Pensar em cronometrar a aceleração vertiginosa do Tesla Model S Plaid é um pouco irrelevante quando estamos de acelerador a fundo e somos literalmente pressionados contra o banco numa vertiginosa deslocação pela estrada. “Deve ser assim que os astronautas se sentem quando partem para o espaço nos foguetões”, penso a certa altura, quando volto a ensaiar a capacidade de arranque desta berlina com mais de 1000 CV de potência. Mas é um automóvel e, nessa capacidade de ganhar velocidade, pouco ou nada consegue rivalizar com ele.

Ao lançar o Model S Plaid, a Tesla entrou num território que até aqui era muito exclusivo – o dos hiperdesportivos com prestações exorbitantes e preços igualmente estratosféricos. Mesmo para quem é entusiasta dos automóveis, surpreende a forma como a potência é colocada no asfalto, como somos esmagados por uma força que poderia ser a de um carro de competição.

Mas, ficam também patentes algumas ideias importantes: em primeiro lugar, há mais do que apenas andar a direito a fundo, ponto em que os elétricos têm demonstrado imensa capacidade, e, em segundo lugar, é também por isso que os fabricantes de automóveis exóticos têm pela frente uma dura missão de reinvenção perante a constatação de que um Model S Plaid pode acelerar de zero aos 100 km/h em 2,1 segundos, ou que um Kia EV6 GT pode fazer também números de aceleração que há 15 anos ser-lhe-iam proibidos.

Voltemos ao Model S Plaid, uma berlina de quatro portas que, em traços gerais, foi lançado há uma década, mas com algunas atualizações estéticas ao longo dos tempos e muitas melhorias técnicas, tecnológicas e qualitativas.

Sem igual, sem rival

A componente motriz do Model S Plaid é composta por três motores elétricos com rotores envoltos em carbono, situando-se um na dianteira (427 CV/314 kW) e os outros dois na traseira (420 CV/309 kW) cada, para um total de 1020 CV, um valor que impressiona e impõe muito respeito, com esta berlina a dispor ainda de tração integral e tecnologia de vetorização de binário para a distribuição da potência entre as rodas e para que não lhe falte tração em condução mais aguerrida. A bateria tem uma capacidade de 100 kWh, cuja autonomia estimada é de 600 quilómetros. Fazendo uso da rede de carregadores própria da Tesla, há a possibilidade de carregar a uma potência máxima de 250 kW.

Mas os números valem pouco quando a questão é transmitir sensações. E o Model S Plaid transmite muitas: desde a surpresa até à incredulidade, passando pela sensação de exuberância que é própria de quem sabe que pode obliterar todos os outros automóveis na estrada. A autoconfiança tolhe-nos um pouco os pensamentos, pelo que, a certo ponto, exige-se consciência, até porque este elétrico oferece muita confiança – seja em nós, seja na própria conjuntura tecnológica que foi concebida para manter tudo sob controlo.

Antes de entrarmos definitivamente na condução, vale a pena abordar o habitáculo, onde há uma grande sensação de luminosidade e detalhes que apontam para um segmento mais premium, com acabamentos em pele e revestimentos em quase todas as superfícies do interior para assim obter um melhor isolamento acústico. Ainda assim, se atentarmos nos detalhes, há pormenores que podem ser melhorados, sobretudo na construção, que não é perfeita, havendo aqui e ali alguns desencontros entre painéis. Mas, são detalhes que acabam por ser totalmente ultrapassados por outras valências, como por exemplo, a tecnológica proporcionada pelo ecrã central tátil de 17 polegadas, que é o centro de tudo o que há para controlar a bordo.

É aliás, por este ecrã que se tem de ajustar o volante e os espelhos (com o auxílio de uma das rodas no volante), abrir os dois porta-bagagens ou, até, abrir o porta-luvas. Não há lugar para botões supérfluos no interior, num habitáculo minimalista ao máximo. No sistema de infoentretenimento está lá tudo, num esquema que se torna intuitivo, mas que exige habituação. É possível configurar os modos de condução, a suspensão, o arranque, os carregamentos, a navegação (Google Maps), o sistema Autopilot de assistência à condução ou os dados das viagens. O próprio ecrã pode ser orientado no sentido do condutor ou do passageiro, enquanto as aplicações de streaming como o Spotify ou o Youtube estão integradas no sistema. Tudo isto é possível de desfrutar com uma elevadíssima qualidade sonora graças aos 22 altifalantes do sistema áudio premium.

O sistema computacional com uma capacidade de processamento de 10 teraflops permite ainda acesso online com rapidez e acesso à vertente Arcade para videojogos. Tanto os vídeos de Youtube como os videojogos apenas podem ser acedidos com o veículo parado. Entre os outros itens de segurança relevantes, destaque para o modo Sentinela, que grava a área envolvente ao veículo quando está estacionado e memoriza as situações em que alguém se aproximou do veículo, podendo dessa forma captar atos de vandalismo ou toques de outros automóveis. O sistema emite um alerta no ecrã central a indicar que está a gravar, enquanto o utilizador recebe também notificação através da aplicação móvel para smartphone.

Quanto ao espaço interior, graças aos 5021 mm de comprimento e 2960 mm de distância entre eixos, não falta espaço para quatro adultos, tanto para as pernas como em largura, sendo a altura a cota menos positiva devido ao formato coupé do tejadilho. Os bancos dianteiros têm regulação elétrica e permitem chegar à posição de condução ideal de forma simples, enquanto atrás há um outro ecrã tátil suplementar com que os passageiros podem aceder aos seus próprios conteúdos ou ajustes de climatização. Já o lugar do meio é praticamente inutilizável, já que o encosto para as costas é desconfortável pela dureza e avanço.

‘Yoke’: primeiro estranha-se… depois estranha-se na mesma

No meio de tudo isto, há um novo conceito de volante, o ‘yoke’, que é algo inspirado na manche de um avião, tendo um formato retangular em que a parte inferior é até mais larga do que a superior. Este ‘yoke’ estranha-se em primeiro lugar, porque exige a colocação das mãos em posição que é pouco natural para um volante, que se posiciona muito em baixo, pelo que a tentação é a de colocar as mãos na parte mais acima, com o polegar sobre a parte superior, mas isso traduz-se numa dificuldade suplementar em curvas apertadas ou em manobras: somos obrigados a controlar o ‘yoke’ apenas com uma mão, enquanto a outra ‘navega’, meio perdida, em busca de outro ponto onde se apoiar.

Manobras de estacionamento, por exemplo, perdem naturalidade e, nas rotundas, o facto de os botões dos ‘piscas’ estarem colocados no lado esquerdo, um por cima do outro, não ajuda: se fizermos a rotunda como dita a lei, sinalizando a entrada e a saída da mesma, conseguimos sempre assinalar a entrada, mas a saída é mais complicado, pois nem sempre o dedo chega lá com a devida rapidez em curva. Acresce que, mesmo após alguns dias de utilização, continuámos a errar o sentido do pisca. Mas, neste ponto, admita-se que pode ser uma questão de habituação.

Ainda assim, em autoestrada, o controlo é muito bom e a direção, que até tem diferentes ajustes de assistência, oferece um bom ‘feedbak’. Além disso, cumpre aquele que era um dos propósitos de Elon Musk quando o lançou: permitir uma visualização desimpedida do painel de instrumentos digital de 12.2”, ao qual não faltam indicações de navegação, velocidade e, também, a representação gráfica da estrada e do tráfego.

Se o ‘yoke’ visualmente impressiona, o melhor que se pode fazer mesmo é optar pelo bom velho volante circular que a Tesla também oferece como opcional sem custo.

Como uma bala

Como já foi referido no início, a condução do Model S Plaid é particularmente impressionante. Há três modos de condução e cada um tem uma influência distinta na entrega da potência. O ‘Relaxado’ é o mais simples para o dia-a-dia. Dá-nos a confiança suficiente para a maioria das situações e equilibra os consumos, permitindo também gerir a condução de uma forma mais tranquila. Depois, há o modo ‘Desportivo’, que dá já um pouco mais de ‘alma’ ao desempenho, mas é no modo ‘Xadrez’ que o Model S Plaid liberta a sua total energia.

Os 1020 CV tornam-se numa ‘arma de arremesso’ que parecem inesgotáveis, sendo também impressionante a imediatez com que responde à mínima pressão do acelerador. As recuperações são igualmente fulgurantes e, pouco ou nada se lhe compara quando tem de entrar numa autoestrada ou, simplesmente, ultrapassar um veículo mais lento numa estrada nacional. Há um efeito de brutalidade a que o próprio cérebro mostra dificuldade de habituação.

Isso acontece também quando se experimenta o modo ‘Drag Strip’, que procura mimetizar as corridas de aceleração tradicionais nos Estados Unidos. O funcionamento é mais ou menos simples: ativa-se no ecrã central, pressiona-se o pedal do travão com o pé esquerdo e o direito a fundo no acelerador. Ao mesmo tempo, a suspensão pneumática eleva a traseira, colocando-se assim em modo ‘chita’, ou seja, pronto a disparar. Após dez segundos em que tudo é preparado no sentido de um máximo desempenho de arranque (incluindo a bateria), soltamos o travão e somos novamente impulsionados para o espaço… perdão, para a frente com enormíssima intensidade. Não há muito tempo para olhar para o velocímetro, mas vemos um grafismo como se estivéssemos a atravessar um portal do tempo. A certo ponto, o instinto parece dizer-nos para aliviar o acelerador, mas é preciso contrariar esse ‘anjo no ombro’. Nem vale a pena reforçar que este método apenas se deve utilizar em locais com muita segurança e espaço.

Mas, se a direito estamos ‘conversados’, o Model S Plaid reserva mais alguns argumentos para percursos sinuosos. Apesar dos mais de 2200 kg de peso, este modelo é ágil e desenvolto, mostrando uma competência muito elevada na forma como transmite a potência ao asfalto e dá confiança ao condutor para lidar com os 1020 CV. Naturalmente, o trabalho de bastidores do chassis, com vetorização de binário e suspensão adaptativa, são fundamentais para um desempenho surpreendente. Cada aceleração representa um empurrão contra o banco e há que travar mais cedo para as curvas do que o faríamos num outro automóvel. Isso pode parecer estranho, mas prende-se com dois motivos: o primeiro é que… chegamos às curvas muito, mas muito depressa e, depois, há que desacelerar uma massa de 2.2 toneladas multiplicada pela sua velocidade. Os travões cumprem, é um facto, mas também fica a ideia de que merece um sistema de travagem mais potente, algo que a Tesla já está a trabalhar.

O rolamento da carroçaria é pouco pronunciado e a altura ao solo é ajustada de forma automática, se o sistema deteta que a posição mais baixa é inadequada. Em piso mais irregular ou com diferentes tipos de alcatrão, torna-se mais evidente algum nervosismo da direção e uma maior dificuldade da suspensão em lidar com a transferência de massas. Mas, pelo que é, não deixa de ser um exemplo surpreendente de desempenho em estradas secundárias.

Algo que poderia ser melhorado, também, é o ajuste singular de cada elemento do chassis. Ou seja, ao contrário de outros construtores, que abrigam cada âmbito de condução num único patamar, aqui o condutor tem de selecionar cada um de forma individual – a direção desportiva, a suspensão desportiva (embora tenha modo ‘Auto’) e o desempenho do motor.

O que existe, de forma mais ou menos análoga, é o ‘Modo Pista’, que atua de forma análoga, configurando diferentes parâmetros para utilização exclusiva em pista, como o arrefecimento da bateria, o amortecimento ou o controlo de estabilidade, alterando também a apresentação e os elementos gráficos apresentados no painel de instrumentos.

Outra surpresa reside na eficiência e os avanços alcançados ao nível do desempenho dos motores elétricos ajudam a que o consumo médio obtido seja baixo em caso de condução dita normal – sem arranques tresloucados, mas com um ritmo quotidianos ajustado ao trânsito. No nosso ensaio, os 100 quilómetros iniciais ‘devolveram’ um consumo médio de 18.4 kWh/100 km, subindo depois para 19 kWh/100 km após uma série de percursos em modo ‘Xadrez’.

Resta dizer que, enquanto automóvel de aptidões familiares, o Tesla Model S Plaid também tem muitos trunfos, pois não só é confortável, como tem ainda as duas bagageiras, com 709 litros atrás e 89 litros no compartimento dianteiro.

Por fim, o preço: os 141.990€ são muito bem justificados por este Model S Plaid que é quase do outro mundo. Tem as prestações de um hiperdesportivo, a eficiência de um utilitário elétrico e o conforto para uma berlina familiar. Não escapa a alguns problemas, sobretudo na construção e junção de alguns painéis, mas no ritmo que oferece é praticamente inigualável no mercado. Como opcionais, vale a pena mencionar as jantes ‘Arachnid’ de 21 polegadas com pneus 265/35 ZR21 no eixo dianteiro e 295/30 ZR21 no traseiro.

VEREDICTO

Para quem chegou até aqui, a súmula perfeita é de que é um automóvel desportivo que se bate com um Bugatti ou Ferrari, mas com a benesse de ser uma berlina para o dia-a-dia com benesses para a família e uma vertente tecnológica de topo. E claro, com um custo muitíssimo menor!

No limite, tem pequenas arestas a limar, mas nada que atrapalhe uma experiência ímpar no mercado automóvel atual, sobretudo no que toca às prestações, que ‘atordoam’ o cérebro tal é a sua intensidade.

Pode ser que alguns apontem também o facto de não ter o comportamento incisivo e apurado dos desportivos ‘levezinhos’, mas a sua estabilidade e postura confiante é louvável, sendo que tudo se passa muito depressa (e exige também pensamento rápido) quando se conduz em modo ‘Xadrez’ por trajetos sinuosos. Impressiona sempre e eleva a adrenalina.

Esqueça é o ‘yoke’. O volante nunca precisou de ser reinventado. Também não deve ser agora…


MAIS
Prestações absolutamente fulgurantes
Estilo apelativo
Espaço a bordo e arrumação
Vertente tecnológica de ponta
Eficiência
Estabilidade e segurança

MENOS
‘Yoke’ – só complica
Excesso minimalista: ajuste dos espelhos pelo ecrã é demasiado
Travões podem ser reforçados

Ficha técnica
Tesla Model S Plaid
Motor Três motores elétricos; um dianteiro e dois traseiros; síncronos de íman permanente com rotores envoltos em carbono
Potência 1020 CV/750 kW
Binário máximo 1420 Nm
Bateria Iões de lítio, 100 kWh
Transmissão Tração integral, caixa de 1 vel.
Acel. 0-100 km/h 2,1 segundos
Vel. máxima 322 km/h
Consumo médio (WLTP) 18,7 kWh/100 km
Emissões CO2 (WLTP) 0 g/km
Autonomia (WLTP) 600 km
Tempo de carregamento 14h30 de 0-100% a 7.4 kW (CA); 30 min. de 10-80% a 250 kW (CC)
Dimensões (C/L/A) 5021/1987/1431 mm
Distância entre eixos 2960 mm
Peso 2265 kg
Bagageira 709-1828 litros (89 litros ‘frunk’ à frente)
Pneus 255/45 R19 (D) – 285/40 R19 (T)
Preço 141.990€ (ensaiado: 150.740€)
Gama desde 116.990€

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AVALIAÇÃO
Qualidade geral
8.5
Prestações
10
Espaço
9.5
Segurança
10
Condução
9.5
Consumos
9
Preço/equipamento
9