Os Morgan são símbolo de excentricidade, de design icónico e de misticismo entre os roadsters desportivos. Mas serão uma opção minimamente racional? Foi o que fomos descobrir ao volante do novo Plus Four.

A Morgan representa uma forma diferente de ser desportivo, mais exótica, exclusiva e até audaz. Foi sempre assim, desde a fundação da marca, em 1910. Com uma forte herança motociclística, os produtos deste construtor sempre se demarcaram dos demais e, dentro de um espírito tipicamente britânico, foram pensados para cruzar as infindáveis e verdejantes estradas rurais do território de Sua Majestade. Por isso, reduzem-se ao essencial, mas sempre com toques de requinte, pois o que interessa é desfrutar da condução, da paisagem… e da companhia.

Em 111 anos de história o Mundo evoluiu, mas a Morgan parecia querer resistir estoicamente aos efeitos do tempo, patente na manufatura artesanal dos seus produtos – e daí o seu preço tão elevado – e na tecnologia arcaica que estes incorporavam. Ainda há pouco ensaiei um Morgan Plus 8, de 1998, e além do vetusto bloco 3.9 V8 EFI, de origem Rover (na realidade da GM-Buick), as soluções de suspensão ainda contemplavam duplos braços com ‘pilar deslizante’ na dianteira e eixo rígido com molas de lâmina na traseira.

Esta postura talvez tenha tido os seus custos na sedução a clientelas mais jovens, mas a verdade é que os Morgan sempre vingaram em manter o seu charme e exclusividade, e com isso o seu valor de mercado. E basta contemplar as cotações de exemplares da década de 1980 e ’90 para percebermos precisamente isso.

Moderno, mas com a mesma fleuma

Hoje, a Morgan já não está nas mãos da família Morgan. Em 2019 foi comprada pela InvesIndustrial, com a família a manter uma participação minoritária. Uma forma de assegurar o espírito do seu fundador, Henry Morgan, e de perdurar os valores, técnicas e know-how tradicionais de uma empresa que, ainda hoje, emprega somente 246 colaboradores.

A transição tecnológica foi-se dando ao longo do tempo, sobretudo com o Aero 8 de 2000, de design bem fluido, mas mais recentemente com o Plus Four. Manter os traços clássicos de modelos passados integrando a mais recente tecnologia foi algo que os criativos da Morgan lograram com muita mestria. Exemplo disso é que, no lugar do obsoleto chassis de longarinas em aço, este modelo integra uma moderna plataforma em alumínio, usando cola estrutural e rebitagem em vez de soldadura. Mas perdura o esqueleto de madeira na zona posterior da carroçaria, uma técnica tão querida da marca, designado de CX-Generation. Esta combinação de moderno com tradicional permitiu manter o caráter light weight (1013 kg) e garantir uma rigidez em torção incomparavelmente superior.

O Plus Four (ou ‘+4’) nasceu em 1950, e tal é a fidelidade das suas atuais linhas, face aos antepassados, que poucos são os pormenores – apenas faróis em LED e alguns indicadores digitais – que o denunciam como sendo um automóvel bem do século XXI.

A posição de condução mantém-se leal ao bom estilo de roadster: baixo, mas cómodo. O volante tem ajuste vertical (não em profundidade), e só é pena que não se consigam mais dois dedos em altura para se atingir a perfeição. Já a regulação do retrovisor do lado do passageiro é uma ciência que cedo desistimos de tentar dominar.

O legado britânico é vincado pelo habitáculo revestido a pele e pelas superfícies de mogno tratado em verniz mate – consola central e tablier. O design é relativamente simples, mas os detalhes preciosos e o resultado deslumbrantemente requintado. Até os bancos aquecidos e ar condicionado fazem parte da ementa. A ergonomia pode não ser perfeita, mas há sentido prático e conforto, pelo que não é defeito, mas sim feitio. E coabitar com um roadster deste calibre sempre requer uma certa atitude…

A denominação do modelo (Plus Four, Plus Six, Plus 8) sempre denunciou o número cilindros do seu motor, e este caso não é exceção. O botão start ao centro do tablier dá vida a um suave mas enérgico rugido do 2 litros TwinPower Turbo de origem BMW. Será que este se integra bem na alma deste roadster? É que ao longo de décadas já passaram sob este capot unidades quadricilíndricas da Standard Vanguard, Triumph, FIAT, Rover e Ford, mas nunca um propulsor turbo.

É relativamente fácil perceber quando atingimos os seus limites, residindo aí uma parte importante do prazer que oferece.

Mas deixemo-nos de filosofias, porque o grande atributo que este ‘inquilino’ germânico traz ao Plus Four é a pura rapidez. Apesar dos seus 255 CV, não há brutalidades e progressividade is the name of the game. Mas o que dizer de uma aceleração de 0 a 100 km/h em somente 5,2 segundos? Categórico, no mínimo. Ao longo dos quilómetros fui interiorizando o conceito de ‘rapidez subtil’: no acesso a qualquer estrada mais larga ou AE, e após engrenar descontraidamente 3ª, 4ª e 5ª, o velocímetro já acusava uns pouco esforçados 170 km/h, e ainda faltava a 6ª… Adicionalmente, nas voltas citadinas o binómio motor/caixa (manual de seis velocidades) aceita perfeitamente rolar em 3ª e 4ª com regimes abaixo das 1200 rpm. E tudo graças à linearidade do 2 litros turbo, que desenvolve o seu binário máximo (350 N.m) de forma constante entre as 1000 e as 5000 rpm. Portanto, se é categórico em aceleração, torna-se imbatível na graciosidade e nos sorrisos que nos provoca. Os consumos também saem beneficiados, pois com meros 1013 kg e um correto escalonamento da caixa, as médias nunca passaram dos 8 litros.

Não é defeito, é feitio

O Morgan Plus Four não é um desportivo para rasgar qualquer pedaço de asfalto ou tornar uma simples deslocação num time trial. É para ser degustado com serenidade, havendo até opção de caixa automática de oito velocidades para os mais ponderados. A capota dobra-se cuidadosamente, e até podemos retirar a parte superior das portas (com janela) para maior sensação de liberdade. E é aí que reside a magia dos roadsters construídos em Worcestershire.

O conforto é premente, mesmo nos pisos disformes, mas esqueça a música, pois aqui os únicos tenores são as duas saídas de escape, nem tão pouco há rádio de bordo – mas podemos ouvir a nossa seleção musical conectando o smartphone por Bluetooth.

É verdade que a sua relação peso/potência está abaixo dos 4 kg/CV, o que ajuda a apelar à performance; que a travagem é forte e consistente; e que o modo Sport+ apura ainda mais o ruído de escape e a resposta do motor, mas há cuidados a tomar. Mais uma vez, entra em equação o feitio deste Morgan.

Nesta nova incarnação, o Plus Four goza de triângulos sobrepostos à frente e arquitetura multibraços atrás. O chassis fala muito bem com o condutor – até porque vamos sentados quase sobre o eixo traseiro – e é relativamente fácil perceber quando atingimos os seus limites, residindo aí uma parte importante do prazer que oferece. Até aqui, tudo bem. Que a traseira se solte com alguma insolência não é problema, pois sempre são 255 CV e tudo controlável com pequenos ajustes de acelerador e direção. Já o comportamento da dianteira é menos previsível. A direção merecia ser mais direta, para um feeling mais intuitivo, ao passo que a frente tem uma certa tendência em alargar a trajetória quando se força a velocidade de entrada em curvas mais fechadas. Contudo, a forma como o faz mina a confiança do condutor, e torna-se difícil acreditar que não vamos ser surpreendidos nos momentos mais inspirados. Talvez a culpa seja dos pneus Avon montados de origem – teremos de experimentar com uma alternativa mais aderente e desportiva –, talvez tudo se resuma ao feitio deste Plus Four…

Seja como for, o que sobressai neste modelo é que tudo o que estava ultrapassado foi deixado para trás – leia-se soluções mecânicas –, e os aspetos positivos do legado Morgan foram perdurados, como o design retro, o requinte, o prazer de condução e o mais puro espírito roadster britânico. Por isso, é de realçar que, embora continue a ser uma compra excêntrica – com um PVP acima dos 86 mil euros –, este Plus Four já é uma opção bastante mais racional face aos seus antepassados, podendo os interessados obter mais informações no site uktm.pt.

 

FICHA TÉCNICA

Morgan Plus Four

Motor: Gasolina, quatro cilindros em linha, injeção direta, TGV, intercooler
Cilindrada: 1998 cm3
Potência: 255 CV/5500 rpm
Binário máximo: 350 N.m/1000-5000 rpm
Tração: Traseira
Caixa: Manual de 6 velocidades
Aceleração (0-100 km/h): 5,2 segundos
Velocidade máxima: 240 km/h
Consumo combinado: 7,3 l/100 km
Emissões de CO2: 165 g/km
Depósito: 55 litros
Peso: 1013 kg
Preço base da versão: 86.180€

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