“O uso incorreto de um híbrido plug-in não é um desastre ambiental”, diz Henrique Sánchez da UVE

25/11/2020

Estudo europeu acusa os veículos híbridos plug-in de serem o novo “dieselgate”. Henrique Sánchez, presidente da UVE, admite que a indústria possa estar perante um “caso de polícia”, mas recusa a ideia de que estes modelos sejam um “desastre ambiental”.

Um estudo europeu da Federação Europeia de Transportes e Ambiente, revelado na segunda-feira, caiu como uma bomba na indústria automóvel. Estará a Europa a braços com um novo dieselgate com os veículos híbridos plu-in, como sugere o relatório no seu próprio título? As reações não se fizeram esperar e a Associação Zero classifica estes modelos como um “desastre ambiental” e defende o fim dos apoios do Estado à sua aquisição. Em entrevista ao Motor 24, Henrique Sánchez, presidente da Associação dos Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) admite que a Europa possa estar perante um novo “caso de polícia”, mas rejeita que os híbridos plug-in (e a sua eventual incorreta utilização) sejam o mau da fita.

Que comentário lhe merece o estudo europeu e o alegado “desastre ambiental” dos híbridos plug-in?

O relatório da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E – Transport & Environment) sobre os veículos híbridos plug-in publicado este mês de novembro com o título: “Híbridos Plug-in: Está a Europa a caminho de um novo dieselgate?” no original, “Plug-in Hybrids: Is Europe heading for a new dieselgate?” levanta um conjunto de questões que têm que ver com a fiabilidade e a transparência dos valores de emissões que as marcas referidas anunciam. Aliás o título é muito sugestivo e indicativo, podemos estar perante um novo escândalo através da manipulação dos valores das emissões publicitadas. Será, a confirmarem-se as suspeitas da T&E, um caso de polícia. A T&E foca-se numa utilização ineficiente do veículo híbrido plug-in que embora podendo existir não é a utilização para a qual os híbridos plug-in foram concebidos.

Uma comparação possível será com um veleiro. Um veleiro também é um veículo híbrido: funciona com as velas e a energia eólica e também tem um motor de combustão interna. Se alguém decidir usar o veleiro para navegar arraiando as velas e navegando com o motor de combustão não estará a dar o uso correto a este tipo de veículo. O veleiro tem velas para navegar e um motor de combustão para manobras de entrada/saída de uma marina ou de um porto ou para situações de emergência. Se navegar apenas com o motor a combustão estará na mesma situação de um utilizador de um veículo híbrido plug-in (PHEV) que só conduz com o motor de combustão interna – estará a dar uma utilização incorreta e ineficiente.

No extremo será o mesmo que alguém comprar um burro e uma carroça, colocar o burro em cima da carroça e começar a puxar a carroça com o burro sentado na mesma. Será eficiente?

“Os veículos híbridos plug-in têm sido a porta de entrada para os 100% elétricos”

A Associação Zero, por exemplo, defende o fim dos benefícios fiscais para estes veículos. Qual a posição da UVE?

O Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, mais conhecido como Incentivo à Aquisição de um Veículo Elétrico, atribuído pelo Fundo Ambiental, são incentivos exclusivos para veículos 100% elétricos, estando excluídos os veículos híbridos plug-in. Os benefícios fiscais dividem-se em duas grandes áreas, uma de benefícios exclusivos aos veículos 100% elétricos: Isenção do Imposto sobre Veículos (ISV), Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC) e são comuns aos particulares e às empresas, outra onde se incluem os veículos 100% elétricos e os veículos híbridos plug-in, exclusivos para as empresas e que incluem a Dedução do IVA e a Poupança em sede de IRC, com valores máximos de aquisição para os híbridos plug-in de 50.000€ (+IVA) e para os 100% elétricos de 62.500€ (+IVA).

Assistimos a um aumento exponencial das autonomias dos veículos 100% elétricos e das Redes de Carregamento (quer em quantidade, quer em velocidade de carregamento, com a consequente diminuição dos tempos de carga), começando a deixar de existir muitas das legítimas preocupações de quem adquiria este tipo de veículos, razão pela qual a UVE defende que os benefícios fiscais sejam gradualmente transferidos dos veículos híbridos plug-in para os veículos 100% elétricos, favorecendo e acelerando cada vez mais a eletrificação do parque automóvel em Portugal. Esta transformação continuará a ser um processo gradual que deve ter sempre presente a aceleração da transição energética. Note-se que esta transição dos benefícios que defendemos, contribuirá naturalmente para que os veículos híbridos plug-in tenham menos propensão a ser adquiridos por razões de índole mera ou exclusivamente fiscal, o que inequivocamente também potenciará um uso mais correto e eficiente dos mesmos.

“Desastre Ambiental” será o naufrágio de um petroleiro ou a explosão de uma plataforma de uma exploração petrolífera off-shore”

Na sua opinião, os híbridos plug-in podem ser um primeiro passo para a aquisição de um veículo elétrico?

Claro que sim, os veículos híbridos plug-in têm sido a porta de entrada para muitas famílias que não encontravam uma resposta às suas necessidades, quer em termos de espaço interior, número de ocupantes, capacidade de carga ou autonomias disponíveis no mercado, e iniciaram a sua eletrificação com a aquisição de um híbrido plug-in. Através da sua correta utilização, utilizando o modo elétrico nas suas viagens pendulares casa/trabalho durante a semana e recorrendo ao motor a combustão para as viagens de férias ou de fim de semana, puderam confirmar as grandes vantagens da condução em modo elétrico em detrimento da utilização com o motor de combustão interna, além dos menores custos de utilização e manutenção em termos de oficina e peças.

O passo seguinte é quase sempre a passagem do veículo híbrido plug-in para o veículo 100% elétrico, é uma questão de fazer contas, mas também de preocupações ambientais a que todos nós estamos muito mais despertos nesta fase de pandemia da covid-19.

Em resumo, os veículos híbridos plug-in são um passo importante e uma porta de entrada para a mobilidade elétrica, para um número cada vez maior de utilizadores, sempre e quando lhe seja dada a utilização para a qual ele foi concebido. Tudo o resto, alterações de valores de emissões, informação incorreta, imprecisa ou negligente são casos de polícia e como tal devem ser tratados.

“Desastre Ambiental” será o naufrágio de um petroleiro ou a explosão de uma plataforma de uma exploração petrolífera off-shore e não tanto o uso por vezes incorreto ou ineficiente de um veículo híbrido plug-in, como nos fizeram crer.