Ensaio Aston Martin Vantage: Obrigadinho São Pedro!

11/04/2018

A serra algarvia e o Autódromo de Portimão seriam os palcos ideais para tomar a rédea do novo Aston Martin Vantage, não fosse a chuva a obrigar a cuidados redobrados. Afinal, 510 cv e tração traseira não são para brincadeiras à chuva.

São Pedro e a lei de Murphy juntaram-se para me tramar. No preciso dia em que fui guiar o novíssimo Aston Martin Vantage, na espetacular serra algarvia (do ponto de vista das estradas) e no Autódromo Internacional do Algarve (o Nürburgring português) choveu a cântaros. Ali estava eu, com um superdesportivo de 510 cv e tração atrás, com ordem para matar… a gasolina e os pneus. Prontíssimo a sair das boxes do circuito de Portimão… e os limpa para-brisas no máximo. Não adianta lamuriar: é abrir bem os olhos e arregaçar as mangas!

Primeiro, umas voltas com um instrutor ao lado, que me relembrou alguns dos truques da pista como a trajetória da curva 10: “apontas para o posto de comissários, travas tarde e depois viras tudo para a direita.” Seria fácil, se a curva não fosse em lomba, sem se ver a saída. O circuito de Portimão é uma verdadeira montanha russa, que exige muito conhecimento, por isso os pilotos profissionais tanto a elogiam, as mais variadas equipas a utilizam frequentemente para testes e as marcas de automóveis mais corajosas lá metem jornalistas a experimentar os seus novos modelos. Felizmente já passei algumas horas nesta pista, o único sentimento que me reconfortava, num dia como este.

Finalmente o novo Vantage

O novo Vantage substtiui o antigo, que estava no mercado há 13 anos, o próprio Andy Palmer, CEO da companhia, confessa que o carro esteve à venda o dobro do tempo que devia ter estado. Mas não havia dinheiro para fazer uma nova plataforma até os acionistas – duas famílias do Kuwait, uma de Itália e os 5% da Daimler – abrirem os cordões à bolsa. O novo Vantage partilha a nova plataforma em alumínio com o DB11 e com todos os próximos modelos da Aston Martin, incluindo um carro de motor central, para dar luta ao Ferrari 488 GTB e um SUV, para não deixar o Lamborghini Urus sozinho no segmento.

A associação à Mercedes-AMG permitiu à Aston Martin usar toda a arquitetura elétrica e eletrónica alemã, o sistema de multimídia e o V8 biturbo do AMG GT S. Mas não foi só meter no contentor em Estugarda e desembrulhar quando chegou a Gaydon. A maior diferença é que a AM usa o V8 com cárter húmido e não seco, poupando assim o espaço de um depósito de óleo de seis litros e as respetivas tubagens. Claro que o motor fica mais alto que no AMG GT S, para compensar é colocado o mais recuado possível. São mantidos os dois turbocompressores paralelos montados no centro do “V” mas a ECU foi afinada para debitar uma curva de binário sempre a crescer até perto do corte. A admissão também foi modificada, em geometria e obriga a uma bossa no capot do Vantage, não é só estética. A relação final de transmissão é mais curta que no DB11 e, claro que o escape também foi modificado, tanto no percurso como no som, que foi afinado com válvulas, para lhe dar tonalidades diferentes nos três modos de condução. Aqui, nenhuma parte do som vem dos altifalantes, é tudo verdadeiro.

A plataforma continua a ser de alumínio, mas tem peças menos volumosas, para libertar mais espaço no habitáculo, sobretudo o túnel central, que é muito mais baixo. A rigidez torcional subiu 23%, o tejadilho é em fibra de carbono, mas a maioria dos painéis da carroçaria são em alumínio, exceto alguns em plástico. O “layout” mecânico é o clássico na marca, com motor à frente, o mais recuado possível, unido por um veio de carbono à caixa de velocidades, que está junto do diferencial traseiro, para assim garantir uma distribuição de pesos de 50% por eixo. A caixa de série é uma automática de oito relações feita pela ZF. Mais tarde vai existir a opção de uma caixa manual, para os fundamentalistas.

O “layout” mecânico é o clássico na marca, com motor à frente, o mais recuado possível, unido por um veio de carbono à caixa de velocidades, que está junto do diferencial traseiro

A maior novidade técnica é o E-Diff, um diferencial eletrónico que consegue fazer variar a percentagem de bloqueio entre 0 e 100% em milésimos de segundo. É o primeiro Aston Martin a ter isto, que várias outras marcas já usam.

Aston Martin sem grelha

Antes de saber tudo isto, o que qualquer pessoa pode avaliar é o estilo. E muitos potenciais compradores, especialmente os mais antigos clientes da marca, têm torcido o nariz, sobretudo à frente do carro, sem a tradicional grelha. Foi uma opção para tornar o Vantage mais radical que os outros modelos, mas também se poupa em peso na frente. Se procurar uma imagem do hiperdesportivo Vulcan, um carro que a Aston Martin fez para ser usado apenas em “track days”, vai perceber de onde vem a inspiração. Já o perfil e a traseira são bem mais harmoniosos, bastando olhar para o DB10, feito em exclusivo para James Bond usar no último filme Spectre, para perceber a influência. O estilo andou de mãos dadas com a aerodinâmica, como se pode ver pelo enorme “splitter” dianteiro, pela tampa da mala em forma de cauda de pato ou pelo volumoso extrator traseiro, que a marca afirma ser dos poucos a realmente gerar “downforce.” Para realçar o feito, há a opção de ter algumas partes pintadas em verde lima.

Já o perfil e a traseira são bem mais harmoniosos, bastando olhar para o DB10, feito em exclusivo para James Bond usar no último filme Spectre, para perceber a influência

Mas voltando ao interior do Vantage e à pista de Portimão, as primeiras voltas com o instrutor, deram para perceber que a posição de condução é muito baixa, mas bem integrada com o volante, que tem uma forma quase quadrada e duas enormes patilhas metálicas fixas à coluna de direção, como eu gosto: não rodam com o volante. Pelo contrário, as posições PRND da caixa automática selecionam-se por botões na consola, o que não é prático nem fica bem num desportivo. Uma alavanca seria melhor. Pior é mesmo a consola, que está carregada de botões. A ideia era tirar alguns comandos do sistema de multimídia e passar a botões que pudessem ser acionados quase sem olhar para eles, depois de se lhes ganhar familiaridade. Mas são demasiados. O habitáculo tem apenas dois lugares, atrás dos bancos há espaço para largar uns casacos e a consola central é o único sítio para levar objetos, pois não há porta-luvas e as bolsas das portas são mínimas. Pelo menos a mala tem acesso por um grande portão e leva 370 litros de carga, o que não é nada mau.

Chuva e sol

Na segunda ida para a pista, os homens da AM deram-me livre-trânsito para ir sozinho e experimentar o que entendesse, e há muito para experimentar. No volante está um botão à esquerda para regular o amortecimento em três níveis, do outro lado outro botão para regular a resposta da linha motriz, ou seja do, acelerador, da caixa, do ESP e do diferencial, nos mesmos três níveis, que são Sport, Sport+ e Track. Algures na consola está o botão do ESP, que se pode regular também em três níveis: on/Track/off. Todos juntos estariam melhor.

Depois de umas voltas com a linha motriz em S+, que se mantém alerta como um zeloso anjo da guarda, mas que, por ser anjo não permite muitas diabruras, passei para o modo Track, mas deixei a suspensão em modo S: com tanta chuva na pista, era bom ter alguma inclinação lateral, para colocar mais peso sobre os Pirelli P Zero, feitos de propósito para o Vantage. O curso longo do acelerador ajuda a dosear os 510 cv e os 685 Nm, que estão a postos desde as 2000 rpm, o que dá jeito quando a aderência é tão baixa.

Quando o pedal chega ao fundo, já o V8 vai a gritar de uma maneira como nunca o vi fazer no AMG GT S, não que seja mais alto, mas o som é mais metálico, menos grave, mais agudo e as fulgurantes passagens de caixa são acompanhadas por umas detonações fabulosas.

Quando o pedal chega ao fundo, já o V8 vai a gritar de uma maneira como nunca o vi fazer no AMG GT S

O embalo da velocidade é irresistível, mesmo com tanta chuva, mas na primeira travagem forte percebo que os travões de cerâmica vão demorar um pouco a aquecer e a darem o seu melhor. O que não espera para brilhar é o equilíbrio do chassis.

O Vantage entra em curva com uma certeza taxativa, sem deixar a frente escorregar, a não ser que o condutor tenha “uma branca” e se esqueça que a pista parece um rio. Mas o binário está lá sempre à espreita, por isso a reaceleração tem que ser feita com conta peso e medida, para que a traseira não derive mais do que o planeado. Com o ESP em modo Track, o Vantage atravessa-se em ângulos bastante generosos, mostrando a confiança que os engenheiros da marca têm na facilidade de controlo, mesmo quando as rodas da frente já apontam para o lado errado da curva, para agarrar o “powerslide”.

Em nenhuma situação o Vantage fez alguma coisa que não estivesse à espera, mas a verdade é que estava à espera de tudo. Fazer contrabrecagens em molhado, a 160 km/h, não faz parte dos meus hábitos diários. Mas a verdade é que nunca cheguei perto dos rails, o que diz muito sobre a facilidade de controlo do carro.

Fazer contrabrecagens em molhado, a 160 km/h, não faz parte dos meus hábitos diários

Desde que se domine a ânsia do pé direito e se mexa os braços com rapidez, tudo acaba em bem. Mesmo com o velocímetro a marcar 240 km/h, no final da reta da meta. Claro que se pode ir um passo mais além e desligar por completo o ESP (tinha que o fazer, por zelo profissional, claro…) mas com tanta água, o ritmo acaba por diminuir, pois retirada a rede de proteção, este exercício de equilibrismo no arame tem outras consequências, se correr mal. Pelo menos antes de gastar mais umas valentes voltas a recalibrar os sentidos, mas não havia tempo para isso. Até os profissionais dizem que são mais rápidos com o ESP em Track que em off, quando o céu desaba sobre o tejadilho de carbono. Por isso…

Lutar contra o Porsche

Paro o Vantage na pista, desligo o motor, tiro o capacete e respiro fundo. A seguir vem o teste de estrada, menos radical que este, mas mais realista. Felizmente a chuva para, o vento nem por isso e como consequência a estrada da serra seca depressa.

Em estradas secundárias, o Vantage parece maior, mais largo, mas não demora a ganhar-se confiança para lhe explorar as qualidades dinâmicas. A suspensão sente-se firme sobre as irregularidades, como é óbvio, mas basta aumentar o ritmo para a fazer funcionar e perceber que as rodas não perdem contacto com o asfalto.

Se a estrada for boa, até se deve usar o nível S+ e se for muito boa, tentar o Track: está tudo à distância de um “click”. Em seco, é possível analisar melhor os travões, que no carro que guiei na estrada eram de aço e se mostraram fortes, resistentes e moduláveis; e o chassis. A resistência à subviragem continua a impressionar, mas agora é o diferencial eletrónico, a vetorização de binário e o ESP desligado que proporcionam vários tipos de atitude, à escolha do condutor. É possível guiar muito depressa e com as quatro rodas sempre bem agarradas à estrada, mesmo nas saídas das curvas lentas, onde a tração é muito boa. Mas também é possível exagerar com o acelerador e terminar quase todas as curvas com o carro mais ou menos atravessado. Sente-se uma ligação muito íntima entre as rodas e o condutor, sem filtros, o que permite reagir em tempo real a tudo o que está a acontecer entre os pneus e a estrada. São dois tipos diferentes de diversão. Eu gosto de ambos.

Veredicto

Face ao anterior Vantage, a nova geração é incomparavelmente melhor. Ter um motor Mercedes-AMG nunca pode ser visto como uma heresia, tendo em conta que o anterior Vantage usava um V8 feito pela Ford. Passar de atmosférico para biturbo também só trouxe vantagens, desde logo nas prestações, muito mais impressionantes. De resto, o equilibrio dinâmico é muito mais refinado e mais recompensador, para quem gosta de guiar realmente depressa, numa estrada de montanha deserta ou numa pista. Os engenheiros da AM dizem que passaram dias a guiar o Porsche 911 GTS e que o seu objetivo era fazer um Vantage semelhante. Para mim falharam na única questão que não podiam resolver: não ter quatro lugares, um exclusivo do DB11, um carro com um caráter diferente. De resto, e esquecendo por momentos que o Aston Martin é mais caro, o Vantage tem argumentos mais do que suficientes para encantar quem decidir passar da Porsche para a Aston Martin.

FICHA TÉCNICA

Aston Martin Vantage

Motor V8 biturbo, longitudinal, central/dianteiro

Cilindrada 3982 cm3

Potência 510 cv/6000 rpm

Vel. Máx. 314 km/h

Aceleração 0-100 km/h 3,6 segundos

Consumo médio 10,5 l/100 km

Emissões CO2 254 g/km

Peso 1530 kg

Bagageira 350 l

Preço 213 919 euros

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.