Soichiro Honda era apologista da máxima de que “a Honda não existe sem competição” e foi com essa mesma convicção que o criador da marca japonesa a levou para a Fórmula 1, na qual alcançou muitas glórias e exacerbou a sua notoriedade mundial (mesmo que nos tempos mais recentes a expressão ‘glória’ esteja algo afastada do léxico da marca naquela modalidade). É também com essa filosofia de aplicação de soluções mais extremas em veículos de produção que nasce a sigla Type R com o NSX em 1992.
Ao cabo de 25 anos, o novo Civic Type R acaba por ser uma prova muito real das capacidades técnicas e do empenho da marca na realização de desportivos com um carácter muito especial depois de alguns anos em que esta faceta foi quase extinta.
Se quisermos aplicar uma terminologia de uma saga televisiva que dispensa apresentações, o Civic Type R é um forte aspirante ao ‘trono de ferro’ do segmento dos desportivos compactos de altas prestações, naquela que é uma alusão à Guerra dos Tronos. Tem muitos rivais na luta por esse mesmo trono, mas a Honda não deixou nada ao acaso na conceção deste seu modelo. O empenho na obtenção dessa liderança é evidente ao primeiro olhar.
Se na apresentação internacional na Alemanha – com passagem por circuito – já se tinha ficado com excelente impressão das capacidades dinâmicas do novo Type R, a convivência diária com esta ‘máquina infernal’ apenas confirmou as suspeitas: quem vier a seguir terá tarefa muito difícil para batê-lo em duelo. Porque, por enquanto, este modelo coroado como o tração dianteira mais veloz de sempre a cumprir uma volta no ‘inferno verde’ (já percebem o termo ‘infernal’?), assume-se também como o rei no segmento.
Bons genesApós a apresentação, tinha-se ficado com a ideia de que este novo Civic mostrava a forma como na Honda o prazer de condução ainda é um tema muito querido. A responsabilidade está, em grande parte, no novo chassis para a décima geração do Civic, que se no modelo normal já é de elevadíssima competência, aqui só se lhe podem tecer elogios reforçados.
A nova carroçaria é 16 kg mais leve e a rigidez foi muito reforçada. A marca aponta uma melhoria de 38% face ao anterior desportivo, o que é um registo de grande importância, como se verá mais adiante. Depois, detalhes relevantes como o centro de gravidade mais baixo (permitindo também que o condutor fique posicionado mais perto do solo, como nos antigos EG (1992-1995) e EK (1995-2000)) e um esquema de suspensão redesenhado, que tem especial importância na forma ridiculamente eficaz como a traseira parece efetuar exercícios de precisão em curva.
E que diferença face ao anterior Civic Type R: este novo modelo entra e sai preciso da curva, oferecendo ao condutor um nível de confiança tremendo, muito por culpa da suspensão dianteira reforçada MacPherson que fornece uma rigidez lateral elevada e ao esquema de suspensão independente atrás que substitui a anterior de barra de torsão (inviabilizando assim o esquema de bancos mágicos no interior). A vetorização de binário, que corta a potência nas rodas interiores em curva também tem o seu quinhão de responsabilidade neste aspeto.
Mas, quanto a nós, embora seja muito complicado de gerir em cidade ou vias com o piso muito degradado ou empedrado, o modo ‘R+’ é perfeitamente utilizável em autoestrada ou nacionais mais estimadas, havendo obviamente uma maior noção de que até mesmo as linhas tracejadas pintadas no asfalto se sentem a bordo (afinal de contas, é 15% mais firme do que no modo ‘Sport’). Para quem procura eficácia no comportamento e conforto apreciável, o modo intermédio ‘Sport’, ativado por defeito, é sempre exímio, combinando suavidade e firmeza para uma atuação entusiasmante.
Autor do livro “Conduzir depressa para totós“
Se existisse este livro, o Civic Type R poderia bem ser o seu autor. A já referida confiança faz com que seja possível andar depressa – em reta e em curva – com confiança e com alguma gestão perdulária do chassis e suspensão quando se é demasiado otimista. Claro, não faz magia perante os limites do próprio condutor. Mas ajuda sobremaneira a extrair muita diversão ao volante e nisso este Civic Type R é quase imbatível. A traseira não se solta com facilidade e segue a liderança da dianteira sobre carris, os mesmos que, sendo imaginários, nos levam a efetuar passagens em curva com elevada velocidade, até porque a carroçaria exibe uma ausência de rolamento que é determinante para o efeito nos modos ‘Sport’ e ‘+R’. Aliás, as transferências de massas deste Civic são tão bem feitas que, ‘espremido’ em traçados sinuosos, pensa-se que é um primo muito próximo de um carro do campeonato de turismos. No modo ‘Comfort’ é mais amigo, mas aqui sobressai também pela direção mais leve e pela resposta do acelerador menos vincada.
Nos dois modos mais desportivos, há uma ‘urgência’ evidente do motor 2.0 Turbo de 320 CV e 400 Nm de binário a subir de ritmo, com uma correspondência quase sem atraso entre a maior pressão no acelerador e a resposta do motor. Mesmo que os ganhos na potência (mais 10 CV) e no binário sejam reduzidos, este é um bloco que acelera de forma enérgica e pujante, numa aliança muito competente entre o turbocompressor e o sistema de injeção, sendo de enaltecer a ‘homenagem’ ao seu passado atmosférico pelo facto de ter a sua potência máxima disponível às 6500 rpm. Sim, num motor turbo…
O Civic Type R curva de forma impressionante, demonstrando exercícios de precisão na sua trajetória em sintonia inabalável com o condutor.
Com o piso molhado ou húmido a situação apenas se adensa, mas acaba por ser uma limitação natural de carros de tração dianteira, sendo ainda assim muito eficaz a curvar nessas condições, porque o trabalho do conjunto chassis e do autoblocante mecânico é exímio a reposicionar o carro no rumo certo. Nas estradas de Sintra, onde o Type R é uma delícia de conduzir, o piso coberto de folhas húmidas após a passagem da tempestade Ana torna a aceleração mais desafiante pelo revestimento ‘pastoso’. Mas, ainda assim, o controlo de estabilidade (que se pode desligar para maior entrosamento entre máquina e condutor) é acutilante. As rodas da frente patinam, mas nem assim se sente uma ‘luta’ com o volante porque o binário não é esbanjado pela direção.
Ou seja, não há ‘torque steer‘, algo que no anterior era percetível em condições semelhantes. O sistema de travagem com discos perfurados à frente (350 mm) e sólidos atrás (296 mm) da Brembo é outro ponto forte: mordaz e com um tato acertado do pedal do travão, ajuda o Type R a parar de forma lesta. Enorme eficácia! Naturalmente, tem limites, os quais não se devem ultrapassar, mas nem sequer é preciso chegar perto deles para sentir uma boa parte do potencial deste samurai vanguardista que terá no seu aspeto um dos seus principais pontos polarizadores.
Ame-se ou deteste-se
O interior também é um misto de sensações. O brilhantismo da posição de condução é secundado pelo conforto das bacquets desportivas com excelente apoio lateral. Apenas os materiais e alguns elementos de conceção destoam: na parte superior do tablier os materiais são de ótima qualidade, na parte inferior evidenciam a sua natureza de plástico mais rijo. De igual forma, a colocação das tomadas USB e AUX num patamar inferior da consola central – tal como sucede no HR-V – é pouco natural. De resto, vale a pena ‘barafustar’ contra a supressão do comando físico do volume do áudio que passa a estar em formato tátil no ecrã tátil central. É uma ‘guerra’ pessoal, admito, e não é caso único deste modelo ou marca. A passagem entre menus de instrumentação também é pouco prática, mas, por outro lado, tem modos específicos dedicados ao Type R, como a visualização das forças g, pressão do turbo ou luzes de redline…
Nota elevada ainda para a qualidade de construção a bordo (notável solidez) e para a habitabilidade. Com muito espaço atrás para as pernas e largura que permite até acomodar um terceiro passageiro (mas vão todos muito juntinhos…), é apenas a altura interior que limita um pouco as viagens de quem for de estatura muito elevada. Ainda assim, deve ser elogiado pela funcionalidade também de utilização diária, dispondo de uma bagageira que recebe 420 litros.
Na consola central, para os passageiros que não querem saber do ‘H’ vermelho no volante, está aquilo que a marca denominada de ‘centro de tecnologia’, com ecrã tátil de 7.0″ de base e sistema Honda Connect para controlar a climatização, áudio e outros elementos. O visor também está integrado com uma câmara de marcha-atrás. Oferece igualmente integração completa para smartphone através do Apple CarPlay e Android Auto.
Tem cartão de gasolineira? Não? Então faça um…
O nosso ensaio resultou numa média de 8,3 l/100 km, um valor que é ótimo quando se pensa que a marca anuncia 7,7 litros e que temos 320 CV e muitas sensações de adrenalina sob o pé direito. Porém, o que realmente importuna é o depósito de combustível com 46 litros que proporciona uma autonomia muito baixa, geralmente, na casa dos 500 quilómetros ou menos se se entusiasma numa estrada mais desafiante. Mesmo que não gaste muito em toadas calmas, irá muitas vezes ao posto de abastecimento, pelo que pode já tratar do cartão de aderente e estabelecer uma amizade com os funcionários.
Na versão mais equipada GT (49.900€), o Type R tem quase tudo o que seria desejável num carro deste nível, mas saiba que de série (46.900€), o Civic desportivo tem já uma componente muito forte de equipamento, nomeadamente em termos de segurança, com sistema de travagem atenuante de colisões (CMBS), avisador de colisão dianteira, reconhecimento de sinalização de trânsito (TSR), avisador de saída de faixa (LDW) e assistente de manutenção na faixa de rodagem ou cruise control adaptativo (i-ACC).
VEREDICTO
Muito resumidamente, o Honda Civic Type R é, neste momento, o melhor carro da sua categoria no que a modelos de tração dianteira diz respeito. O visual é espampanante e até dissuasor para alguns dos seus potenciais clientes, mas tudo o que o Type R apresenta é verdadeiramente executado para fins de aderência aerodinâmica, desde o splitter dianteiro às aletas laterais (antes das rodas dianteiras e traseiras), passando ainda pelo aileron traseiro de enormes dimensões (fantástico é o facto de, a partir do lugar do condutor, não ter qualquer influência na visão para trás), além de ter ainda uns curiosos geradores de vórtices aerodinâmicos no final do tejadilho.
Mas, olhe-se além da estética, e o que temos é um conjunto que prima pela sua eficácia e competência dinâmica, enormemente sublimadas por uma condução que entusiasma e que oferece ao condutor uma emoção de piloto disfarçada de condutor do dia-a-dia. Um ‘touring car‘ para o quotidiano, que pode ser dócil e uma ‘fera’ quando assim se deseja – emotivo e intenso. A integração entre motor 2.0 turbo, direção e chassis é sublime e deixa à vista a excelência de um desportivo compacto em que os únicos pontos menos positivos são detalhes secundários quando se está ao volante.
Se na linhagem dos Type R já há clássicos como o NSX, Integra ou o Civic (EP2 de 2001 a 2006), este novo Civic é corolário de uma constante evolução que o torna num líder que vai ser difícil de bater.
Mas não impossível porque a concorrência não dorme…
FICHA TÉCNICA
Honda Civic Type R 2.0 GT
Motor: Gasolina, quatro cilindros, injeção direta, turbo, intercooler
Cilindrada: 1996 cm3
Potência: 320 CV/6500 rpm
Binário máximo: 400 Nm/2500-4500 rpm
Tração: Dianteira
Suspensão dianteira: Esquema MacPherson de pivot duplo
Suspensão traseira: Independente multibraços
Caixa: Manual de seis velocidades
Aceleração (0-100 km/h): 5,7 segundos
Velocidade máxima: 272 km/h
Consumo médio: 7,7 l/100 km
Emissões de CO2: 176 g/km
Peso: 1380 kg
Bagageira: 420-1210
Pneus: 245/30 R20
Preço (base/ensaiado): 46.900€/49.900€
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