Fui levantar a Raptor à zona da Parque das Nações, em Lisboa, a meio de uma sexta-feira, dias antes do arranque do Portugal Mobi Summit 2019. Tinha passado meses a desenhar o evento, a procurar informação sobre mobilidade sustentável, a identificar oradores sobre temas como economia circular, transição energética ou mobilidade multimodal e confesso que o primeiro sentimento ao carregar no botão de start foi quase de traição.
O 2.0 biturbo de 213 CV e 500 Nm de binário máximo acorda com um ronco que deixa adivinhar as emissões de CO2 – 281 g/Km (WLTP). É um Diesel evoluído, com valores de consumo até bastante aceitáveis para o que lhe é pedido, mas não há milagres quando o que está em causa é mover duas toneladas e meia de pick-up. Mas, a história da inadaptação da Raptor ao mundo asséptico para que caminhamos não se faz apenas de consumos e emissões. Quem tenha memória sabe que a “moda dos jipes” já passou há muito, com atestado de óbito passado pelo ministério das finanças (ISV e ISP) e, já agora, pelo preço das portagens. Pois a Ford Ranger Raptor está feita à medida de quem não esqueceu.
Continuamos a gostar de conduzir uns bons centímetros acima do asfalto, mas agora chamamos-lhes SUV. Há anos que são os campeões das vendas. Bonitinhos, urbanos, racionais, de preferência com motorizações híbridas e alguns até com alguns tiques estéticos dos velhos TT, mas sabemos que vivem de aparências, que o mais a que podem ambicionar é subir um ou outro passeio ou estacionar naquele descampado fora do alcance da EMEL.
A Raptor é a antítese dessa moda. Transpira agressividade e eficácia a cada ângulo de visão. A grelha frontal remete-nos para o universo da pick-up campeã de vendas nos EUA, a Ford F-150, que também tem a sua versão Raptor. Do lado de lá do grande lago, o caso é mais sério, com um V6 Turbo a gasolina e 400 CV sob o capot, mas esta Raptor europeia cumpre bem o papel de ‘next best thing‘. É o mais próximo que podemos chegar das grandes pick-up americanas, sem recorrer à importação direta.
A Ford Ranger Raptor não engana ninguém. Não é preciso ler a ficha técnica, basta olhar com atenção. Ver a distância ao solo, as vias 15cm mais largas, espreitar para as cavas das rodas – jantes 17’’ com uns massivos BF Goodrich All-Terrain T/A KO2 de 33’’ – ver os triângulos de suspensão redesenhados e sobredimensionados, e imaginar o que podem fazer os conjuntos coil-over da Fox Racing. Uma suspensão de longo curso, inspirada na competição que é, provavelmente, o principal trunfo desta Raptor quando a levamos a passear por maus caminhos.
Passei as primeiras horas com a Raptor em ambiente urbano. Não é, em definitivo, a praia dela. São quase 5,5m de comprimento, é um pesadelo para encontrar estacionamento e o asfalto molhado, como era o caso, não é amigo dos BF de 33’’, sobretudo em rotundas. Dito isto, não se vive mal dentro da Ford Ranger Raptor. As bacquets dianteiras são confortáveis, a lista de equipamento é bastante completa, com todos os dispositivos de segurança costumeiros hoje em dia e há também bastante espaço para quem seguir no banco traseiro. Por uma factura de 64.000€, ainda assim, pedia-se um outro tipo de plásticos nas portas e em boa parte do tablier – tirando o revestimento do topo, são exactamente os mesmos plásticos rígidos, de carro de trabalho, que encontramos em qualquer outra Ranger.
Saindo do asfalto, esta Raptor está em casa e os limites são muito elevados. Seja em trilhos mais técnicos, com lama ou pedra, ou em troços mais rápidos, esta pick-up mantém-se sempre eficaz e tranquila. O sistema de Gestão de Terreno adapta a resposta do acelerador, da caixa automática de 10 velocidades – consegue a proeza de manter o 2.0 biturbo sempre no regime ideal – e da suspensão aos diferentes tipos de piso. O sistema tem seis modos: Normal, Sport, Grass/Gravel/Snow, Mud/Sand, Rock e Baja. Este último podia perfeitamente chamar-se “Race” ou “Fun”. O 2.0 ganha um novo fôlego, a caixa esquece-se que é automática e passa de relações como se fosse uma caixa sequencial de competição e a suspensão fica pronta para saltos e estradões de terra a alta velocidade.
VEREDICTO
Justificam-se os quase 64.000€? Bem, depende de como encararmos a compra. Esta Raptor é um brinquedo, muito caro, mas um brinquedo. Por outras palavras, os 64.000€ só terão justificação em casos de fãs de TT absolutamente hard-core. Se o que procura é um SUV, procure noutro lado. Sai mais barato.
Paulo Tavares/TSF