Um dos modelos mais importantes do mercado europeu e o mais representativo da Renault em Portugal apresenta uma grande novidade: uma versão híbrida que se inspira na tecnologia da Fórmula 1 e que é apresentada como uma forte aposta na eficiência. O Clio E-Tech apregoa valores de consumos bastante baixos, mas será capaz de cumprir? A resposta surpreende.

A entrada da Renault no segmento da hibridação faz-se com uma aposta tripla: dois modelos híbridos plug-in (Mégane e Captur) e um híbrido simples (Clio), com que pretende assumir uma cada vez maior representatividade num mercado mais orientado para as tecnologias sustentáveis. Além disso, não se pode esquecer o contributo do ZOE para uma ambição mais eletrificada da marca francesa.

Entre Captur E-Tech, Mégane E-Tech e Clio E-Tech há um traço comum a todos: a inspiração na tecnologia usada na Fórmula 1, modalidade na qual tem vindo a desenvolver o seu sistema híbrido ao longo dos últimos anos. Ou seja, muita da tecnologia que se pode encontrar nos novos modelos híbridos da Renault com a sigla E-Tech é proveniente – embora à escala – dos monolugares de Fórmula 1 que aceleram por diversos circuitos do mundo.

Sistema complexo no papel

Para o Clio, houve a preocupação de não desvirtuar as principais características em termos de funcionalidade e de ergonomia do utilitário, optando por uma solução mais contida face aos E-Tech plug-in. Assim, o Clio dispõe de um motor de 1.6 litros atmosférico pensado especificamente para a vertente híbrida (dotado de injeção dupla e de filtro de partículas), capaz de oferecer 91 CV de potência e 144 Nm de binário, a que se associam dois motores elétricos síncronos de íman permanente com distintos níveis de potência – um com 36 kW/49 CV (o e-motor) e outro com 15 kW/22 CV (motor de arranque/gerador). A potência combinada é de 140 CV. A alimentar a parte elétrica está uma bateria de 1.2 kWh (da Hitachi), bastante compacta (37 kg) e eficiente.

No total, a Renault conta com mais de 150 patentes relacionadas com este sistema E-Tech, a maior parte relacionada com a caixa de velocidades multimodo, a qual oferece 15 modos de funcionamento (não confundir com 15 velocidades). Isso é possível graças a duas opções de desmultiplicação (para baixa velocidade e para alta velocidade) do módulo elétrico e quatro para a caixa de velocidades de carretos direitos associada ao motor térmico (embora ambos os casos contem com um nível zero – ‘0,1,2‘ e ‘0,1,2,3,4‘). É esse trabalho conjunto na caixa multimodo que permite à unidade de controlo da unidade híbrida avaliar de forma contínua qual o melhor método de funcionamento, se em modo elétrico, se em modo híbrido-paralelo, com os motores elétricos e de combustão em associação.

Sem sincronizador ou embraiagem, cabe ao motor elétrico/gerador ajustar as rotações do motor térmico para que as relações de caixa sejam feitas de forma suave e impercetível.

Simples na prática

Parece complicado no papel, o que até é verdade, mas na prática dificilmente seria mais simples, já que ao condutor não é imputado nenhum esforço adicional. Ou quase… isto porque pode escolher um modo mais intenso de regeneração de energia (‘B’ na alavanca da caixa, que aumenta a intensidade das desacelerações) para acumular energia na bateria. Bomba de água e ar condicionado contribuem para a eficiência geral, sendo elétricos.

A marca presume que durante a condução em cidade e graças à eficácia da regeneração, passe até 80% do seu tempo em modo elétrico. No total, aponta para um consumo médio de 4,3 l/100 km e emissões de CO2 de 96 g/km. No modo híbrido, o motor de combustão também alimenta a bateria.

Boa surpresa

Na apresentação nacional, que decorreu em julho, já havíamos ficado com uma boa impressão geral do funcionamento deste sistema, sendo agora confirmada em teste mais prolongado. O arranque é feito em modo elétrico, até porque não existe embraiagem… Assim, ainda que o motor de combustão até se ative durante alguns instantes para repor mais alguma carga na pequena bateria situada sob a bagageira, o arranque faz-se com recurso ao motor elétrico.

Enérgico e suave, por ação do binário do motor elétrico (250 Nm do e-motor e 50 Nm do motor/gerador), o Clio E-Tech é bastante desenvolto, surpreendendo até pela sua disponibilidade na maior parte dos percursos.

O modo elétrico é fácil de manter por algum tempo, mesmo quando o terreno ‘empina’ ligeiramente, embora seja também necessário que a carga da bateria esteja a mais de meio da sua carga. O motor de combustão entra em ação nos momentos de maior necessidade, por exemplo, em subidas mais íngremes ou acelerações fortes (no modo Sport está sempre em funcionamento), permitindo pois respostas mais contundentes ao possibilitar que os 140 CV sejam bem aproveitados.

Ainda assim, apesar das boas prestações na grande maioria das ocasiões, a resposta do sistema que gere a caixa multimodo nem sempre é a mais lesta, aumentando ocasionalmente o ruído do motor de combustão para níveis pouco agradáveis, por exemplo ao entrar em funcionamento numa subida mais íngreme. Ao condutor resta esperar que o sistema faça uma alteração no seu modo de funcionamento para um regime de motor mais tranquilo.

Mas, o seu fundamento principal é a eficiência elevada com que faz entrar em ação o modo elétrico de condução assim que possível, dando-lhe primazia. Bastante competente, oferece consumos que se situam, frequentemente junto à barreira dos 4,0 l/100 km, até abaixo do consumo médio homologado em ciclo WLTP (os tais 4,3 l/100 km). Uma capacidade que é muito mais evidente em circuito urbano, mas que também não desilude fora dela, permitindo-se, se as condições assim o deixarem, a circular em modo elétrico por exemplo em velocidades em redor dos 80 km/h. No nosso ensaio, sem constrangimentos de ritmo, obtivemos um valor de 4,1 l/100 km, permitindo autonomia acima dos 700 quilómetros.

Na consola central, o sistema Easy Link com ecrã de 9.3 polegads também tem menu dedicado, com o ‘Multi Sense’ a permitir escolher entre três modos de condução: Eco (que dá primazia à condução ecológica e ao motor elétrico, mas que rouba vivacidade ao conjunto), Sport (sempre mais decidido e desportivo na entrega da potência) e My Sense (personalizável). Há ainda uma tecla ‘EV’, que força condução em modo 100% elétrico desde que a carga da bateria assim permita.

A bateria, tal como sucede nalguns rivais, como é o caso do Honda Jazz, é compacta e pode ser recarregada de forma muito rápida com a ajuda do modo de regeneração ‘B’ do seletor da caixa, que chega mesmo a ativar a luz de travão. A sua utilidade permite que o modo elétrico seja frequente. No nosso ensaio, nunca esvaziámos por completo a bateria, mas também nunca se encheu por completo os tracinhos do indicador de carga da bateria. Ficámos com a ideia de que este é um método de funcionamento do próprio módulo eletrónico de controlo, que garante uma carga entre os 25% e os 75%.

Também gostámos bastante do comportamento deste Clio E-Tech, sempre seguro e bem ágil na passagem em curva, tirando partido de uma direção bastante precisa e direta, que oferece ao condutor uma sensação de condução mais desportiva. Isto porque o pisar do E-Tech também se orientava mais para uma relativa firmeza de amortecimento (cortesia também das jantes de 17″), evidente sobretudo quando o piso se deteriora ou na passagem por lombas.

Clio como os outros

Ao mesmo tempo, a inclusão do modo híbrido não tem constrangimentos na habitabilidade embora perca alguma capacidade na bagageira, que oferece 254 litros contra os 340 dos Clio a gasolina TCe. De resto, boa construção e ótima escolha dos materiais, sobretudo na versão de equipamento RS Line, que acentua os apontamentos desportivos, como os logótipos espalhados pela carroçaria e no volante. O espaço nos bancos traseiros pode ser apontado como um pequeno ‘handicap’, uma vez que é algo acanhado para adultos de maior estatura.

As diferenças estéticas da versão E-Tech são reduzidas, limitando-se a pequenos apontamentos em azul e logótipos específicos ‘E-Tech’ – a Renault frisa que não quer mudar a aparência dos seus carros -, mas por dentro conta com um painel de instrumentos digital, dispondo de um medidor de carga da bateria do lado esquerdo, além de poder mostrar também o fluxo de energia na painel de instrumentos.

Bem equipado na versão RS Line, que lhe atribui mais-valias em termos de elementos desportivos, o Clio E-Tech ensaiado (não sendo o que está nas imagens) tinha um custo base de 25.300€, embora a gama comece nos 23.200€ com a versão de equipamento Intens, afirmando-se como uma proposta com potenciais ganhos nos custos de operação pela poupança nos consumos de combustível. Os opcionais podem também representar um acréscimo importante no valor a pagar, destacando-se itens como a pintura metalizada especial (650€) ou o Pack Full NAV 9.3 Bose com sistema de som de alta-fidelidade (1500€) a que se junta ainda o Pack câmara de marcha-atrás com ajuda ao estacionamento dianteiro (490€).

VEREDICTO

O novo Clio E-Tech permite à Renault entrar em força no campo dos utilitários híbridos no qual a Toyota estava sozinha com o seu Yaris Hybrid, mostrando vontade e créditos para se tornar líder também aqui. Bem concebido, refinado (com boa insonorização à exceção dos momentos de aceleração a fundo) e de dinamismo verificado, este Clio híbrido mostra como a transição das tecnologias do desporto pode ser bem aplicada nos automóveis de produção em série.

Facílimo de conduzir e com eficiência assinalável, o Clio E-Tech irá, muito provavelmente, assumir o papel que até aqui era dedicado aos Diesel na sua gama, valendo-se de baixos custos de funcionamento e de um consumo que é mesmo baixo, mesmo que a condução seja menos regrada.

Sobretudo, fica a ideia de que esta versão do Clio tem os méritos todos para triunfar num mercado cada vez mais orientado para a eletrificação, embora tenha dois concorrentes de peso na forma dos igualmente novos Toyota Yaris e Honda Jazz, também eles bons representantes da eficiência ao volante. Mas, gostámos bastante desta faceta do Clio…


MAIS
Boas prestações de conjunto
Refinamento de condução
Insonorização geral
Preço acessível
Economia assinalável
Construção, tecnologia e segurança

MENOS
Capacidade da bagageira mais limitada
Espaço nos bancos traseiros

FICHA TÉCNICA

Renault Clio E-Tech (Híbrido) RS Line
Motor térmico Gasolina, 4 cilindros em linha, 1598 cc, inj. dupla
Potência 91 CV às 5600 rpm
Binário 144 Nm às 3200 rpm
Motor elétrico (1) Síncrono de íman permanente
Potência 49 CV/36 kW
Binário 205 Nm
Motor elétrico (2) Motor de arranque/gerador
Potência 20 CV/15 kW
Binário 50 Nm
Bateria Iões de lítio, 1.2 kWh/230 V
Autonomia elétrica <5 km
Potência combinada 140 CV
Binário combinado N.D.
Transmissão Tração dianteira, caixa automática multimodo (15 modos)
Velocidade máxima 180 km/h
Aceleração 0-100 km/h 9,9 s
Consumo médio WLTP 4,3 l/100 km
Emissões CO2 WLTP 98 g/km
Dimensões (C/L/A) 4050/1798/1440 mm
Distância entre eixos 2583 mm
Peso 1238 kg
Bagageira 254 litros
Pneus 195/55 R16
Preço base 25.300€ (desde 23.200€ Intens)

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