Primeiro, a Porsche lançou os SUV. Os puristas irritaram-se, mas aceitaram a sua importância. Depois, vieram os Diesel. Uma vez mais, os puristas fumegaram de incómodo pela blasfémia, mas aceitaram pela tendência do momento. Agora, surgem os elétricos e, apesar de alguns queixumes, ninguém lhes mostra indiferença. Os modelos da Porsche têm vindo a quebrar tabus ao longo das últimas décadas e a última ‘fronteira’ a ser quebrada demonstra que o legado da marca alemã está bem protegido, envolto num formato que parece saído de um filme de ficção científica.

O visual do Taycan não deixa ninguém indiferente, tal é a sua opulência, sublinhada pela forma esguia, baixa e quase felina. Aliás, há uma certa presença felina naquela pose de quem está sempre pronto para atacar quando provocado. Tudo isso tem uma razão: a necessidade de reduzir o atrito aerodinâmico em prol da eficiência – com um coeficiente de arrasto de apenas 0,22 Cx, o Taycan 4S a ensaio esgrime bem os seus argumentos neste campo.

Depois, todo o impacto visual de grupos óticos escurecidos com tecnologia LED, alinhados com cortinas laterais aerodinâmicas, cavas das rodas salientes em frente mergulhante (com grelha ativa que varia a sua posição consoante as necessidades de refrigeração), jantes de grandes dimensões (21 polegadas no caso da unidade ensaiada), fundo plano e uma secção traseira musculada, com ombros largos e farolins esguios, com um spoiler na tampa da bagageira e a designação Porsche em superfície vidrada logo abaixo. Nas portas (sem molduras), os puxadores exteriores escondem-se na carroçaria para também reduzir o impacto aerodinâmico.

Mais abaixo, o difusor não é estapafúrdio, mas competente na sua atuação de manter o Taycan rente ao solo com o menor atrito possível. Apesar de ter quatro portas, o Taycan é um desportivo de silhueta muito idêntica à de um coupé, assemelhando-se até, nalguns aspetos, ao formato clássico de um 911, com a linha descendente do tejadilho muito pronunciada a partir do pilar B. Uma solução visualmente agradável que não deixa de ter os seus pontos negativos no momento de avaliar a habitabilidade.

Outros detalhes chamativos são os espelhos esculpidos ou as tampas de cobertura das tomadas de carregamento nas laterais com abertura automática, noutro opcional de agradável conveniência.

Nota, ainda, para as grandes dimensões deste modelo, com quase cinco metros de comprimento (4963 mm) e quase dois metros de largura (1966 mm), o que além de reforçar a visão robusta, também permite ter um habitáculo desafogado, mesmo que não tenha uma habitabilidade excecional. Com efeito, não há grandes apertos no Taycan, mas a altura nos lugares traseiros não é fantástica e o lugar central (opcional) serve apenas como solução de recurso. Seja como for, viaja-se bem no Taycan e apenas se for muito alto terá razões de queixa atrás.

As duas bagageiras acrescentam-lhe funcionalidade e versatilidade, com os 407 litros disponíveis atrás a serem complementados com os 84 litros do compartimento à frente.

Interior hi-tech

Tipicamente Porsche, os padrões de qualidade são elevadíssimos, proporcionando um ambiente requintado e luxuoso, no qual não faltam elementos desportivos e muita tecnologia. Começando pelo que está no campo de visão do condutor, trata-se de um ecrã curvo de 16.8 polegadas, com moldura negra para contraste visual. A instrumentação de três campos é personalizável, conferindo assim, maior personalização, parecendo-nos uma ótima solução. Pareceu-nos, porém, que algumas das informações mais junto às laterais podem ficar tapadas pelo aro do volante.

Na consola central encontram-se mais dois ecrãs. O maior, com 10.9 polegadas, é tátil e comanda as diversas funcionalidades, desde o sistema de áudio à navegação, passando pela configuração do veículo e apresentação das diversas informações dos consumos. A Porsche tentou simplificar os menus, resultando intuitivos uma vez criada a habituação necessária. Mais abaixo, entre os dois bancos está o outro ecrã, também tátil, de 8.4 polegadas, este vocacionado para a climatização, mas não exclusivamente. Aí estão, por exemplo, os comandos táteis do volume. Seguindo uma tendência de mercado, o Taycan permite comandos por voz.

Ao nível da conectividade, o esperado, com ligações aos smartphones e possibilidade de ligação a aplicação para controlo de diversos parâmetros de forma remota.
Nota ainda para a ótima posição de condução, podendo o condutor seguir em posição bastante baixa, mas com boa visibilidade geral (embora o vidro posterior seja algo estreito para as manobras – a câmara traseira é muito bem-vinda), beneficiando ainda da direção com ajuste elétrico e do banco do condutor também regulável em múltiplas possibilidades. Viajar no Taycan é sublime pela qualidade e pelo conforto, merecendo nota máxima, até pelo rigor da construção geral e dos materiais usados.

A insonorização, embora muito boa, não é impressionante – num elétrico ouvem-se com maior facilidade outros ruídos e o de rolamento pareceu-nos evidente. Mas, nada de dramático. Em dias de chuva, fica também a dica de que sair do carro sem prestar atenção às proeminentes saias laterais pode valer as partes inferiores das calças molhadas…

Respostas eletrizantes

A versão 4S recorre a uma combinação de motores elétricos que, no caso da unidade ensaiada, dispunha da opcional bateria Performance Plus (com custo de 5707€) de 83.7 kWh de capacidade útil e que lhe eleva a potência para 360 kW (490 CV) em condições normais, podendo chegar aos 420 kW (571 CV) em modo ‘Overboost’, mantendo-se o binário de 650 Nm em ambos os casos. Solução pouco comum para um elétrico, o Taycan recorre a duas transmissões, de uma velocidade no eixo dianteiro e de duas velocidades no eixo traseiro.

Neste enquadramento técnico, o Taycan 4S é bastante intenso nas acelerações, pregando-nos ao banco quando o pedal da direita é pressionado de forma mais vigorosa. Se nos modos de condução ‘Range’ ou ‘Normal’, o Taycan é um cruzador exímio, oferecendo conforto e refinamento, a passagem para os modos ‘Sport’ e, sobretudo, para o ‘Sport+’ transformam ligeiramente o carácter desta berlina desportiva.

Com a última configuração ativada, o Taycan 4S é intempestivo, acelerando dos zero aos 100 km/h em 4,0 segundos, mas impressiona o binário disponível, que atira rapidamente o Taycan para outra toada. Num traçado de montanha, exige concentração máxima e pouca distração com o velocímetro, porque ganha velocidade de forma muito rápida, com o sistema de travagem a corresponder às necessidades, com um tato que se pode considerar como um dos seus pontos mais positivos.

Ainda assim, se a aceleração não surpreende muito quem já andou noutros elétricos (sabendo que a energia está toda disponível desde o arranque), as recuperações são sempre fortes e vigorosas, fazendo com que uma ultrapassagem seja tão fácil como cortar manteiga com uma faca quente… Por outro lado, o que surpreende mesmo é o seu comportamento, com as dimensões e o peso (cerca de 2200 kg) a serem quase (note-se o quase) relegados para segundo plano pelo dinamismo de um chassis tão rígido e imperturbável que alinha nos devaneios do condutor. Reage como um bloco, obedecendo às ordens lineares e precisas de uma direção comunicativa e informativa com assistência ligeiramente reduzida no modo mais desportivo de condução.

Desta forma, o Taycan assume-se como um desportivo bem concebido e realmente entusiasmante de conduzir, valendo-se também do centro de gravidade bastante baixo e da distribuição variável do binário. Se não é um desportivo puro, já que… sempre são duas toneladas em movimento, disfarça bem. Não adorna em curva, é imediato e progressivo nas reações, com a tração integral a ajudar na sua precisão na passagem – rápida – em curva.

A suspensão pneumática adaptativa de três câmaras (que permite baixar até 22 mm a altura ao solo) permite exímio equilíbrio entre conforto e firmeza, nunca resultando desconfortável, mesmo quando ativado o modo ‘Sport+’.

No dia-a-dia, basta o modo ‘Range’ que já oferece ótima elasticidade dinâmica com a permissividade de um ligeiro incremento de autonomia. A regeneração de energia decorrente da travagem não é intrusiva em qualquer dos modos, podendo ser ajustada consoante o modo no ecrã central.

A marca anuncia um valor homologado de 21.9 kWh/100 km, com o nosso ensaio a retribuir uma média de 23.4 kWh/100 km, que não deixou de ser algo influenciada pela pontual ‘necessidade’ de uma aceleração mais vigorosa. Em termos de autonomia, a Porsche aponta para um valor entre os 389 e os 464 quilómetros. Parece-nos que um valor em redor dos 350-360 quilómetros é facilmente alcançável.

Quanto ao carregamento, o primeiro conselho que se pode dar é: invista numa ‘wallbox’! A carga completa numa dessas unidades de 11 kW permite carregar a bateria em oito horas, o que faz com que seja a melhor solução para utilização doméstica. Num ponto de carga rápida DC, o máximo a que pode carregar é a 270 kW, mas como não vai encontrar nenhum em Portugal neste momento, pode esquecer a ideia. O tempo de carregamento a 50 kW (DC) é de 93 minutos dos 5 aos 80%. Se isso lhe parece muito tempo, ainda assim, é mais reconfortante pensar que para obter mais 100 quilómetros de autonomia nesse mesmo posto DC basta esperar 28 minutos.

O preço base de 110.866€ já não lhe dá o estatuto de modelo mais acessível da gama – o novo Taycan de tração traseira é agora o mais acessível -, mas é perfeitamente aceitável para o que é oferecido. Mas a experiência fica muito mais enriquecida assim que se entra no catálogo de opcionais. Porém, adicionando opções, o preço a pagar sobe consideravelmente, com exemplos como a bateria Performance Plus por 5707€, a pintura metalizada especial por 2460€, as jantes Mission E Design de 21 polegadas com custo de 4378€ a que se juntam os discos de travão Porsche Surface Coated Brake (PSCB), com pinças de travão em preto por 3923€, entre outros… Surpreendente? Nem por isso…

VEREDICTO

Ponto prévio: mais do que se comparar com qualquer outro elétrico no mercado, o Taycan deve ser comparado ‘inter pares’, ou seja, com os demais automóveis da Porsche. Um Porsche como um Porsche, afinado na sua dinâmica e desportivo na vocação, capaz de prestações excitantes na grande maioria das condições, que não apenas em linha reta. A tração integral garante uma performance excecional, com tempo de aceleração dos zero aos 100 km/h em 4,0 segundos e recuperações tremendamente intensas, sobretudo no modo ‘Sport+’.

Com um chassis tão bem afinado que permite explorar sempre um pouco mais, este Porsche é extremamente eficiente, curvando quase sobre carris. A falta da sonoridade do motor de combustão custa a digerir, mas será assim o ‘jogo’ daqui em diante, com a perspetivada depreciação dos motores térmicos face aos elétricos.

Não obstante a sua virtude desportiva, o Taycan 4S consegue ser refinado e confortável para a utilização quotidiana, o que lhe confere ainda uma maior validade, num pacote muito completo e repleto de qualidade.

Com um custo base pouco acima dos 110 mil euros, não se pode considerar que esteja muito abaixo dos mais potentes Turbo e Turbo S em matéria de sensações. Estes dois serão mais efusivos nas prestações, mas o 4S é uma escolha realisticamente acertada. Não vem de outro mundo, é certo, mas está num mundo novo.


MAIS
Prestações impressionantes
Comportamento dinâmico de alto nível
Estilo impressionante
Eficiência de utilização
Requinte e qualidade do interior
Segurança

MENOS
Preço dos muitos opcionais
Altura nos lugares traseiros
Botão ‘on-off’ de ignição contraria um pouco a ideia geral

FICHA TÉCNICA

Porsche Taycan 4S
Motor Elétrico, síncrono permanente (dois)
Potência 420 kW/571 CV
Binário 650 Nm
Bateria Iões de lítio, 83.7 kWh úteis (93.4 kWh)
Autonomia elétrica 389-464 km (WLTP)
Transmissão Tração integral permanente, transmissão dianteira de uma velocidade, traseira de duas velocidades
Velocidade máxima 250 km/h
Aceleração 0-100 km/h 4,0s
Consumo médio WLTP 21.9 kWh/100 km
Emissões CO2 WLTP 0 g/km
Dimensões (C/L/A) 4963/1966/1379 mm
Distância entre eixos 2900 mm
Peso 2295 kg
Bagageira 407-84 litros (traseira-frente)
Pneus 225/55 R19-275/45 R19 (ensaiado: 235/35 ZR21-305/30 ZR21)
Preço base 110.866€ (ensaiado: 129.691€)

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