de ídolo de um dia para o outro. Aliás, ganhou o seu ídolo na F1, já que Nelson Piquet, embora claro está, tenha sempre merecido o devido reconhecimento e popularidade pelo seu bicampeonato, nunca foi, como Emerson, nos seus tempos de bicampeão, uma figura muito popular e querida entre a imprensa e o povo, pelo seu jeito introvertido e pouco prasenteiro. Emerson, esse sim, era um grande cara, um verdadeiro ídolo – é comum ouvir-se esta frase dos adeptos brasileiros de F1. O Nelsinho é um grande piloto, mas Havia sempre ma mente do brasileiro este masa respeito do Nelsinho.

O Brasil ambicionava ter novamente um ídolo com o carisma e a simpatia de um Emerson Fittipaldi oi de um saudoso Carlos Pace. E, de um dia para o outro, o nome de Ayrton ecoa em todas as conversas de automobilismo

A coisa se agravou no princípio desta temporada de F1, com a desilusão do Rio se repetindo em cada GP com os abandonos do Brabham-BMW.

Havia já quem começasse a dizer injustamente esse Piquet não é de nada, quebra sempre. Outros me perguntavam, desiludidos, mas fiéis à imagem do bicampeão do mundo o que estava a acontecer com a mecânica do BMW.

Mas, em todos os brasileiros começava a haver a mágoa e o desalento de não terem mais um ídolo na F1. Sim, porque no Brasil só interessa ganhar. Quem fica em segundo é relegado à posição de esquecido, vencido. É como no futebol só interessa para o brasileiro ser campeão do mundo ter o melhor futebol do mundo é secundário.

Mas, para toda a regra existe sempre uma excepção, mesmo no Brasil. De repente um segundo lugar teve sabor de vitória e conseguiu, como seria natural, projetar o nome de Ayrton Senna para os píncaros da idolatria desportiva. O Brasil ambicionava ter novamente um ídolo com o carisma e a simpatia de um Emerson Fittipaldi oi de um saudoso Carlos Pace. E, de um dia para o outro, o nome de Ayrton ecoa em todas as conversas de automobilismo, envolto na tão esperada áurea de simpatia, sorriso gaiato, de menino bem sucedido, mesclado com uma ponderação e bom senso de campeão bem maduro que ainda não pode ser.»

Francisco Santos escrevia esta crónica uma semana depois da brilhante exibição no GP do Mónaco, onde o nome do brasileiro foi projetado para o estrelato internacional, coroando o esforço de uma vida dedicada á competição desde o karting aos três longos e duros anos em Inglaterra. Ayrton estava agora onde sempre quisera estar, lutando pelas vitórias na F1 e ganhando um lugar no coração dos fãs.

Início pouco promissor

Mas, o início da época com a Toleman tinha sido tudo menos promissor. Em Jacarepaguá, na prova inaugural do campeonato, e frente ao seu público, Ayrton Senna não foi além de um 16º lugar na grelha – à frente do seu companheiro de equipa Johnny Cecotto.

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Ayrton Senna (BRA), Toleman TG183B-Hart. 1984 Brazilian Grand Prix at Jacarepagua.

Na corrida o turbo do motor 1.5 Hart do Toleman durou apenas oito volytas. A equipa iniciara a época com o velho TG183B, que se distinguia pelo seu bico afiado, duplo aileron e péssima relação peso-potência.  Isto, combinado com a pouca eficácia dos pneus Pirelli tornava o carro praticamente inguiável e incapaz de se bater com as equipas de ponta que montavam turbos mais potentes e calçavam pneus mais eficazes com o selo da Michelin e da Goodyear.

Ainda assim, um heróico Ayrton Senna conseguiu na corrida seguinte, em Kyalami na África do Sul, levar o carro até ao 7º lugar que, após a desclassificação de Manfred Winkellock, acabaria por se transformar num 6º e respetivo primeiro dos 641 pontos somados por Senna na F1. 

Em Jacarepaguá, na prova inaugural do campeonato, e frente ao seu público, Ayrton Senna não foi além de um 16º lugar na grelha – à frente do seu companheiro de equipa Johnny Cecotto.

Ayrton Senna terminou exausto a saunade Kyalami, com temperaturas no interior do carro a superarem os 45 graus. No final da corrida o piloto desmaiou e teve de ser retirado do cockpit pelos mecânicos da equipa e pelos seus amigos da TV Globo Reginaldo Leme e Galvão Bueno, que o estenderam na relva até ser levado pela ambulância até ao Centro Médico, onde o Professor Sid Watkins, teve de acalmar o piloto com um vallium e a recomendação de repouso absoluto – «Ele julgava que ia morrer». Na verdade, sofrera desidratação e aguda fadiga muscular devido ao esforço empregue em manter o mastodôntico Toleman em pista, um carro que virava sozinho para a direita sempre que travava, e que obrigava o piloto a agarrar no volante com a força de um lenhador num machado. Naquele Grande Prémio da África do Sul, Ayrton Senna percebeu que a Fórmula 1 era um desporto que exigia a preparação física de um atleta de elite e esse era um aspeto que havia negligenciado no seu meticuloso trajeto. Enquanto uma corrida de F3 não durava mais de meia hora, um Grande Prémio de F1 percorria uma distância superior a 300 quilómetros com os pilotos a terem de pilotar em condições extremas de calor e esforço físico durante quase duas horas.

*Excerto do livro “A Paixão de Senna”, de Rui Pelejão, Oficina do Livro, 2014

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