Suzuka 1989: A vergonha de Prost na derrota de Senna

08/10/2017

A época de 1989 do Mundial de Fórmula 1 ficou marcada pela guerra sem trincheiras entre Alain Prost e Ayrton Senna no seio da equipa McLaren-Honda. Uma guerra que teve o seu epílogo no circuito de Suzuka, palco de uma das cenas mais tristes e lamentáveis da história da disciplina.

Antes de voar para o Japão, a caravana da F1 fez uma breve escala técnica em Jerez, onde Ayrton Senna cumpriu escrupulosamente a primeira parte da difícil equação matemática que tinha pela frente vencer dois Grandes Prémios e terminar um outro em segundo.

O brasileiro assinou mais um dos seus famosos tripletes: Pole position, volta mais rápida e vitória e ainda viu Berger colocar-se entre ele e Prost. Ao aterrar no Japão a missão de Senna parecia difícil, mas não impossível. Os mind games e os recados através da imprensa recrudesceram e ganharam nova intensidade com Prost a insinuar que Senna era um perigoso fanático religioso e Senna a dar troco, dizendo que o francês era um «queixinhas sem caráter» O fim-de-semana de Suzuka parecia um anúncio de um faqueiro japonês facas afiadas na imprensa, facadas nas costas nos bastidores e faca na liga na corrida.

Na McLaren o clima era de cortar à faca e Alain Prost fez um aviso a Ron Dennis, que recordou anos mais tarde a Malcolm Fowley: «Eu avisei o Ron que tinha havido alturas em que o Ayrton me tinha pressionado em pista e que só com o meu consentimento e para evitar acidentes entre os dois eu deixei que ele executasse as suas manobras agressivas. Deixei muitas vezes a porta aberta para ele passar, mas agora que não iria continuar na equipa e que estava em causa o título de Campeão do Mundo, não iria mais ceder.»

Alain Prost confiava que Ron transmitiria este aviso que continha uma ameaça velada a Ayrton Senna. Mesmo que o tenha recebido, seria como falar como uma parede, tamanho era o seu ódio por Prost, admite Ramírez.

O brasileiro não se deixava intimidar e na conferência de imprensa que antecedeu o Grande Prémio foi bastante claro sobre os seus propósitos: «Não tenho nada a perder. Vou guiar o mais depressa que conseguir. Eu gosto do desafio de lutar para ser o primeiro. O Prost contenta-se com segundos lugares, eu corro só para vencer. Perdi o meu respeito por ele.»

Alain Prost confiava que Ron transmitiria este aviso que continha uma ameaça velada a Ayrton Senna. Mesmo que o tenha recebido, seria como falar como uma parede, tamanho era o seu ódio por Prost

Estavam então reunidos os ingredientes para um sushi muito picante que seria servido nas traseiras da fábrica da Honda, o circuito de Suzuka. Ayrton Senna exerceu desde logo a sua habitual alta pressão e conquistou a pole position com uma das suas mais impressionantes voltas canhão, batendo um incrédulo Alain Prost em 1,7 segundos e deixando o terceiro, Berger a mais de dois segundos. Num desporto onde um centésimo vale ouro, esta distância equivale a uma eternidade. Nada parecia travar Ayrton. Mas Alain Prost tinha um trunfo na manga, fez um acerto aerodinâmico especial na manhã de domingo que lhe permitiu ser oito décimos de segundo mais rápido do que Ayrton na tradicional sessão de warm up.

Além disso, em Suzuka, havia o que na F1 se chamava de falsa pole positionou seja, a primeira linha da grelha estava colocada na parte interior do circuito, a zona mais suja e com menor aderência.

Quem gozava de vantagem teórica na partida era o homem colocado na segunda posição da grelha. Esse homem era Alain Prost. Apesar dos veementes protestos de Ayrton, tão bem retratados no filme-documentário Sennarealizado por Asif Kapadia e escrito por Manish Pandey, a posição de privilégio na grelha de partida de Suzuka permaneceu inamovível.

Perante 160 mil japoneses em histeria, a maior parte deles fanáticos de Ayrton san, o som e a fúria de 26 potentes motores de Fórmula 1 ecoou sobre os céus de Suzuka, para a largada do GP do Japão.

O McLaren-Honda de Alain Prost despejou a potência do seu motor mais depressa no asfalto e Ayrton Senna foi impotente para travar o seu rival que se colocou na frente da corrida, antes da primeira curva.

Seguiram-se 47 voltas de puro espectáculo e uma magistral exibição de pilotagem de dois gigantes, ferozes e desavindos. Prost mostrou que com um carro afinado podia ser incrivelmente rápido e até à primeira paragem na boxe, foi-se distanciando de Ayrton, construindo uma vantagem de 5 segundos, que aumentou para 9, depois da paragem nas boxes, onde a equipa da McLaren fez uma operação mais lenta com Senna desmentindo assim as teorias de favorecimento que o francês alimentava.

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Ayrton Senna inicia então um ataque desesperado, para júbilo dos japoneses, que acenavam freneticamente com bandeiras do Japão, da Honda e do Brasil, a cada passagem do seu samurai adotado.

Graças ao menor apoio aerodinâmico do seu McLaren, Ayrton era mais rápido nas zonas sinuosas do circuito, enquanto Alain Prost ganhava vantagem nas retas: «Foi uma luta mais tática do que técnica. Foi uma corrida muito rápida. Todo o tempo eu só pensava na vitória, e forcei, forcei, sem contudo estragar os pneus», explicou Senna após a corrida.

À 45ª passagem pela linha de meta, a uma dúzia de voltas do final dos 310 quilómetros de distância da corrida, Ayrton já estava no cone de ar do McLaren número 2, fenómeno físico que cria um vácuo, diminuindo a resistência aerodinâmica do carro ou objeto que vai atrás, dando-lhe assim maior velocidade de ponta.

O problema é que em Suzuka não havia nenhuma zona onde essa maior velocidade pudesse ser usada para ensaiar uma ultrapassagem, restava a chicane uma sequência de curva-contracurva exageradamente pronunciada e artificial, implantada nas zonas mais velozes das pistas para obrigar os pilotos a diminuir drasticamente a velocidade, e que segundo os puristas, retira muita da beleza do desporto automóvel.

É na abordagem da chicane de Suzuka, na 47ª volta, que Ayrton Senna decide lançar o decisivo ataque, colocando-se na posição interior da reta com o bico do seu McLaren alinhado pelas rodas traseiras do de Alain Prost que, aparentemente, tinha cedido a melhor posição para o ataque à curva ao seu rival. Senna prolongou a travagem e quando o bico do seu McLaren já estava a mais de meio do de Prost, o francês decide fechar a porta, ou seja, retomar a linha ideal de trajetória, onde se encontra o McLaren de Senna.

O choque foi inevitável e os dois carros saem em frente para a gravilha. Prost sai calmamente do carro, como novo Campeão do Mundo, enquanto Ayrton gesticula freneticamente para os comissários o empurrarem de volta à pista, o que acaba por acontecer, saindo em frente e cortando a chicane o que seria a causa de uma enorme polémica.

Este momento, que pode ver no You Tube, para fazer o seu próprio julgamento, entraria para sempre no folclore da F1 no capítulo dedicado a manobras sujas. As opiniões dividiram-se entre as falanges sennistas e prostistas, sobre a culpa do acidente, mas o gesto de Prost, quando roda o volante para a direita é feito uma fração de segundos antes do que faria, se quisesse fazer a curva no ângulo correto.

Por mais que o francês negasse posteriormente a acusação de que teria causado propositadamente o acidente e por mais que o videotape seja burro, como escrevia o escritor brasileiro Nélson Rodrigues, a verdade é que nenhum videotape é assim tão burro.

Independentemente do juízo que se possa fazer sobre o acidente, o que se passou a seguir já entrou no território da infâmia e teve como protagonista na sombra o chauvinista presidente da Federação Internacional do Desporto Automóvel, o autocrático Jean Marie Balestre.

Por mais que o francês negasse posteriormente a acusação de que teria causado propositadamente o acidente e por mais que o videotape seja burro, como escrevia o escritor brasileiro Nélson Rodrigues, a verdade é que nenhum videotape é assim tão burro.

Senna regressou à pista com o bico do seu McLaren danificado, parou na boxe para o mudar, sendo ultrapassado pelo Benetton-Ford do italiano Alessandro Nannini (herdeiro dos cafés Nannini).

Nas voltas finais Senna atacou a posição do italiano, enquanto nas boxes e no Colégio de Comissários se jogava o jogo mais popular no paddock da F1 a seguir ao póquer o da baixa política.

Prost, quando viu que Senna continuava em pista, foi apressadamente ter com Jean Marie Balestre e juntos dirigiram-se à Torre de Controlo onde estava reunido o Colégio de Comissários Desportivos.

Apesar de Prost negar esta versão «estive nas boxes com o Ron Dennis o tempo todo», a verdade é que anos depois, Balestre confirmou que tinha pressionado a soberana decisão dos Comissários Desportivos e que Prost o acompanhou à Torre de Controlo.

Enquanto na pista, Ayrton Senna fazia das tripas coração para alcançar e ultrapassar Nannini, na penumbra preparava-se um golpe palaciano, que acabou por ditar a desclassificação do brasileiro, o primeiro a cruzar a linha da meta.

Ayrton Senna foi imediatamente chamado ao Colégio de Comissários Desportivos onde, segundo ele, estavam Prost e Balestre, «que nem sequer deviam ali estar», afirmou depois o brasileiro que acredita que a sua inquirição era um mero pro forma: «Quando lá cheguei já estava tudo decidido. Eles queriam desclassificar-me por qualquer motivo que arranjassem. Não interessavam os regulamentos ou qualquer outra coisa: eles apenas tinham de ter uma desculpa para o fazerem.»

Depois de analisarem repetidamente o vídeo do incidente, os Comissários Desportivos confirmaram a sua decisão inicial.

A regra invocada pelos Comissários desportivos era que para reiniciar a marcha, Ayrton terá cortado a chicane, quando deveria ter reiniciado a marcha no ponto onde se tinha despistado. Ou seja, segundo esta absurda regra, Ayrton teria de apontar o seu carro ao sentido inverso da corrida com os perigos daí decorrentes, e depois fazer uma inversão de marcha no meio da pista, num local onde os outros carros chegam a bem mais de 200 km/h.

Com esta decisão, Alain Prost era automaticamente o novo Campeão do Mundo e na motorhome da McLaren aproximou-se de um inconsolável Ayrton para, desportivamente, o cumprimentar:

– Sinto muito por essa merda toda.

Ayrton encarou esse gesto de desportivismo como uma cínica provocação e não fosse Ron Dennis, prudentemente a tirar o francês dali, e a resposta teria sido dada a murro.

Indignado, o patrão da McLaren tomou o partido de Ayrton e decidiu apresentar um apelo da decisão à última instância, o Tribunal de Apelo da FIA, que reuniria uma semana depois em Paris, para analisar o caso de Nigel Mansell no Estoril.

Ayrton, esse não se conteve nas críticas, especialmente à FIA, que considerava responsável por aquela decisão, na pessoa do seu Presidente, o francês Jean Marie Balestre, o mesmo que ordenou que o Tribunal de Apelo se reunisse em Paris, só após o seu regresso do Japão, onde ficaria mais uns dias para assistir ao Salão de Tóquio.

Quando a sua agenda o permitiu, o todo-poderoso, Jean Marie Balestre esteve em Paris, na sede da FIA, na Praça da Concórdia, onde certamente caucionou a decisão de um órgão alegadamente independente- O Tribunal de Apelo da FIA.

A 31 de outubro, ainda antes da realização do último Grande Prémio da época na Austrália, A FIA divulga a decisão do Tribunal de Apelo da FIA, onde tinha assento o português José Macedo e Cunha. A sentença, publicada na íntegra no órgão oficioso da FIA e de Prost o jornal L`Équipe” é digna do Grande Torquemada e de um tribunal do Santo Ofício. O piloto brasileiro era condenado a uma pesada multa de 110 mil dólares e a uma pena suspensa de seis meses, período durante o qual qualquer infração o afastaria imediatamente das pistas durante meio ano. Mas, o mais incrível desta sentença é que ela resulta não exclusivamente dos incidentes de Suzuka, mas de uma série de antecedentes alegadamente criminaisde Ayrton, entre os quais o fortuito acidente com Schlesser em 1988 no Grande Prémio de Itália, o acidente na partida do GP do Brasil de 1989, com Berger e Patrese, e a co-autoria do acidente com Mansell no GP de Portugal desse ano (curiosamente o mesmo Tribunal não puniu o inglês pela alegada co-autoria do crime), a juntar a estes alegados de delitos uma série de outras ocorrências que rapidamente a McLaren tratou de desmontar e explicar num longo comunicado onde refutava uma por uma as inquisições do escabroso Tribunal de conveniência francesa. Mais do que a sentença do Tribunal de Apelo da FIA, o que melhor explica este processo de intenções é a longa explicação do Inquisidor Mor, Jean Marie Balestre: «Quando se é um grande piloto, como Ayrton Senna, não se tem o direito de provocar estúpidos acidentes que destroem o espetáculo desportivo e colocam em risco a segurança de outros pilotos. É muito claro e o filme da corrida prova-o que foi o excesso de velocidade que causou o acidente. Não aceito pilotos que queiram ganhar a qualquer preço. É isto que eu tenho contra Senna. Sinto-me responsável pela segurança dos pilotos, de certo modo, eles são como filhos para mim.

Fizemos grandes progressos nos standarts de segurança nos últimos cinco anos. Os circuitos estão muito mais seguros e a federação não aceita que essa boa imagem seja comprometida, fechando os olhos a condução perigosa, mesmo que eu saiba que há muitos admiradores de Senna e dos acrobatas, que andam numa corda estendida sobre o abismo fora da pista e que se sentem acima das normas.»

Algumas partes deste discurso de Balestre parecem um exercício de ventriloquia com os argumentos que Prost habitualmente esgrimia contra o brasileiro, mas na verdade o Presidente da FIA sintetizava, ainda que de forma explícita e tonitruante, o que muitos sussurravam sobre Ayrton, que naquela época estava longe de ser um bem amado no paddock, entre os outros pilotos e na sala de imprensa.

Basta ler os jornais da especialidade portugueses da época para perceber que Ayrton não era uma personagem consensual e que Prost tinha também entre os enviados especiais à F1 a sua falange de apoio.

Talvez alguns jornalistas portugueses nunca tenham ultrapassado o facto de que falarem a mesma língua que Ayrton não lhes dava um acesso privilegiado ao brasileiro. A análise de um acidente como o de Suzuka em 1989 estará sempre contaminada pelo clubismo, e não estando eu em condições de invocar uma neutralidade suiça, parece-me que com a maior das objetividades possíveis, o caso de Suzuka pode ser assim descrito:

1 A culpa do acidente é de Alain Prost. O francês já tinha deixado uma ameaça velada antes da corrida e o seu movimento brusco de volante, antes dele ser necessário ou razoável, traduz uma decisão em fração de segundos que havia sido amadurecida com premeditação. Prost não iria Senna passar, custasse o que custasse. É legítimo pensar que em idênticas circunstâncias, Senna faria exatamente o mesmo.

2 – A desclassificação ou uma punição a Senna naquele Grande Prémio era inevitável, a alegada causa retomar a pista depois e não antes da chicane – é que era nebulosa. Como o sibilino, mas atento Piquet explicou na altura, se os comissários quisessem desclassificar Senna tinham uma boa razão para o fazer. O seu McLaren fora empurrado pelos marshalls, o que constituía uma clara violação dos regulamentos.

3 A decisão do Colégio dos Comissários Desportivos no Japão, boa ou má, foi condicionada e pressionada pelo Presidente da FIA, Jean Marie Balestre.

4 A decisão do Tribunal de Apelo da FIA, exorbitou a análise do caso em apreço em Suzuka, transformando-se num processo de justiça retroativa e, pior do que isso, fazendo juízos de valor sem cabimento no espírito e na letra dos regulamentos, apenas reproduzindo a visão autocrática e parcial do Presidente da FIA.

Seis anos depois de ter ingressado na Fórmula 1, onde introduziu um nível de competitividade e agressividade em pista que mudaram a face do desporto, Senna enfrentava finalmente em campo aberto as forças reacionárias e defensoras do status quo, que sempre encararam a personalidade e o estilo de pilotagem de Ayrton Senna como uma ameaça aos poderes consolidados e a umas certas regras de falso cavalheirismo e fair play, que na realidade ninguém cumpria.

Esse era o crime de Ayrton Senna, que estava longe de ser uma santidade e que naturalmente cometia excessos e atropelos, como aliás todos os outros pilotos. Ayrton Senna era colocado a ferros por ter cometido um excesso, como explicou Balestre na sua palestra, o chamado excesso de velocidade.

Ayrton Senna era rápido demais. Isso é que o tornava perigoso.

Mais do que a desclassificação, previsível, de Suzuka ou a pesada sanção, o que provocou um verdadeiro choque a Ayrton foram as justificações da FIA para tão severa pena.

Esse processo de intenções, que colocava em causa tudo o que ele defendia e tudo pelo qual tinha tão afincadamente trabalhado desde as tardes passadas à chuva num kartódromo de Interlagos, foi encarado, como um inaceitável ataque pessoal.

Esse era o crime de Ayrton Senna, que estava longe de ser uma santidade e que naturalmente cometia excessos e atropelos, como aliás todos os outros pilotos. Ayrton Senna era colocado a ferros por ter cometido um excesso, como explicou Balestre na sua palestra, o chamado excesso de velocidade.

O piloto ficou tão chocado e indignado que quis retirar-se imediatamente da competição e voltar ao Brasil. Foi preciso Ron Dennis e o seu círculo mais próximo de amigos convencerem-no a estar presente no último Grande Prémio do ano na Austrália. Um argumento terá sido decisivo. «Não desistas Ayrton, isso é precisamente o que eles querem».

No quase fúnebre final do mundial de 1989 em Adelaide, Ayrton convocou uma longa, emocionada e ressentida conferência de imprensa, onde fez da sua defesa um manifesto sobre o automobilismo desportivo.

Vale a pena recordar alguns dos pungentes desabafos: «Passei por momentos muito difíceis nos últimos dias, mas penso que é nos momentos difíceis que a nossa personalidade vem ao de cima e as nossas forças ficam ainda mais fortes. Pensei em bater com a porta, voltar para casa e não estar presente aqui na Austrália. O que aconteceu em Suzuka foi injusto, irrealista e só aconteceu porque as pessoas que têm o poder quiseram que acontecesse.

Depois disso, fiquei a pensar porque continuo fazendo isso quando não estou a ser justamente tratado. Mas a competição está-me no sangue e sei que a situação que enfrentamos só me motiva ainda mais para lutar contra a injustiça e para provar que aquilo que faço tem valor. Farei aqui, exatamente o mesmo que fiz toda a minha vida e vou pilotar da forma que eu considero ser certa. Se a minha licença me for tirada, então provavelmente os valores que me mantêm competindo na F1, irão com ela, e não voltarei à F1 nunca mais. Mas eu recuso virar as costas à luta. Essa é a minha natureza. Vou lutar até ao fim, aconteça o que acontecer, qualquer que seja o custo, para que de uma vez por todas seja trazida justiça para o nosso desporto. Sou um profissional, mas também um ser humano e os valores que tenho na minha vida são mais fortes do que os desejos de outras pessoas em influenciar ou destruir esses valores.

O desporto automóvel é perigoso e quando estou arriscando a minha vida, juntamente com os outros pilotos, é justo colocar todo o ónus do perigo no ombro de um só homem?».

Estas declarações deixaram Jean Marie Balestre de orelhas a arder e pronto para um braço de ferro que se prolongaria até ao início da temporada seguinte. Houve uma parte da conferência de imprensa de Senna que Balestre anotou com especial cuidado: «O que assistimos hoje é a uma verdadeira manipulação do campeonato do mundo.»

Nas ruas de Adelaide, sob um dilúvio de grandes proporções, Ayrton Senna terminou a prova na traseira do Brabham do seu velho rival da F3, Martin Brundle. Alain Prost retirou-se da corrida no final da primeira volta, depois de ter sido batido no arranque por Senna, considerando inaceitável risco de segurança que os autênticos lagos na pista constituíam.

O conturbado Campeonato do Mundo de F1 de 1989 chegava ao fim e estava desfeita aquela que foi, provavelmente, a melhor e mais lendária dupla de pilotos da história da F1. Prost terminava o campeonato com uma vantagem de 16 pontos sobre Senna, diferença que não traduz a superioridade do brasileiro em pista. «Não foi Prost que ganhou o Mundial, foi o Ayrton que o perdeu», resumiu o inevitável Piquet.

Mas, a verdade, é que o Campeonato do Mundo de F1 não é uma prova de sprint. É uma maratona de regularidade e ao não terminar seis Grandes Prémios, por erros próprios ou falhas mecânicas, Senna perdera o campeonato para um piloto que raramente cometia erros.

O francês estava de malas aviadas para a Ferrari e Ayrton temia que com ele levasse segredos técnicos da McLaren. Não foi preciso. Os milhões de liras da Ferrari não precisam de comprar segredos, compram os autores das fórmulas e a scuderia contratou também Steve Nichols, o americano que havia desenhado o McLaren MP4/4 e tentou ainda levar Jo Ramírez, o manager desportivo da equipa, contratação que foi frustrada por mais um punhado de libras e um imbatível argumento de Ron Dennis: «Jo, o sangue que te corre nas veias é vermelho e branco, é da McLaren.»

Mas, a verdade, é que o Campeonato do Mundo de F1 não é uma prova de sprint. É uma maratona de regularidade e ao não terminar seis Grandes Prémios, por erros próprios ou falhas mecânicas, Senna perdera o campeonato para um piloto que raramente cometia erros.

Para a Prost, terminava «um ano de pesadelo em que venci o campeonato contra a minha equipa», o francês estava livre de Senna, livre para ir infernizar a vida de Nigel Mansell na Ferrari.

Quanto a Ayrton, mesmo com Prost fora da equipa que convertera em sua em menos de 18 meses, a querela ainda não tinha terminado. Prost deixara de ser um mero rival na equipa, era agora um inimigo a abater.

+* Excerto do livro “A Paixão de Senna” de Rui Pelejão, Oficina do Livro 2014

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