Pode parecer um contrassenso que em época de controlo quase insano nas emissões, ainda existam máquinas igualmente insanas como esta. O Renault Mégane R.S. Trophy R é já o terceiro formato desportivo da gama Mégane, que começou com o R.S. de base, elevado depois à versão Trophy e culminando agora no mais extremo Trophy R, que mais não é do que um carro imaginado para a pista deixado com ‘rédea solta’ no dia-a-dia. Testámos o compacto de tração dianteira mais rápido de sempre (de produção) e ficámos rendidos ao seu potencial.

Na guerra dos compactos desportivos, chega o momento em que a escalada de potência se torna mais difícil no caso dos carros de tração dianteira. Por isso, para ser mais veloz a única solução é tirar peso, dando início a uma dieta forçada que tira as partes ditas supérfluas da equação. Depois, uma volta pelo circuito ‘tira-teimas’ de Nürburgring de ‘faca nos dentes’ e tudo fica mais claro: os engenheiros ‘loucos’ da Renault Sport fizeram mesmo um dos carros mais excitantes de sempre.

O Mégane R.S. Trophy R mantém o motor 1.8 de 300 CV, mas as atenções viraram-se para três outras áreas principais: a redução de peso, aperfeiçoamento das ligações ao solo e melhoria da faceta aerodinâmica.

Dieta rápida… já!

Em relação ao peso, a marca optou por tirar tudo o que considerou desnecessário ou supérfluo, como o banco traseiro, numa ‘dieta’ que ditou ainda a inclusão de jantes em carbono (opcionais) e sistema de escape em titânio da Akrapovic, entre outros, para uma redução de peso de 130 kg face ao Mégane R.S. Trophy desprovido de opções. No modelo mais extremo, o peso mínimo declarado é de 1306 kg.

Indo ao pormenor, o capot em carbono permitiu uma redução de metade do peso para apenas 8 kg. O carbono é utilizado na entrada de ar NACA e no núcleo da estrutura do capô que depois é revestida a fibra de vidro. O capô incorpora um aspeto funcional no seu design, com “guelras” e uma entrada de ar NACA que, além de úteis, incrementam naturalmente o design desportivo do automóvel.

As jantes de liga leve “Fuji Light” de 19 polegadas permitem uma poupança de 2 kg por roda. Há ainda umas jantes de carbono opcionais, desenvolvidas pela Carbon Revolution e adaptadas pela Renault Sport ao Mégane R.S. Trophy-R, que proporcionam um ganho adicional de 2 kg/roda, importante para baixar o peso suspenso. No entanto, no nosso ensaio preterimos a presença dessas jantes, que vão colocadas na zona onde os bancos posteriores costumam estar (presas com arnês de segurança), já que sempre são 14 mil euros que ficariam na rua…

Já o sistema de escape em titânio da Akrapovič, que oferece um som ainda mais empolgante, permite uma redução de mais de 6 kg. Mais impressionante ainda é a redução de peso oferecida pelo eixo traseiro, que contribui com uma redução de 38 kg, tendo desaparecido o sistema de quatro rodas direcionais.

“Já muito veloz no Trophy normal (parece pecado chamá-lo assim…), o comportamento do Trophy R ganha uma precisão assombrosa, entrando em curva com astúcia impressionante”.

As opcionais entradas de ar, que substituem os faróis R.S. Vision, poupam mais 2 kg na dianteira e, como acessório, uma bateria de lítio DESS, que permite um ganho adicional de até 4,5 kg, está disponível através da loja online R.S. Performance.

Também no habitáculo, há redução de peso, graças a uma atmosfera semelhante à de um carro de corrida com bacquets monobloco da Sabelt feitas de material compósito e cobertas a Alcantara (ganho de aproximadamente 7 kg por assento). Ambos os bancos podem ser colocados em três níveis de altura distintos, mas com ajuste manual por via de parafusos. Este desportivo está preparado para receber (como acessório) um arnês da Sabelt, com seis pontos de apoio. Há ainda vidros mais finos (os das portas traseiras fixos) e o óculo traseiro deixou de ter limpa vidros.

O ecrã multimédia de 7” assume o lugar do ecrã de 8,7”, favorecendo ainda o acesso direto do ‘piloto’ à ventilação. No entanto, a câmara de visão traseira, devido ao peso negligenciável, é mantida para evitar os riscos de danificar o difusor de carbono durante as manobras.

Quanto às ligações ao solo, o eixo dianteiro passou a ter um maior ângulo de caster negativo, eixo traseiro em H mais leve, amortecedores específicos da Öhlins ajustáveis, pneus Bridgestone Potenza S007 exclusivos e sistema de travagem de alta performance da Brembo, com discos carbocerâmicos (em opção e aqui montados) de 390 mm de diâmetro na dianteira. Destaque ainda para o diferencial autoblocante mecânico da Torsen.

Já na área aerodinâmica, foram aplicadas carenagens específicas sob a carroçaria e um novo difusor em carbono.

Carro louco fugido do circuito

A lista de alterações técnicas não se resume a um compêndio de informações. Têm um efeito prático e o primeiro impacto chega ao entrar no lugar do condutor: o joelho vai quase sempre encontrar a parte inferior do volante enquanto o corpo desliza para a bacquet, de impecável suporte do corpo. Já dá um ar de circuito, mas tudo ganha ainda mais efeito quando se pressiona o botão de ignição, despertando o motor acompanhado de uma maior sonoridade do escape Akrapovic, de saída dupla e escondido no difusor ao centro.

O punho da caixa está situado em posição baixa, ajudando pois a um sentimento de estarmos num carro de competição, num pequeno capricho de quem gosta de visitar o autódromo para os track-days. Como já referi atrás, a potência não se altera face ao Trophy, com os seus 300 CV de potência e 420 Nm de binário máximo, mas é o peso que tudo muda.

Já muito veloz no Trophy normal (parece pecado chamá-lo assim…), o comportamento do Trophy R ganha uma precisão assombrosa, entrando em curva com astúcia impressionante fruto de uma motricidade quase sobrenatural proporcionada pela combinação de suspensão desportiva com amortecedores Öhlins ajustáveis com o chassis Trophy R e com os pneus Bridgestone Potenza S007 RS ajustados a este carro e de piso semi-slick. Ágil e preciso, este chassis parece ter encontrado novos limites, algo que a Renault soube explorar para um desportivo de topo.

A resposta do motor parece ganhar ainda mais ânimo desde baixos regimes, ganhando uma atitude mais intensa assim que passa das 3000 rpm. É na faixa mais elevada de rotações que o motor 1.8 turbo exibe toda a sua pujança e nervo, sendo até delicioso passar em curva com o controlo do acelerador a comandar a trajetória. Não se ignora, porém, a existência de alguns laivos de ‘torque steer‘, com a direção a sofrer com o ímpeto da transmissão da potência ao asfalto, algo que o diferencial Torsen tenta conter ao máximo, sobretudo quando se esmaga o pedal do acelerador à saída de uma curva. Já que estamos na direção, precisa e informativa.

Ao travar, somos recebidos pela forma eficaz e potente como estes imponentes discos de travão bimatéria (carbocerâmica) fazem parar o Mégane, sem grandes queixumes e, ao cabo de utilização mais intensiva, sem sequer indícios de fadiga. No meio de tudo isto, apenas o manuseamento da caixa de velocidades está um pouco aquém do que seria desejável, carecendo da fluidez que, por exemplo, um Civic Type R exibe nesse aspeto.

Num percurso sinuoso, o Mégane R.S. Trophy R está num patamar que geralmente apenas os superdesportivos já garantem: algumas reações temperamentais, mas facilmente controláveis, sobretudo no modo de condução ‘Race’ do sistema R.S. Drive, que conta ainda com modos ‘Comfort’, ‘Sport’ e ‘Sport+’. Em ‘Sport+’ e ‘Race’, os controlos eletrónicos dão outra liberdade (e risco), acompanhados de uma sonoridade borbulhante do escape que, lá está, nos faz crer que este é um lunático carro de pista que se escapou de uma qualquer competição do fim de semana.

A suspensão compreende de forma muito correta o piso e os pedidos do condutor, adaptando-os a preceito de uma condução ora desportiva, ora mais tolerada, sendo necessário ativar o modo ‘Comfort’, que suaviza a entrega da potência e torna o amortecimento mais brando para fazer face aos muitos buracos das estradas lusas. O painel de instrumentos também se altera consoante o modo escolhido, assim como a iluminação ambiente a bordo.

Por esta fase do texto, o leitor já se perguntará sobre os consumos. A ritmo contido, poderá contar com uma média entre na casa dos oito ou nove litros por cada 100 quilómetros, mas se acicatar o gaulês rapidamente escala para lá dos 10 l/100. Acabámos o nosso ensaio com 9,4 l/100 km, o que nem é assim tão mau.

Tem coisas menos boas?

Mas, nem tudo é garantidamente espetacular neste Trophy R. A primeira das quais é a de catalogar como um modelo unicamente de nicho, não só por vontade própria – afinal, trata-se de edição limitada a apenas 500 exemplares (a nossa era a 004) -, mas também pela sua própria genética. A supressão dos bancos traseiros dita que deixe de ser polivalente, assim como a própria ausência de uma chapeleira que proteja os bens do porta-bagagens, onde à vista desarmada fica a barra anti-aproximação.

Por fim, o preço. Claro que o Trophy R deve ser exclusivo, mas ainda assim não deixa de ser um valor de 81.500€, o que faz deste carro de competição camuflado para a estrada algo muito especial, seja qual for o prisma por onde se olhe.

VEREDICTO

A Renault já nos habituou a algumas exorbitâncias imaginadas pelos seus engenheiros da divisão desportiva, como o Clio V6 ou a emblemática e única Espace F1. No entanto, o nascimento deste Mégane R.S. Trophy R não deixa de ser uma revelação numa era em que as normas antipoluição vão limitar a sua existência.

Porém, estar ao volante da versão R do Mégane é realmente algo especial, desde logo pela excelente dinâmica desportiva, que parece retirada de um campeonato de turismos. Impulsivo, extremo e até bruto nas suas reações quando provocado, o Mégane R.S. Trophy R tem um estatuto próprio no seu segmento. Sobretudo, porque ganha o cunho de desportivo compacto de tração dianteira mais veloz de sempre.

Mas vale a pena a pergunta: será que os mais de 80 mil euros que são pedidos por este Trophy R são justificados para um modelo que se assume mais limitado em funcionalidade e que apenas pode ser ‘explorado’ na íntegra em circuito? Os racionais dirão que não. Os indefetíveis de tesouros de emoções forte dirão que… totalmente.

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